Instituto
CAPÍTULO DEZESSEIS: AS PERSEGUIÇÕES E A EXPULSÃO DO MISSOURI


CAPÍTULO DEZESSEIS

AS PERSEGUIÇÕES E A EXPULSÃO DO MISSOURI

DURANTE OS QUENTES meses do verão de 1838, o relacionamento entre os santos dos últimos dias e seus vizinhos no norte do Missouri continuaram rapidamente a se deteriorar. O Élder Parley P. Pratt, que chegara a Far West em maio, depois de retornar de uma missão no leste, descreveu a situação tensa que existia em julho de 1838. Ele disse: “Nuvens escuras e tenebrosas de guerra começaram a surgir no céu. Aqueles que tinham-se reunido contra as leis nos condados vizinhos observaram nosso crescente poderio e prosperidade com inveja e com olhos cobiçosos e avarentos. Era comum gabarem-se de que assim que completássemos nossos melhoramentos e tivessemos uma colheita abundante, iriam expulsar-nos do estado e enriquecerem-se novamente com o espólio”.1Por esse motivo e outros, teve início a violência que veio a culminar na expulsão da Igreja do Estado de Missouri.

BATALHA DO DIA DA ELEIÇÃO EM GALLATIN

Em 1831, uma família chamada Peniston tornou-se os primeiros moradores brancos do que viria a tornar-se o condado de Daviess. No ano seguinte, construíram um moinho junto ao rio Grand para fazer farinha de trigo e de milho para os futuros colonos. Eles estabeleceram a vila de Millport. Quando o condado foi criado, em 1836, ainda havia menos de cem colonos. A cidade de Gallatin foi planejada para ser a sede do condado e à medida que ela crescia, Millport, que ficava a cinco quilômetros a leste entrou em declínio. Os santos começaram a mudar-se para Adão-ondi-Amã, cerca de seis quilômetros e meio ao norte de Gallatin, no verão de 1838. Rapidamente ultrapassaram o número de gentios no condado de Daviess.

O ano de 1838 era ano de eleição. Os antigos moradores naturalmente queriam eleger um legislador que fosse um dos seus. William Peniston, renitente inimigo dos santos, era candidato. Ele tinha medo que o rápido influxo de mórmons o impedisse de ganhar a eleição, pois a maioria dos membros da Igreja apoiava John A. Williams. Cerca de duas semanas antes da eleição, o juiz Joseph Morin, de Millport, aconselhou dois élderes da Igreja a irem para a urna “preparados para enfrentar um ataque” do populacho, que estava decidido a não permitir que os mórmons votassem.2A eleição seria realizada em 6 de agosto, segunda-feira, em Gallatin, que na época não passava de uma fileira de “umas dez casas, três das quais eram botequins”.3

Esperando que a previsão do juiz não se cumprisse, alguns mórmons foram desarmados para Gallatin a fim de votar. Às 11h, William Peniston fez um discurso para uma multidão de eleitores, procurando incitá-los contra os mórmons: “Os líderes mórmons são um bando de ladrões de cavalos, mentirosos, enganadores; todos sabem que eles alegam curar doentes, expulsar demônios, mas vocês sabem que tudo isso é mentira”.4Os dias de eleição raramente eram ordeiros, mas com o discurso inflamado de Peniston e algumas pessoas da multidão embriagadas com uísque, era inevitável que ocorresse uma briga. Dick Welding, o valentão do populacho, acertou um soco em um dos santos e derrubou-o ao chão. Começou uma briga. Apesar de estarem em inferioridade numérica, um dos mórmons, John L. Butler, agarrou uma estaca de madeira de uma pilha de lenha próxima e começou a acertar os moradores locais com uma força que surpreendeu até ele mesmo. Os missourianos armaram-se com paus e tudo que estava à mão. Durante a luta que se seguiu, várias pessoas ficaram bastante machucadas, em ambos os lados. Apesar de poucos mórmons terem conseguido votar naquele dia, ainda assim Peniston perdeu a eleição.

Relatos distorcidos da briga chegaram aos ouvidos dos líderes da Igreja em Far West, na manhã seguinte. Ao ouvirem dizer que dois ou três irmãos haviam sido mortos, a Primeira Presidência e cerca de vinte homens partiram imediatamente para o condado de Davies, no dia 8 de agosto, quarta-feira. Levaram armas para defenderem-se e reuniram-se no caminho a outros membros da Igreja vindos do condado de Davies, alguns dos quais haviam sido atacados pela multidão no dia da eleição. Chegaram à noite em Adão-ondi-Amã e ficaram aliviados ao saber que nenhum dos santos havia sido morto.

Enquanto estava nas redondezas, o Profeta decidiu que seria sábio percorrer a região com alguns dos irmãos a fim de determinar as condições políticas e acalmar o temor que se havia erguido no condado. Visitaram vários dos antigos colonos da vizinhança, incluindo Adam Black, o juiz de paz e recém-eleito juiz do condado de Daviess. Sabendo que Black havia participado das atividades anti-mórmons, perguntaram-lhe se iria administrar a lei de modo justo e se assinaria um acordo de paz. Segundo Joseph Smith, depois de Black ter assinado um documento certificando que ele iria se desligar do populacho, os irmãos voltaram a Adão-ondi-Amã. No dia seguinte, um conselho formado por preeminentes mórmons e os que não eram mórmons “fizeram um acordo de paz, de preservar o direito uns dos outros, e correr em defesa uns dos outros; se os homens agissem errado, nenhum partido iria sustar ou procurar escondê-los da justiça, mas entregariam todos os ofensores para serem julgados de acordo com a lei e a justiça”.5

TO clima de boa vontade durou menos de vinte e quatro horas. Em 10 de agosto, William Peniston jurou em um documento, em Richmond, condado de Ray, perante um juiz itinerante, Austin A. King, declarando que Joseph Smith e Lyman Wight haviam organizado um exército de quinhentos homens e ameaçado de morte “todos os antigos moradores e cidadãos do condado de Daviess”.6Ao saber disso, Joseph esperou em sua casa, em Far West, pelo desenrolar dos acontecimentos. Quando o xerife ficou sabendo que Joseph estava disposto a entregar-se para ser preso se pudesse ser julgado no condado de Daviess, ele declinou de cumprir seu mandado de prisão e voltou a Richmond a fim de consultar o juiz King.

Por cerca de quatro semanas a tensão aumentou nos condados de Daviess e Carroll. Adam Black falsamente declarou que 154 mórmons haviam-no ameaçado de morte se ele não assinasse o tratado de paz. O Profeta respondeu a declaração de Black “mostrava claramente quem ele era: um odioso membro de populacho sem princípios e perjuro”. 7Parecia iminente uma guerra civil quando os rumores e histórias exageradas começaram a ser divulgadas por todo o Estado de Missouri e falsos relatos de uma rebelião mórmon chegaram aos ouvidos do governador Lilburn W. Boggs.8

CRIADO O PALCO PARA A GUERRA

Em setembro, o Profeta refletiu a respeito da situação que piorava a cada momento e traçou o plano de ação da Igreja. Fez a seguinte declaração:

“Existe muita agitação entre os moradores de Missouri, que estão procurando encontrar um motivo para nos atacar. Estão constantemente irritando-nos e tentando provocar-nos, com uma ameaça atrás da outra, mas não os tememos, pois o Senhor Deus, o Pai Eterno é nosso Deus, e Jesus (…) nossa força e esperança (…)

(…) O pai deles é o diabo, que os instiga a todo momento a agir dessa maneira, e eles, como filhos submissos e obedientes, não precisam ser mandados mais de uma vez. Mas em nome de Jesus Cristo (…) não toleraremos por mais tempo, se nosso grandioso Deus armar-nos com coragem, com força e com poder para resistir-lhes em suas perseguições. Não agiremos na ofensiva, mas sempre na defensiva.”9

No dia seguinte, Joseph Smith aconselhou-se com o general de divisão David Atchison e o general de brigada Alexander Doniphan da milícia estadual de Missouri sobre como dar um fim às hostilidades no condado de Daviess. Ambos haviam sido advogados dos santos durante os problemas enfrentados no condado de Jackson, em 1833–1834, e continuavam sendo favoráveis à Igreja. O general Atchison prometeu que “faria todo o possível para dispersar o populacho”.10Aconselhou o Profeta e Lyman Wight, que também estava presente, a apresentarem-se voluntariamente para serem julgados no condado de Daviess. E assim, o julgamento foi realizado em 7 de setembro, pouco ao norte da divisa do condado, na casa de um fazendeiro que não era mórmon. Preocupado com possíveis ataques do populacho, Joseph Smith deixou um grupo de homens acampados na divisa do condado “que estariam prontos para agir ao menor aviso, caso ocorressem problemas durante o julgamento”.11Não foi apresentada qualquer evidência incriminadora contra os dois líderes, mas cedendo a pressões, o juiz King ordenou que fossem julgados perante uma corte itinerante e liberou-os após o pagamento de uma fiança de quinhentos dólares.

Infelizmente, isso não apaziguou o populacho. Os inimigos da Igreja, incluindo pessoas de outros condados, prepararam-se para atacar Adãoondi- Amã. Lyman Wight tinha a patente de coronel no quinquagésimo nono regimento do exército de Missouri, que era liderado pelo estado por meio do general H. G. Parks. Lyman ordenou que um grupo de 150 homens que faziam parte da milícia estadual tomassem armas para defender a cidade contra o populacho. Tanto os mórmons quanto os inimigos da Igreja enviaram batedores pela região, fizeram alguns prisioneiros e geralmente insultaram-se mutuamente. Somente graças à atitude prudente os generais Atchison e Doniphan foi possível evitar que ocorressem atos de violência. Mais para o final do mês de setembro, o general Atchison escreveu ao governador: “A situação não está tão ruim no condado [de Daviess] como dizem os boatos, e na verdade, segundo os relatórios, não tenho dúvida de que sua excelência foi enganada pelas declarações exageradas de homens maldosos ou insanos. Não vejo motivo para preocupar-nos com os mórmons; não há por que temê-los; eles estão muito assustados”.12

Nessa mesma época, um comitê de “antigos cidadãos” do condado de Daviess concordou em vender suas terras aos santos. Joseph Smith imediatamente enviou mensageiros ao leste e ao sul, procurando levantar o dinheiro necessário, mas o conflito que rapidamente se seguiu impediu que esse acordo fosse alcançado.13

CERCO DE DEWITT

Durante esses conflitos, acontecimentos igualmente desastrosos ocorreram entre os santos e seus vizinhos em DeWitt, no condado de Carroll. Alguns mórmons tinham sido bem recebidos anteriormente e começaram a estabelecer-se em DeWitt, em junho de 1838, mas por volta de julho tornou-se evidente aos cidadãos do condado de Carroll que os santos dos últimos dias logo os superariam em número. Como havia acontecido nos condados de Jackson, Clay e Daviess, o medo de perder o controle político da região motivou os “antigos colonos” a acreditar nas mentiras contadas a respeito dos “mórmons enganadores” e a criar pretextos para expulsá-los da região. Três diferentes reuniões foram realizadas em julho para unir os cidadãos no intuito de expulsar os mórmons.

Quando receberam o ultimato exigindo que partissem, George M. Hinkle, líder dos santos e coronel da milícia estadual de Missouri, desafiadoramente declarou que os santos defenderiam seu direito de permanecer em DeWitt. A situação manteve-se inalterada durante todo o mês de setembro. Não houve violência em parte porque muitos membros da milícia de Carroll estavam fora da cidade, lutando no condado de Daviess durante aquele mês. No final de setembro, os santos de DeWitt enviaram uma carta ao governador Lilburn W. Boggs pedindo ajuda para defenderem-se contra “um populacho sem lei” de Carroll e outros condados, mas não receberam resposta.

Enquanto isso, as tropas que não eram mórmons continuaram a aumentar, recebendo reforços quase diariamente dos condados de Ray, Howard e Clay. Os santos dos últimos dias também receberam reforços e começaram a construir barricadas.

A primeira semana de outubro foi tenebrosa para os santos, porque tiveram início os conflitos nas duas frentes. John Murdock relatou: “Permanecemos dia e noite protegendo [os santos]. (…) Certa noite (…) passei a noite inteira indo de uma sentinela a outra para mantê-las no dever.”14A necessidade de comida e abrigo tornou-se premente. As forças que não eram mórmons consideravam esse cerco “uma guerra de extermínio”.15

Enquanto explorava novos locais para o estabelecimento de comunidades o Profeta Joseph Smith recebeu um emissário enviado às pressas de Far West para informar aos líderes a situação de DeWitt. Desapontado, o Profeta disse: “Tinha esperanças de que o bom senso da maioria da população, seu respeito pela Constituição aquietasse qualquer espírito de perseguição que viesse a se manifestar naquela região”.16Mudando seus planos, Joseph viajou secretamente por estradas menos utilizadas a fim de evitar os vigias inimigos e entrou sorrateiramente em DeWitt, onde encontrou uns poucos defensores fazendo frente a um enorme populacho. O Profeta ficou sabendo que os santos estavam constantemente passando fome e enormes privações.

Os líderes da Igreja resolveram apelar novamente ao governador pedindo ajuda. Receberam documentos de não-mórmons favoráveis a respeito do modo como os santos eram tratados e sua situação perigosa. Em 9 de outubro, receberam a resposta do governador dizendo que “‘o conflito era algo entre os mórmons e o populacho’, e que ‘deveríamos resolvê-lo lutando’”.17Isso destruiu qualquer esperança que os santos ainda tivessem quanto a um socorro enviado pelo governo.

Sob essas circunstâncias, os primeiros colonos mórmons de DeWitt incentivaram seus irmãos a partir pacificamente da região. Os santos, incluindo Joseph Smith, reuniram-se em setenta carroções e tristemente partiram de DeWitt em 11 de outubro. “Naquela noite, uma mulher chamada Jensen que acabara de dar à luz morreu por causa das privações sofridas devido ao ataque do populacho e por ter que viajar antes de recuperar-se completamente. Ela foi enterrada sem um caixão num bosque”. O populacho “continuou a importunar e a ameaçar” os santos que viajavam, e várias pessoas morreram de “cansaço e privações”.18

O CRESCENTE CONFLITO NOS CONDADOS DE CALDWELL E DAVIESS

Incentivados pelo sucesso contra os santos de DeWitt e encorajados pela não interferência do governador, as forças anti-mórmons marcharam para o condado de Daviess a fim de expulsar os mórmons dali. As notícias de que oitocentos homens avançavam para Adão-ondi-Amã e que uma grande força estava sendo reunida para marchar contra o condado de Caldwell alarmou os líderes da Igreja. O general Doniphan, que estava em Far West quando a mensagem foi recebida, ordenou ao coronel Hinkle que recrutasse uma milícia entre os moradores locais para proteger os santos. Como os anti-mórmons também fossem tecnicamente membros de várias outras unidades da milícia, criou-se um irônico conflito entre milícia e milícia.

No domingo, o Profeta falou aos santos baseando seu discurso numa declaração do Salvador: “Ninguém tem maior amor do que este, de dar alguém a sua vida pelos seus amigos”. Ele terminou seu discurso pedindo voluntários para unirem-se a ele na praça pública na manhã seguinte. Um grupo de cem homens que recebeu autorização do general Doniphan para integrar a milícia estadual do condado de Caldwell partiu para Adão-ondi- Amã na segunda-feira.19

Enquanto isso, a oposição crescia no condado de Daviess. John D. Lee relatou que vários colonos foram “amarrados a uma árvore e assustadoramente chicoteados com varas de nogueira, alguns deles foram terrivelmente mutilados pela multidão”.20Muitas casas foram incendiadas e o gado espantado. Além disso muitas das famílias dispersas foram obrigadas a fugir para Adão-ondi-Amã em busca de segurança e abrigo em meio a uma forte nevasca, em 17 e 18 de outubro. Joseph Smith relembra: “Não posso descrever o que senti quando os vi chegarem em bandos à cidade, quase sem ter o que vestir e escapando apenas com a própria vida”.21

O general H. G. Parks, oficial comandante da milícia de Missouri no condado de Daviess, que testemunhou esses acontecimentos, informou ao general David Atchison da piora da situação. O general Atchison, comandante da milícia no norte de Missouri, fez um apelo ao governador Boggs, alertando-o de que os missourianos pretendiam expulsar os mórmons dos condados de Daviess e Caldwell, e pediu urgentemente ao governador que visitasse o local dos problemas. Esse foi o terceiro apelo em vão de Atchison ao governador, que como os outros que viriam, foi ignorado. O governador Boggs não parecia disposto a ouvir a versão dos santos da história, mesmo de fontes fidedignas como o general Atchison, mas preferia acreditar nos relatório inflamados dos anti-mórmons.

Como as hostilidades no condado de Daviess aumentassem, o general Parks autorizou Lyman Wight, coronel da milícia, a organizar uma tropa de mórmons e usá-los para dispersar todos os populachos encontrados no condado de Davies. O general Parks falou às tropas reunidas: “Costumo visitar freqüentemente este local, e observei que vocês são um povo trabalhador e esforçado, disposto a cumprir as leis do país; e sinto profundamente que não possam viver em paz e desfrutar o privilégio da liberdade”.22

Uma guerrilha surgiu entre as forças mórmons e anti-mórmons por dois dias, quando ambos os lados pilharam e incendiaram. Os membros da Igreja consideravam que tirar dos gentios fosse uma necessidade imposta a eles, pois seus próprios bens haviam sido roubados. Um jovem oficial da milícia mórmon, Benjamin F. Johnson, disse: “Estávamos cercados de todos os lados por nossos inimigos e sem comida. Todo o cereal, gado, porcos e suprimentos de todo o tipo haviam sido deixados no campo ou tão distante de casa que não podiam ser obtidos a não ser com uma forte guarda. Portanto nossa única possibilidade era sair em grupos à procura de comida e trazer o que conseguíssemos encontrar, independente de quem fosse o proprietário”.23Esse fato foi exagerado pelos que não eram mórmons nos tribunais que se seguiram à guerra mórmon. Por sua parte, os anti-mórmons geralmente incendiavam suas próprias colheitas e propriedade e depois colocavam a culpa nos santos. Espalharam-se boatos por todo o restante do Estado de Missouri de que os mórmons estavam roubando e destruindo todas as propriedades de seus vizinhos.

Em Far West, os santos foram avisados de que dois conhecidos antimórmons, Cornelius Gilliam e Samuel Bogart, oficiais da milícia, estavam planejando assaltar as comunidades do condado de Caldwell. Foram realizadas reuniões nas quais os santos fizeram convênio de defenderemse uns aos outros e não desertarem à causa. Os moradores das comunidades isoladas foram instruídos a reunirem-se em Far West, e a cidade apressou-se nos preparativos de defesa.

Tragicamente, dois membros do Quórum dos Doze Apóstolos, Thomas B. Marsh e Orson Hyde, desertaram à causa da Igreja em 18 de outubro e uniram-se ao inimigo em Richmond. Marsh prestou juramento documentado, que foi endossado em sua maior parte por Hyde, declarando que “o Profeta transmite a idéia, a qual é acreditada por todo verdadeiro mórmon, de que as profecias de Smith são superiores às leis do país. Ouvi o Profeta dizer que ele ainda iria pisar seus inimigos e caminhar sobre seus cadáveres; e se não lhe deixassem em paz, ele seria um segundo Maomé para esta geração”.24Essa declaração justificou ainda mais as ações dos anti-mórmons em suas próprias opiniões.

A respeito dessa traição, Joseph Smith comentou que Thomas B. Marsh “havia-se erguido no seu orgulho por sua exaltação ao ofício e as revelações dos céus a seu respeito, até que estivesse pronto para ser derrubado pelo primeiro vento de adversidade que cruzasse seu caminho. E agora ele caiu, mentiu e jurou falsamente, e está disposto a tirar a vida de seus melhores amigos. Que todos os homens sejam avisados por seu exemplo, e aprendam que aquele que se exalta a si mesmo, Deus irá abater”.25Thomas Marsh foi excomungado em 17 de março de 1839, e Orson Hyde foi destituído de seu chamado no Conselho dos Doze. Em 4 de maio de 1839, Orson Hyde foi oficialmente suspenso do exercício de suas funções em seu chamado, até que se encontrasse com uma conferência geral da Igreja e explicasse suas ações.26Em 27 de junho, depois de arrepender-se e confessar seu erro, ele voltou a integrar o Quórum dos Doze Apóstolos. Após anos de sofrimento, o irmão Marsh voltou à Igreja, em 1857.

A BATALHA DO RIO CROOKED

Uma virada na “Guerra Mórmon” de Missouri ocorreu na Batalha do rio Crooked, que aconteceu na alvorada do dia 25 de outubro de 1838, quinta-feira. A principal causa dessa tragédia foi as ações provocadoras do capitão Samuel Bogart, do condado de Jackson, um inimigo dos santos. Durante dias, Bogart caminhou ao longo da divisa entre os condados de Caldwell e Ray, pretensamente procurando evitar um ataque dos mórmons. Em vez de apenas realizar suas patrulhas designadas, os homens de Bogart por duas vezes entraram no condado de Caldwell e atacaram as casas dos santos, ordenando que os membros da Igreja partissem do estado e fazendo três prisioneiros entre os mórmons. “Ao ouvir o relato, o juiz Elias Higbee, o juiz principal do condado, ordenou ao tenente-coronel Hinkle, o mais graduado oficial em comando em Far West, a enviar uma companhia para dispersar o populacho e resgatar os prisioneiros, que segundo relatos seriam executados naquela noite”.27

Os membros da milícia já esperavam há vários dias pelo chamado às armas. Quando os tambores soaram à meia-noite, chamando-os para a praça pública, setenta e cinco homens foram mobilizados em duas companhias comandadas por David W. Patten e Charles C. Rich. Quando estava quase amanhecendo, eles chegaram a um vau nas margens do rio Crooked, a 32 quilômetros de Far West. As patrulhas de Patten aproximaram-se do cruzamento, sem saber da posição escondida de Bogart ao longo das margens do rio. Subitamente, um dos guardas de Bogart abriu fogo. O Élder Patten ordenou um ataque, mas com suas silhuetas salientadas pela alvorada, seus homens eram um alvo fácil. Na rápida e feroz batalha que se seguiu, vários homens de ambos os lados ficaram feridos. Um dos feridos foi o Élder Patten, do Quórum dos Doze Apóstolos. O Profeta relatou: “O irmão Gideon Carter foi ferido na cabeça e caiu morto no chão, tão desfigurado que os irmãos não o reconheceram”.28

Os membros da Igreja libertaram os três prisioneiros, um dos quais também ficou ferido, expulsaram os inimigos para o outro lado do rio e depois voltaram para cuidar dos feridos. O Élder Patten foi carregado até a casa de Stephen Winchester, próximo a Far West, onde morreu várias horas mais tarde. Assim, ele tornou-se o primeiro Apóstolo martirizado desta dispensação. Sua fé no evangelho retaurado era tamanha que certa vez ele declarou ao Profeta Joseph Smith que tinha o desejo de morrer como mártir. “O Profeta, muito emocionado, expressou grande pesar, ‘pois’, disse ele a David, ‘quando um homem com a sua fé pede algo ao Senhor, geralmente recebe o que pediu’.”29Em seu funeral, em Far West, dois dias após a batalha, Joseph Smith elogiou-o, dizendo: “Aqui jaz um homem que fez o que disse que faria: deu sua vida pela de seus amigos”.30

Patrick O’Bannin também morreu mais tarde em decorrência de seus ferimentos. James Hendricks, outro que fora ferido gravemente, ficou temporariamente paralizado da cintura para baixo e teve que ser carregado em uma padiola. Toda a responsabilidade do sustento da família caiu sobre os ombros de sua esposa, Drusilla, que suportou os perigos de Missouri e a penosa jornada até Illinois com força de caráter e profunda fé.

Em pouco tempo, relatos exagerados da batalha chegaram aos ouvidos do governador Boggs, em Jefferson City. Um dos boatos dizia que toda a tropa de Bogart havia sido massacrada ou aprisionada e que os mórmons pretendiam saquear e incendiar Richmond. Esses relatórios deram a Boggs a justificativa que ele esperava para ordenar guerra total contra os santos.

A ORDEM DE EXTERMÍNIO E O MASSACRE DE HAUN’S MILL

A região norte de Missouri estava em polvorosa na última semana de outubro quando “multidões se reuniam em todos os lados”.31O populacho queimou casas e plantações, roubaram gado, fizeram prisioneiros e ameaçaram matar os santos. O general Atchison novamente solicitou ao governador Boggs que visitasse a região. Em vez disso, porém, em 27 de outubro, o governador ordenou que a milícia atacasse. Baseando-se apenas nos falsos relatos de uma insurreição mórmon, Boggs declarou que os santos haviam desafiado a lei e iniciado as hostilidades. Por esse motivo, ele escreveu: “Os mórmons devem ser tratados como inimigos e devem ser exterminados ou expulsos do estado, se necessário, para o bem da população. Os ultrajes por eles cometidos vão além do que possa ser descrito.”32Nessa época, a opinião pública era tão contrária aos santos que mesmo aqueles que conheciam a verdade não tinham coragem de manifestar-se em favor deles. A “ordem de extermínio” do governador Boggs era uma extensão e a manifestação da vontade do povo.

O general Atchison estava encarregado das tropas do estado, mas foi destituído do cargo pelo governador antes da rendição de Far West. O comando foi passado ao general John B. Clark. Clark não chegou a Far West até poucos dias depois da rendição. O general Samuel D. Lucas, um anti-mórmon de longa data do condado de Jackson, assumiu temporariamente o comando da milícia e rapidamente recrutou vários homens de toda parte para cercarem Far West. Em 31 de outubro, mais de dois mil homens cercaram Far West, a maioria dos quais estava decidida a cumprir a ordem do governador.

Foi em Haun’s Mill que a violência surgiu novamente. Essa pequena comunidade, a dezenove quilômetros de Far West, tinha sido fundada por Jacob Haun, um converso de Green Bay, Wisconsin. Ele havia-se mudado para Shoal Creek em 1835, esperando evitar as perseguições que outros santos estavam sofrendo em outras regiões de Missouri. Haun’s Mill compunha-se de um moinho, uma oficina de ferreiro, algumas casas e uma população de cerca de vinte a trinta famílias que moravam no moinho propriamente dito e cem famílias nos arredores. Em 30 de outubro, nove carroções levando imigrantes de Kirtland chegaram ao local. Eles haviam decidido parar para descansar, antes de viajar para Far West.

Imediatamente após a batalha do rio Crooked, o Profeta Joseph Smith aconselhou todos os santos das áreas isoladas que se mudassem para Far West ou Adão-ondi-Amã. Não querendo abandonar sua propriedade, Jacob Haun ignorou o conselho do Profeta e instruiu os integrantes da pequena comunidade a ficar. Essa decisão insensata foi fatal. O grupo de Haun planejava usar a oficina de ferreiro como forte, na eventualidade de um ataque inimigo. Foram colocados guardas para proteger o moinho e a comunidade.

No dia 28 de outubro, domingo, o coronel Thomas Jennings, da milícia do condado de Livingston, enviou um de seus homens à comunidade para concluir um tratado de paz. Ambos os lados assumiram o compromisso de não atacar o outro. Os que não eram mórmons, porém, não se dispersaram como haviam prometido. Na segunda-feira, um grupo de missourianos do condado de Livingston decidiu atacar Haun’s Mill, provavelmente decididos a cumprir a ordem do governador. Na tarde da terça-feira, 30 de outubro, aproximadamente 240 homens aproximaram-se de Haun’s Mill. Joseph Young Sênior, um dos sete presidentes dos Setenta e recém-chegado a Haun’s Mill, descreveu o cenário daquela tarde: “As margens do Shoal Creek estavam cheias de crianças brincando e divertindo-se, as mães estavam ocupadas em seus afazeres domésticos, os pais guardavam os moinhos e outras propriedades, enquanto outras pessoas faziam a colheita para o inverno. O tempo estava bom, o sol brilhava, tudo estava tranqüilo, e ninguém parecia preocupado com a terrível tragédia que se aproximava, estando quase às portas.”33

Por volta das quatro horas da tarde, uma turba enfurecida aproximouse de Haun’s Mill. As mulheres e as crianças fugiram para o bosque, enquanto os homens procuraram abrigo na oficina de ferreiro. David Evans, o líder militar dos santos, agitou seu chapéu e pediu paz. Recebeu como resposta o som de uma centena de rifles disparando, a maioria deles apontada para a oficina de ferreiro. Os revoltosos atiraram sem piedade em todos que viam, incluindo mulheres, velhos e crianças. Amanda Smith agarrou suas duas meninas e correu junto com Mary Stedwell atravessando o açude por cima de uma pinguela. Amanda relata: “Apesar de sermos mulheres com crianças pequenas, os demônios dispararam uma saraivada atrás da outra, tentando matar-nos.”34

A ralé entrou na oficina de ferreiro e encontrou Sardius Smith, de dez anos, filho de Amanda Smith, escondido debaixo dos foles de ferreiro. Um desordeiro encostou o cano de sua espingarda na cabeça do menino e estourou-lhe a parte superior do crânio. Mais tarde, o homem explicou: “As lêndeas viram piolhos, e se ele vivesse acabaria virando um mórmon”.35Alma Smith, o irmão de sete anos de Sardius, testemunhou o assassinato de seu pai e seu irmão e foi atingido no quadril. A turba não o encontrou e mais tarde ele foi milagrosamente curado por meio da fé e oração. Thomas McBride foi apunhalado até a morte com uma faca de milho. Apesar de alguns homens terem conseguido escapar com suas esposas e filhos, cruzando o rio e fugindo para os montes, dezessete pessoas foram mortas e treze ficaram feridas.35Jacob Haun estava entre os feridos, mas recuperou-se. Anos mais tarde, o Profeta disse: “Em Haun’s Mill os irmãos desobedeceram meu conselho; se não o tivessem feito, sua vida teria sido poupada.”37

Os sobreviventes permaneceram escondidos a noite inteira, temendo outro ataque. No dia seguinte, alguns homens fisicamente aptos enterraram os mortos em um poço seco. Joseph Young tinha-se apegado tanto ao jovem Sardius Smith durante sua viagem de Kirtland que ficou abalado demais para conseguir descer o corpo do menino à cova comum. Amanda e seu filho mais velho enterraram Sardius no dia seguinte.

Os abalados sobreviventes partiram de Missouri durante o inverno e na primavera seguinte, juntamente com os outros membros da Igreja. O populacho continuou a perseguir algumas das viúvas antes de sua partida, mas o Senhor as ajudou. Amanda Smith lembra-se da segurança que recebeu do Senhor ao procurar abrigo em um milharal para orar em voz alta.

“Era como o templo do Senhor para mim naquele momento. Orei em voz alta muito fervorosamente.

Quando saí do campo de milho, uma voz falou-me. Era uma voz tão clara quanto qualquer outra que já ouvi. Não era apenas um forte sussurro do espírito, mas uma voz que repetia uma estrofe de um dos hinos dos santos:

‘A alma que em Cristo confiante repousar,
A seus inimigos não há de se entregar.
Embora o inferno a queira destruir,
Deus nunca, oh, nunca, o há de permitir.’

Daquele momento em diante não tive mais medo. Senti que nada mais poderia ferir-me.”38

O CERCO DE FAR WEST

Enquanto isso, a milícia anti-mórmon continuou a reunir-se em volta de Far West, preparando-se para o ataque. A milícia de Far West construiu barricadas em volta da cidade com carroções e toras, mas no dia 31 de outubro, quarta-feira, as forças anti-mórmons superavam os santos em cinco para um. Nenhum dos lados estava desejoso de iniciar a batalha, e a situação permaneceu tensa o dia inteiro, ambos os lados decidindo o que iriam fazer. No final da tarde, o general Lucas enviou uma bandeira de trégua, que foi recebida pelo coronel Hinkle, o oficial que liderava os santos. O coronel Hinkle concordou secretamente com as exigências de Lucas de entregar alguns líderes para serem julgados e punidos, confiscar as propriedades mórmons para pagar os danos e fazer com que o restante dos mórmons entregasse suas armas e saísse do estado.

Ao retornar a Far West, Hinkle convenceu Joseph Smith, Sidney Rigdon, Lyman Wight, Parley P. Pratt e George W. Robinson de que Lucas queria realizar uma conferência de paz com eles. Os irmãos ficaram chocados quando Hinkle entregou-os a Lucas como prisioneiros. Parley P. Pratt descreveu essa cena trágica: “O arrogante general [Lucas] cavalgou até nós e sem nos dirigir uma palavra ordenou imediatamente que seus guardas nos cercassem. Eles obedeceram prontamente, e fomos conduzidos até o acampamento, onde fomos cercados por milhares de criaturas de aparência selvagem, muitas das quais estavam vestidas e pintadas como guerreiros indígenas. Todos gritavam sem parar, como muitos cães de caça que se lançam sobre a presa, como se tivessem alcançado a mais milagrosa das vitórias registrada na história do mundo”.39

Os gritos continuaram por toda a noite, aterrorizando os cidadãos de Far West, que temiam que seu Profeta já tivesse sido assassinado. A maioria dos santos passou a noite orando. No acampamento inimigo, os irmãos foram forçados a dormir no chão, debaixo de uma chuva fria, ouvindo uma “interminável arenga de zombaria e vulgaridades” dos guardas. “Eles blasfemaram contra Deus; zombaram de Jesus Cristo; fizeram as mais terríveis ameaças; atormentaram Joseph e os outros; exigiram milagres; pediram sinais como: ‘Vamos, Sr. Smith, mostre-nos um anjo.’ ‘Dê-nos uma de suas revelações.’ ‘Mostre-nos um milagre.’ ”41

Em uma corte marcial realizada secreta e ilegalmente durante a noite, os prisioneiros foram condenados a serem executados na manhã seguinte na praça pública de Far West. Quando o general Alexander Doniphan recebeu a ordem do general Lucas, ele ficou indignado com a brutalidade e a injustiça da questão e respondeu: “Isso é assassinato a sangue-frio. Não obedecerei suas ordens. Minha brigada marchará para Liberty amanhã, às oito horas da manhã. Se você executar esses homens, farei com que seja condenado perante um tribunal terreno, com a ajuda de Deus”.41Intimidado pela resposta corajosa de Doniphan, Lucas acovardou-se. As orações dos santos haviam sido atendidas.42

Naquela mesma noite, soube-se em Far West que o inimigo pretendia prender os outros participantes da batalha do rio Crooked. Por isso, antes do raiar do sol, vinte irmãos fugiram de Far West e seguiram para nordeste, rumando para o território de Iowa. Hyrum Smith e Amasa Lyman não tiveram essa sorte. Foram presos e conduzidos para junto dos outros prisioneiros.

Na manhã do dia 1º de novembro, quando George Hinkle levou as tropas mórmons para fora de Far West, a milícia de Missouri entrou na cidade. Enquanto procuravam armas, saquearam a cidade, roubaram objetos de valor, estupraram algumas mulheres e forçaram os líderes da Igreja sob a ameaça de baionetas a assinar um compromisso de pagar as despesas contraídas pela milícia.43Muitos homens respeitados foram presos e levados como prisioneiros para Richmond. O restante dos santos receberam ordem de sair do estado.

Planejava-se levar os líderes da Igreja para Independence, onde seriam exibidos ao público e julgados. Pensando que ainda poderiam ser executados, Joseph Smith e seus companheiros de prisão pediram para ver suas famílias pela última vez e voltaram para Far West, em 2 de novembro. Joseph encontrou sua esposa e seus filhos em prantos porque pensavam que ele havia sido morto. “Quando entrei em minha casa, agarraram-se às minhas vestes, com os olhos marejados de lágrimas, enquanto uma mistura de alegria e tristeza expressava-se em seus rostos”, escreveu ele. Não lhe foi permitido o privilégio de passar alguns momentos a sós com eles, mas Emma chorou e seus filhos agarraram-se a ele até que “foram afastados de mim à força pelas espadas dos guardas.”44Os outros prisioneiros passaram por situação semelhante ao despedirem-se de seus entes queridos.

Lucy Smith, mãe de Joseph e Hyrum, correu até o carroção onde seus filhos estavam mantidos sob vigilância e mal pôde tocar-lhes as mãos estendidas antes que o carroção partisse. Depois de várias horas de sofrimento, ela foi consolada pelo Espírito e abençoada com o dom da profecia: “Que teu coração seja consolado com respeito a seus filhos, pois eles não serão feridos por seus inimigos”.45Uma revelação semelhante foi dada ao Profeta Joseph Smith. Na manhã seguinte, quando os prisioneiros começaram sua marcha, Joseph falou a seus companheiros em voz baixa e esperançosa: “Tenham bom ânimo, irmãos; a palavra do Senhor veio a mim na noite passada dizendo que nossas vidas serão poupadas e que por mais que soframos durante nosso cativeiro, nenhum de nós perderá a vida.””46

Enquanto isso, o general John B. Clark, o oficial comandante designado pelo governador para cuidar da Guerra Mórmon, chegou a Far West. Ele ordenou a todos que permanecessem na cidade, e os santos famintos foram forçados a contentarem-se com milho seco. Em 6 de novembro, ele fez um discurso aos cidadãos sofridos e indicou que não os forçaria a partir do estado no meio do inverno. Ele disse: “Por esse ato de piedade vocês estão endividados para com minha clemência. Não lhes ordeno que partam agora, mas não devem fazer planos de ficar aqui por mais uma estação nem iniciar plantações. (…) Quanto a seus líderes, não pensem, por um minuto sequer, não deixem que entrem em sua mente a esperança de que eles serão libertados, pois não verão seus rostos novamente, pois seu destino está determinado, a morte é sua sina, seu futuro está selado”.47

Outro contingente da milícia cercou os santos que fugiram procurando segurança em Adão-ondi-Amã. Depois de um inquérito de três dias, todos os mórmons receberam a ordem de sair do condado de Daviess, sendolhes permitido mudarem-se para Far West até a primavera.

Enquanto preparavam seu êxodo, os santos novamente procuraram ajuda da assembléia legislativa de Missouri. Apesar de seus sofrimentos estarem claramente definidos e considerável empatia ter sido demonstrada por muitos dos membros da assembléia e dos jornais de Missouri, nunca foi efetuada uma investigação oficial. Em vez disso, a assembléia legislativa aprovou a liberação de uns parcos dois mil dólares para ajudar os cidadãos do condado de Caldwell.

NA PRISÃO

Joseph Smith e alguns outros prisioneiros foram levados a Independence e exibidos ao público. Foram depois transferidos para Richmond, onde ficaram presos por duas semanas, acorrentados uns aos outros, em uma velha casa abandonada. Na metade de novembro, teve início um julgamento que durou treze dias, presidido pelo juiz itinerante Austin A. King. Foram apresentadas muitas evidências contra os líderes da Igreja. Sampson Avard, a primeira testemunha, hipocritamente acusou o Profeta de ser responsável pelas coisas erradas feitas pelos danitas. Outras testemunhas também mostraram-se igualmente rancorosas. Quando os prisioneiros apresentaram uma lista de testemunhas de defesa, essas testemunhas foram sistematicamente aprisionadas ou expulsas do condado. Alexander Doniphan, conselheiro dos santos, disse que “mesmo que um cortejo de anjos descesse à Terra e nos declarasse inocentes, daria no mesmo; pois ele (King) estava decidido desde o início a lançar-nos na prisão”.48

Por duas horríveis semanas, os prisioneiros sofreram maus-tratos dos guardas. Em certa noite de novembro, os irmãos ouviram por várias horas a “caçoadas obscenas, horríveis imprecações, blasfêmias medonhas e linguagem suja” dos guardas que contavam as atrocidades que haviam infligido aos santos. Parley P. Pratt estava deitado ao lado do Profeta e ficou ouvindo até quase não poder se conter. De repente, o Profeta ergueu-se, acorrentado e desarmado, e falou com voz de trovão: “‘SILÊNCIO, demônios do abismo infernal! Em nome de Jesus Cristo, eu vos repreendo e ordeno que vos caleis; não ouvirei esse linguajar nem mais um minuto. Cessai vossa conversa, senão morrereis ou morrerei eu NESTE INSTANTE!’

“Ele parou de falar, permanecendo ereto em sublime majestade. Acorrentado, desarmado, calmo, sereno e sério como um anjo, olhou para os guardas acovardados, que deixaram as armas cair ou depositaram-nas no chão, e cujos joelhos tremiam. Encolhendo-se num canto ou curvandose tímida e humildemente, pediram perdão e permaneceram em silêncio até a troca dos guardas.”49

No final do julgamento, o juiz King condenou Joseph Smith e cinco outros homens a continuarem sendo julgados e ordenou que fossem levados para a cadeia de Liberty, no condado de Clay. Parley P. Pratt e vários outros homens permaneceram presos em Richmond, e a maioria dos outros prisioneiros foi libertada.

A cadeia de Liberty, uma casa de pedra de dois andares com sete metros de largura por sete de comprimento, era, na verdade, uma masmorra. Havia pequenas janelas com barras no andar superior. O local era pouco aquecido. Um buraco no chão era o único acesso para o andar inferior, onde um homem não podia erguer totalmente a cabeça ao ficar de pé. Durante quatro meses de inverno, o Profeta e seus companheiros sofreram com o frio, a imundície, a fumaça, a solidão e a comida horrível. Talvez o pior de tudo tenha sido não poderem acompanhar os santos fiéis, que estavam sendo expulsos do estado. Apesar disso, esses meses tiveram um significado especial para Joseph Smith e a Igreja. Na ausência do Profeta, Brigham Young, Heber C. Kimball e John Taylor demonstraram grande capacidade de liderança e dedicação. Em seu desespero, Joseph Smith recebeu instruções espirituais inestimáveis do Senhor. Por causa das coisas que foram reveladas ali, a cadeia de Liberty poderia ser chamada de um templo-prisão.

A opinião pública em Missouri começou a voltar-se contra o governador Boggs e o populacho, enquanto Joseph Smith e seus companheiros aguardavam na prisão que as autoridades estaduais decidissem o que fariam com eles. Por volta do final do março de 1839, o Profeta escreveu uma longa carta à Igreja, parte da qual aparece nas seções 121, 122 e 123 de Doutrina e Convênios. Depois de ponderar sobre as injustiças cometidas contra os santos, o Profeta lançou um apelo ao Senhor:50

“Ó Deus, onde estás? E onde está o pavilhão que cobre teu esconderijo?

Até quando tua mão será retida e teu olho, sim, teu olho puro, contemplará dos eternos céus os agravos contra teu povo e contra teus servos e teu ouvido será penetrado por seus lamentos?

Sim, ó Senhor, até quando suportarão esses agravos e essas opressões ilícitas, antes que se abrande teu coração e tuas entranhas deles se compadeçam?” (D&C 121:1–3)

O Profeta então acrescentou a resposta do Senhor a seu apelo:

“Meu filho, paz seja com tua alma; tua adversidade e tuas aflições não durarão mais que um momento;

E então, se as suportares bem, Deus te exaltará no alto; triunfarás sobre todos os teus inimigos.

Teus amigos apóiam-te e tornarão a saudar-te com coração caloroso e com mãos amistosas.” (D&C 121:7–9)

Em abril, os prisioneiros mantidos em Liberty foram enviados ao condado de Daviess para serem julgados. O júri apresentou um documento acusando-os de “assassinato, traição, roubo, incêndio culposo e furto”.51Foi conseguida uma ordem de mudança de local do julgamento, mas os acusados receberam autorização de serem transferidos de local de julgamento, mas enquanto estavam a caminho do condado de Boone, o xerife e os outros guardas permitiram aos prisioneiros que fugissem para o Estado de Illinois, porque algumas autoridades haviam concluído que os prisioneiros não seriam condenados. Mais tarde, no verão, Parley P. Pratt e Morris Phelps também escaparam de uma cadeia em Columbia, condado de Boone e fugiram para Nauvoo. King Follet, um companheiro de prisão, foi recapturado mas finalmente libertado em outubro de 1839, sendo o último dos santos a ser mantido em cativeiro.

Pela quinta vez em menos de dez anos, muitos santos dos últimos dias tiveram que abandonar suas casas e começar a construir um novo local de refúgio. Apesar de terem enfrentado desastres financeiros, forte perseguição, apostasia e a expulsão do Estado de Missouri, a maioria dos membros da Igreja não perdeu a visão de seu destino eterno.52Conforme Joseph Smith havia dito em sua carta aos santos: “Seria tão inútil o homem estender seu braço débil para deter o rio Missouri em seu curso ou fazê-lo ir correnteza acima, como o seria impedir que o Todo-Poderoso derramasse conhecimento do céu sobre a cabeça dos santos dos últimos dias”. (D&C 121:33)

NOTAS

  1. Parley P. Pratt, ed., Autobiography of Parley P. Pratt, série de Clássicos da Literatura Mórmon (Salt Lake City: Deseret Book Co., 1985), p. 150.

  2. Ver History of the Church, 3:56.

  3. In Missouri: A Guide to the “Show Me” State, ed. rev. (Nova York: Hastings House, 1954), p. 510.

  4. History of the Church, 3:57.

  5. History of the Church, 3:60.

  6. History of the Church, 3:61.

  7. History of the Church, 3:65.

  8. Os cinco parágrafos anteriores baseiam-se em James B. Allen e Glen M. Leonard, The Story of the Latter-day Saints (Salt Lake City: Deseret Book Co., 1976), p. 124.

  9. History of the Church, 3:67–68.

  10. Ver History of the Church, 3:69.

  11. History of the Church, 3:73.

  12. History of the Church, 3:85.

  13. Os três parágrafos anteriores baseiam-se em Allen e Leonard, Story of the Latter-day Saints, p. 124.

  14. “Journal of John Murdock” (Diário de John Murdock), 1º out. 1838, LDS Historical Department, Salt Lake City, p. 101; ortografia padronizada.

  15. Leland Homer Gentry, “A History of the Latter-Day Saints in Northern Missouri from 1836–1839” (História dos Santos dos Últimos Dias no Norte de Missouri entre 1836–1839), tese de doutorado, Brigham Young University, 1965, p. 201.

  16. History of the Church, 3:152.

  17. History of the Church, 3:157.

  18. History of the Church, 3:159–60.

  19. History of the Church, 3:162.

  20. John D. Lee, Mormonism Unveiled (O Mormonismo Desmascarado) (Philadelphia: Scammell and Co., 1882), p. 68.

  21. History of the Church, 3:163.

  22. Lyman Wight, em History of the Church, 3:443–444.

  23. Benjamin F. Johnson, My Life’s Review (Análise de Minha Vida) (Independence, Missouri: Zion’s Printing and Publishing Co., 1947), p. 37.

  24. Ver History of the Church, 3:167.

  25. Ver History of the Church, 3:167.

  26. History of the Church, 3:345.

  27. History of the Church, 3:171.

  28. Ver History of the Church, 3:171.

  29. Lycurgus A. Wilson, Life of David W. Patten (A Vida de David W. Patten ) (Salt Lake City: Deseret News, 1900), p. 58.

  30. History of the Church, 3:175.

  31. In History of the Church, 3:175–176.

  32. In History of the Church, 3:175.

  33. History of the Church, 3:184.

  34. Andrew Jenson, The Historical Record (Registro Histórico), julho 1886, p. 84.

  35. Jenson, Historical Record, dez. 1888, p. 673; ver também Allen e Leonard, Story of the Latter-day Saints,pp. 127–128.

  36. Ver History of the Church, 3:326.

  37. Historical Record, 5:137.

  38. Jenson, Historical Record, 1886, p. 87.

  39. Pratt, Autobiography of Parley P. Pratt,pp. 159–160.

  40. Pratt, Autobiography of Parley P. Pratt,p. 160.

  41. History of the Church, 3:190–191.

  42. Os quatro parágrafos anteriores baseiam-se em Allen e Leonard, Story of the Latter-day Saints, p. 128.

  43. Ver History of the Church, 3:192.

  44. History of the Church, 3:193.

  45. Lucy Mack Smith, History of the Church (História de Joseph Smith), ed. Preston Nibley (Salt Lake City: Bookcraft, 1958), p. 291.

  46. Pratt, Autobiography of Parley P. Pratt, p. 164.

  47. History of the Church, 3:203.

  48. History of the Church, 3:213; os dois parágrafos anteriores baseiam-se em Allen e Leonard, Story of the Letter-day Saints, p. 130.

  49. Pratt, Autobiography of Parley P. Pratt, pp. 179–180.

  50. Os três parágrafos anteriores baseiam-se em Allen e Leonard, Story of the Latter-day Saints, pp. 130, 132.

  51. History of the Church, 3:315.

  52. Baseado em Allen e Leonard, Story of the Latter-day Saints, p. 134.

Cronologia

Data

 

Evento Significativo

6 ago. 1838

Batalha do dia de eleição em Gallatin

7 set. 1838

Joseph Smith e Lyman Wight são julgados pelo juiz Austin King

1º–7 out. 1838

Batalha de DeWitt

18–19 out. 1838

Guerrilha no condado de Daviess

25 out. 1838

Batalha do rio Crooked

27 out. 1838

A “ordem de extermínio” do governador Boggs

30 out. 1838

O massacre de Haun’s Mill

30 out.–6 nov. 1838

O cerco de Far West

Imagem
map of northwest Missouri

Northwest Missouri

Daviess County

Caldwell County

Carroll County

Adam-ondi-Ahman

Millport

Gallatin

Haun’s Mill

Far West

Shoal Creek

DeWitt

Grand River

Imagem
extermination order

Extermination order

Courtesy of Missouri State Historical Society

Imagem
mob attacking Haun’s Mill

Haun’s Mill by C.C.A. Christensen

Museum of Church History and Art

Imagem
soldiers at Far West

Missouri state militia at Far West

Imagem
Joseph Smith, prisoners, guards in Liberty Jail

Joseph Smith Rebuking the Guards at Richmond by Danquart Weggeland

Museum of Church History and Art

Imagem
Liberty Jail

Liberty Jail in Liberty, Missouri. The outside dimensions of the building are 22 1/2 feet long, 22 feet wide, and 12 feet high to the square. The building was used as a prison until 1856, when it was considered unsafe.