História da Igreja
Capítulo 7: Sob julgamento


“Sob julgamento”, capítulo 7 de Santos: A História da Igreja de Jesus Cristo nos Últimos Dias, Volume 3, Com Coragem, Nobreza e Independência, 1893–1955, 2021

Capítulo 7: “Sob julgamento”

Capítulo 7

Sob julgamento

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Joseph F. Smith em audiência no Senado dos Estados Unidos

No início de 1901, Joseph F. Smith começou a assumir mais responsabilidades na Primeira Presidência da Igreja devido ao agravamento do estado de saúde de George Q. Cannon. Em março, George e sua família foram para o litoral da Califórnia, na esperança de que a brisa oceânica lhe fosse benéfica. Joseph, por sua vez, procurou animar seu amigo mesmo à distância.

“O convívio que desfrutei com você ao longo dos anos no trabalho do ministério”, escreveu ele a George, “uniu meu coração, minha alma, meu amor e minha empatia a você, com laços de afeição tão fortes quanto o amor à vida, que não podem ser desfeitos”.1

No entanto, a saúde de George continuou a piorar. Com frequência, os filhos dele enviavam para Salt Lake City relatórios sobre sua saúde debilitada, então Joseph não se surpreendeu quando chegou um telegrama em 12 de abril anunciando a morte de George. Ainda assim, ele ficou muito sentido pela perda. “Ele era um homem humilde e grande ao mesmo tempo, um poderoso líder nos conselhos com seus irmãos”, refletiu Joseph em seu diário naquele dia. “Toda a Israel lamentará sua morte.”2

Em meio ao luto, Joseph voltou sua atenção para seu papel ampliado na Primeira Presidência.3 Naquele ano, ele e o presidente Lorenzo Snow haviam designado três apóstolos para dirigir os esforços missionários em partes fundamentais do mundo. Eles chamaram Francis Lyman para presidir a Missão Europeia, John Henry Smith para revitalizar a missão no México e Heber J. Grant para liderar a primeira missão no Japão. Desejando expandir o trabalho do Senhor para outras partes do mundo, os líderes da Igreja também cogitaram o envio de missionários para a América do Sul e a construção de um pequeno templo para as colônias de santos no Arizona e no norte do México. No entanto, a Igreja ainda estava endividada, e nenhum daqueles planos foi posto imediatamente em prática.4

Os santos lamentaram mais duas mortes naquele ano. Em agosto, a presidente geral da Sociedade de Socorro, Zina Young, passou mal enquanto visitava sua filha, Zina Presendia Card, no Canadá. Zina Presendia levou a mãe às pressas de volta para Utah, onde ela morreu pacificamente em casa, em Salt Lake City. Ao longo de sua vida, Zina tinha sido um exemplo ao colocar o reino de Deus acima de tudo.5

“A cada dia, alegro-me mais com a grandeza dos princípios em que acreditamos”, disse ela à Sociedade de Socorro em Cardston, duas semanas antes de falecer. “Não há palavras para expressar a grandiosidade de nossas bênçãos. Não há nada que se compare com as bênçãos resultantes de nossa confiança em Deus.”6

Dois meses depois, o presidente Snow foi acometido por uma doença repentina. Vários apóstolos cuidaram fielmente dele e, a pedido de Joseph F. Smith, ajoelharam-se ao redor de sua cama para orar em favor dele. Ele faleceu pouco tempo depois.

No funeral do presidente Snow, Joseph fez elogios a ele e a seu inabalável testemunho da verdade. “Com exceção do profeta Joseph”, declarou ele, “não creio ter havido outro homem nesta Terra que tenha prestado um testemunho mais forte e mais claro de Jesus Cristo”.7

Alguns dias depois, em 17 de outubro de 1901, o Quórum dos Doze Apóstolos apoiou Joseph F. Smith como o sexto presidente da Igreja. Ele chamou John Winder, do Bispado Presidente, e Anthon Lund para serem seus conselheiros. Os apóstolos então impuseram as mãos sobre Joseph, e John Smith, seu irmão mais velho e patriarca da Igreja, designou-o.8


Em 10 de novembro de 1901, os santos apoiaram a nova Primeira Presidência em uma reunião especial no Tabernáculo de Salt Lake. “É nosso dever assumir o trabalho com vigor, plena determinação e propósito de coração para levá-lo adiante, com a ajuda do Senhor e de acordo com a inspiração de Seu Espírito”, disse o presidente Smith à congregação. Com o raiar de um novo século, ele queria dar aos membros da Igreja esperança no futuro.

“Fomos expulsos de nossas casas, caluniados e difamados em todos os lugares”, disse ele. “O Senhor deseja mudar essa situação e nos tornar mundialmente conhecidos por nossa verdadeira luz — como verdadeiros adoradores de Deus.”9

Na reunião, o presidente Smith também pediu aos santos que apoiassem Bathsheba Smith como a quarta presidente geral da Sociedade de Socorro. Foi a primeira vez que se pediu aos quóruns do sacerdócio que dessem seu voto de apoio para uma nova presidência geral da Sociedade de Socorro.

“Para as mulheres interessadas no progresso das irmãs”, observou Emmeline Wells, “foi muito gratificante ver as mãos de todos os vários quóruns do santo sacerdócio erguidas para apoiá-las”.10

Aos 79 anos de idade, Bathsheba era uma das poucas fundadoras da Sociedade de Socorro de Nauvoo ainda vivas. Depois de entrar para a Igreja aos 15 anos de idade, ela se uniu aos santos primeiro no Missouri e depois em Nauvoo. Em 1841, ela se casou com o apóstolo George A. Smith e, posteriormente, serviu como oficiante no Templo de Nauvoo. Ela tinha servido ativamente na Sociedade de Socorro e, mais recentemente, como segunda conselheira de Zina Young na presidência geral da organização.11

Dois meses depois que os santos a apoiaram, Bathsheba emitiu uma saudação de amor e boa vontade a todas as integrantes da Sociedade de Socorro. “Queridas irmãs, procurem envolver sua sociedade com laços de amor e união”, declarou ela. “Nesta hora, que prossigamos com renovada resolução de empreender o trabalho de socorro e desenvolvimento.”12

Com suas conselheiras, Annie Hyde e Ida Dusenberry, ela incentivou o serviço aos pobres e necessitados, além de promover o armazenamento de grãos e a produção de seda. Para angariar fundos para o trabalho de assistência, ela incentivou as irmãs da Sociedade de Socorro a arrecadar doações por meio da realização de bazares, concertos e bailes. Ela enviou representantes a organizações nacionais femininas e ajudou mulheres a se capacitarem para serem enfermeiras e parteiras. Ela também começou a recolher fundos e a fazer planos para um “Edifício das Mulheres” em frente ao Templo de Salt Lake, no terreno que Lorenzo Snow havia reservado para a organização antes de sua morte.13

Como suas antecessoras, Bathsheba e suas conselheiras acreditavam que era importante visitar cada uma das Sociedades de Socorro. Muitas vezes, elas contavam com as esposas dos presidentes das missões para visitar as Sociedades de Socorro na Europa e Oceania. E, pelo menos duas vezes por ano, elas mesmas, ou as irmãs da junta geral da Sociedade de Socorro, procuravam visitar as mulheres santos dos últimos dias no oeste dos Estados Unidos, no México e no Canadá. Como a Igreja tinha dezenas de estacas naquela região, era difícil visitar todas; por isso, elas chamaram mais seis mulheres para auxiliar no trabalho.14

Durante as visitas às estacas, as líderes da Sociedade de Socorro perceberam uma falta de interesse entre as mulheres mais jovens. Como muitas daquelas mulheres eram mães pela primeira vez, a presidência geral incentivou as Sociedades de Socorro de cada estaca a tornar as reuniões mais atraentes para a geração mais jovem. Naquela época, as Sociedades de Socorro não seguiam um currículo definido, então Bathsheba instruiu as estacas a preparar suas próprias classes educativas para mães. Ela pediu a cada Sociedade de Socorro que aproveitasse a experiência de vida das irmãs mais velhas e que também se valesse de livros científicos sobre educação de crianças, que interessavam à nova geração de mulheres. Pouco depois, a Woman’s Exponent começou a publicar esboços de cursos para ajudar as estacas a desenvolverem seus próprios programas.15

Em agosto de 1903, Bathsheba enviou Ida Dusenberry, de 30 anos, a Cardston para ajudar Zina Presendia Card e as presidências locais da Sociedade de Socorro a preparar aulas para mães. Ida as instruiu a se encarregarem do programa e usarem revistas e outras publicações da Igreja nas aulas.

“Até que ponto devemos usar a ciência em nossas aulas para mães?”, perguntou Zina Presendia.

Como professora do jardim de infância e administradora escolar com formação universitária, Ida estava ansiosa para incluir as últimas descobertas sobre criação de filhos nas aulas para mães. No entanto, ela sabia que as irmãs mais velhas da Sociedade de Socorro tinham muita experiência a oferecer.

“Queremos que vocês abordem as necessidades das mães e seu dever para com os filhos de uma maneira ampla”, explicou ela. “Podemos aprender muitas boas coisas práticas umas com as outras.”16


Enquanto Ida Dusenberry visitava Cardston, seu irmão mais velho, Reed Smoot, estava se preparando para uma batalha política no Senado dos Estados Unidos. Além de ser um membro júnior do Quórum dos Doze Apóstolos, Reed havia sido eleito para o Senado no início daquele ano, após receber permissão da Primeira Presidência para se candidatar.17 Sua esposa, Allie, também apoiou seu desejo de servir no Senado, certa de que ele poderia fazer muito pela população de Utah. “Estou muito ansiosa por seu sucesso”, disse-lhe ela, “e sinto que Deus nos abençoará e nos ajudará”.18

Como era de se esperar, a vitória de Reed provocou indignação e protestos.19 A Igreja vinha se esforçando para melhorar sua imagem pública após a eleição de B. H. Roberts para a Câmara dos Deputados em 1898, que provocara uma reação nacional contra os santos. Desde essa época, a Igreja havia aberto um balcão de informações na Praça do Templo para ajudar as pessoas a aprender mais sobre os santos. Esse escritório era operado por voluntários, muitos deles da Associação de Melhoramentos Mútuos das Jovens Damas e da Associação de Melhoramentos Mútuos dos Rapazes, que distribuíam materiais da Igreja e respondiam a perguntas sobre ela e suas crenças. Até então, eles haviam recebido milhares de visitantes em Salt Lake City e compartilhado informações corretas sobre a Igreja. No entanto, aquele trabalho pouco contribuíra para mudar a opinião dos mais ferozes opositores da Igreja dentro e fora de Utah.20

Os críticos mais ferrenhos de Reed eram membros da Associação Ministerial de Salt Lake, um grupo de empresários, advogados e sacerdotes protestantes de Utah. Logo após a eleição, eles solicitaram formalmente ao Senado que impedisse Reed de assumir o mandato. O abaixo-assinado alegava que a Primeira Presidência e o Quórum dos Doze Apóstolos exerciam autoridade política e econômica suprema sobre os santos e exigiam deles obediência absoluta. Também afirmava que os líderes da Igreja ainda pregavam, praticavam e apoiavam o casamento plural a despeito do Manifesto. A conclusão, segundo os autores, era que tais fatores tornavam os santos antidemocráticos e desleais à nação.

Os membros da Associação Ministerial temiam que Reed usasse sua posição como apóstolo na Igreja para promover o casamento plural e proteger aqueles que o praticavam. Um membro da associação até acusou Reed, que era monógamo, de praticar o casamento plural em segredo. Ele alegou que Reed seria uma marionete da Primeira Presidência, totalmente sujeito à sua orientação.21

Os líderes do Senado examinaram as petições e instalaram uma comissão de inquérito com 13 senadores para averiguar as alegações da Associação Ministerial. No entanto, eles também permitiram que Reed fizesse o juramento de posse, autorizando-o a atuar como senador pelo menos até que a comissão concluísse o inquérito.22

Embora a ameaça de investigação pairasse sobre a Igreja, Joseph F. Smith acreditava que Reed deveria manter seu apostolado e seu mandato no Senado, confiante de que ele poderia fazer mais bem em Washington do que em qualquer outro lugar. O presidente Smith viu a investigação como uma chance de ajudar as pessoas a entender melhor os santos e suas crenças.23

Como Reed nunca havia praticado o casamento plural, não se preocupou com a investigação sobre sua vida pessoal. Porém, preocupou-se com a forma como a Igreja seria vista durante as audiências. Desde a eleição de B. H. Roberts, corriam muitos boatos sobre novos casamentos plurais em Utah, e dúvidas sobre o compromisso da Igreja de abandonar a prática permaneciam na mente de inúmeras pessoas. Como líder na Igreja, Reed teve que responder pelas políticas da instituição. Ele sabia que a comissão investigaria minuciosamente os casamentos plurais pós-Manifesto. Previa também que os senadores o interrogassem, bem como outras testemunhas, sobre o envolvimento da Igreja na política e a lealdade dos santos aos Estados Unidos.24

Se a comissão provasse que a Igreja promovia a violação da lei, Reed poderia ser destituído do mandato, e a reputação dos santos seria prejudicada.

Em 4 de janeiro de 1904, Reed apresentou uma réplica à comissão, negando formalmente as acusações da Associação Ministerial. Ele esperava chamar a atenção da comissão para ele próprio e sua conduta. Mas, quando ele se reuniu com a comissão na semana seguinte, ficou claro que os senadores estavam determinados a investigar a Igreja. E se mostravam particularmente ansiosos para interrogar Joseph F. Smith e outras autoridades gerais a respeito de sua influência política sobre os santos e a continuidade do casamento plural após o Manifesto.

“Senador Smoot, não é o senhor que está sob julgamento”, disse-lhe o presidente da comissão. “É a igreja mórmon que pretendemos investigar, e vamos ver se esses homens obedecem mesmo à lei.”25


Em 25 de fevereiro de 1904, a comissão do Senado intimou Joseph F. Smith a depor nas audiências do caso Smoot. Ele partiu para Washington, D.C., dois dias depois, confiante de que a Igreja poderia resistir ao iminente escrutínio. Reed o havia advertido, porém, de que os senadores perguntariam sobre todos os aspectos de sua vida privada e exigiriam detalhes sobre seus casamentos plurais. Como presidente da Igreja, ele também seria interrogado sobre seu papel como profeta, vidente e revelador para os santos. A comissão queria saber qual influência ele e suas revelações teriam sobre Reed e sua atuação no Senado.26

No primeiro dia de interrogatório, 2 de março, a sala da comissão estava repleta de senadores, advogados e testemunhas. Também estavam presentes membros de organizações femininas que se opunham à eleição de Reed. A pedido do presidente da comissão, o presidente Smith se sentou em frente a ele em uma longa mesa. Seus cabelos grisalhos e a comprida barba estavam bem penteados, e ele trajava um simples casaco preto e óculos com armação de ouro. Na lapela, ele trazia um pequeno retrato de Hyrum Smith, seu pai martirizado.27

Robert Tayler, o advogado representante da Associação Ministerial, abriu o inquérito com perguntas sobre a vida do presidente Smith. Em seguida, voltando a atenção para as revelações e sua influência nas decisões individuais dos membros da Igreja, o advogado pediu ao profeta que explicasse em que situações os membros da Igreja seriam obrigados a obedecer à revelação do presidente da Igreja. Se conseguisse fazer o profeta admitir que todos os membros tinham a obrigação de acatar suas revelações, Tayler poderia comprovar que Reed Smoot não seria verdadeiramente livre para tomar suas próprias decisões no Senado.

“Nenhuma revelação dada por meio do líder da Igreja se torna obrigatória e oficial”, respondeu o presidente Smith, “antes de ser apresentada à Igreja e aceita pelos membros”.

“Quer dizer”, perguntou Tayler, “que numa conferência a Igreja pode dizer ao senhor, Joseph F. Smith, o presidente da Igreja: ‘Não aceitamos que essas suas palavras tenham vindo de Deus’?”28

“Eles podem dizer isso se quiserem”, respondeu o profeta. “Cada homem tem direito a sua própria opinião, seu próprio ponto de vista e suas próprias concepções de certo e errado desde que elas não entrem em conflito com os princípios básicos da Igreja.”29

Como exemplo, ele destacou que apenas parte dos santos havia praticado o casamento plural. “Todos os demais membros da Igreja se abstiveram de viver esse princípio e aderir a ele, e milhares nunca o aceitaram ou acreditaram nele”, respondeu o presidente, “mas não foram afastados da Igreja”.30

“O senhor recebe revelações, não recebe?”, indagou o presidente da comissão. Ele queria saber quando uma revelação recebida pelo profeta do Senhor seria considerada uma doutrina fundamental da Igreja, algo que um santo fiel dos últimos dias como Reed Smoot se sentiria obrigado a obedecer.

O presidente Smith escolheu suas palavras de maneira cuidadosa. Por muitas vezes, ele havia recebido revelação pessoal por meio do Espírito Santo. Como profeta, ele também havia recebido orientação inspirada para os santos. Porém, nunca havia recebido uma revelação para toda a Igreja, como a própria voz do Senhor — do tipo de revelação encontrada em Doutrina e Convênios.

“Eu nunca afirmei que recebi uma revelação”, disse ele ao presidente da comissão, “exceto que Deus me mostrou que o chamado ‘mormonismo’ é a verdade divina de Deus. Isso é tudo”.31


O presidente Smith continuou respondendo às perguntas até o encerramento dos trabalhos da comissão no final da tarde. Quando a audiência foi retomada no dia seguinte, a comissão centralizou suas perguntas cada vez mais no casamento plural e no Manifesto. Ao mesmo tempo em que procurava responder com precisão às perguntas, o presidente Smith evitou divulgar o que ele e outros líderes da Igreja sabiam a respeito de novos casamentos plurais. Ele sabia que o Congresso condenaria a ele e à Igreja se essa informação viesse à tona na investigação.32

Além disso, suas respostas cautelosas às perguntas da comissão foram baseadas em seu entendimento de que os santos que praticaram casamentos plurais após o Manifesto o fizeram por sua própria conta e risco. Por essa razão, ele acreditava que o Manifesto não proibia que ele e suas esposas, ou quaisquer outros casais plurais, continuassem discretamente a honrar o sagrado convênio matrimonial que haviam celebrado no templo uns com os outros.33

Quando Robert Tayler perguntou se ele achava errado continuar vivendo com uma esposa plural, o presidente Smith respondeu: “Isso é contrário às leis da Igreja e também às do país”. Mas, em seguida, ele falou abertamente sobre sua decisão de não abandonar sua grande família plural. “Eu coabitei com minhas esposas”, admitiu ele. “Elas têm gerado filhos meus desde 1890.”34

“Já que isso foi uma violação da lei”, prosseguiu Tayler, “por que o senhor tomou essa decisão?”

“Preferi enfrentar as penalidades da lei a abandonar minha família”, respondeu o profeta.35

Tentando arrancar dele os nomes dos homens que haviam iniciado casamentos plurais após o Manifesto, os senadores perguntaram sobre os casamentos dos apóstolos e de vários outros membros da Igreja. O presidente da comissão também perguntou ao presidente Smith se ele próprio havia celebrado algum casamento plural após o Manifesto.

“Não, senhor, nunca celebrei nenhum”, respondeu o profeta. Em seguida, ele prosseguiu com uma declaração cuidadosamente formulada, que visava a evitar questionamentos adicionais. “Não foram solenizados casamentos plurais por A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, nem com seu consentimento ou conhecimento”, afirmou ele.

“Desde o Manifesto?”, perguntou um senador.

“Sim, é isso o que quis dizer, obviamente”, esclareceu o presidente Smith. Ao fazer essa afirmação, ele não negava a existência de casamentos plurais pós-Manifesto. Pelo contrário, quis fazer uma sutil distinção entre as práticas que a Igreja e seus conselhos sancionavam e aquelas que os membros da Igreja escolhiam seguir individualmente de acordo com sua própria consciência. De fato, os santos haviam apoiado o Manifesto em 1890, portanto os casamentos plurais realizados por líderes da Igreja haviam ocorrido sem o consentimento da Igreja como um todo.

“Se um apóstolo da Igreja tivesse realizado tal cerimônia”, perguntou outro senador, “o senhor consideraria que esse ato fora realizado com a autoridade de sua Igreja?”

“Se qualquer apóstolo ou outro homem que alegasse ter autoridade fizesse algo desse tipo”, respondeu o presidente Smith, “ele não só estaria sujeito a um processo judicial, uma pesada multa e prisão sob a lei estadual, mas também seria submetido à disciplina e excomunhão da Igreja pelos devidos tribunais eclesiásticos”.36


Após finalizar seu depoimento, que durou cinco dias, o presidente Smith sentiu que havia seguido a orientação divina ao depor. “Acredito firmemente que o Senhor fez o melhor que pôde por meio do instrumento que tinha à disposição”, declarou ele.37

Ainda assim, seu depoimento provocou um clamor público quando foi publicado nos jornais. Em todos os Estados Unidos, pessoas ficaram chocadas ao saber que o presidente Smith ainda vivia com suas cinco esposas. Elas também duvidaram de sua credibilidade e sinceridade como testemunha e passaram a alegar que os líderes da Igreja eram mentirosos e infratores da lei.38

“Neste momento, a opinião pública está em peso contra nosso povo”, confidenciou o secretário da Primeira Presidência a um amigo, “e a única coisa que sentimos que devemos fazer é abotoar o casaco, virar as costas para a tempestade e esperar com paciência”.39

Enquanto as audiências do Senado prosseguiam em Washington, D.C., o profeta voltou a Salt Lake City e resolveu tomar providências para restaurar a confiança nele e na Igreja. Ele havia assegurado à comissão que as autoridades da Igreja disciplinariam os santos que realizassem novos casamentos plurais em violação ao Manifesto. Ele agora estava obrigado a dar ao Senado uma prova mais contundente de que ele e os santos estavam empenhados em impedir a realização de novos casamentos plurais.40

Em 6 de abril de 1904, o último dia da conferência geral, ele se apresentou ao púlpito do Tabernáculo e leu uma nova declaração oficial sobre o casamento plural na Igreja. “Em vista dos inúmeros relatos em circulação de que foram celebrados casamentos plurais contrários à declaração oficial do presidente Woodruff”, disse ele, “anuncio neste momento que tais casamentos estão proibidos”.

A declaração não condenava os cerca de 200 casais que haviam realizado o casamento plural após o Manifesto nem censurava aqueles que haviam continuado a viver com suas famílias plurais desde aquela época. No entanto, declarava que novos casamentos plurais eram proibidos a partir daquele momento mesmo fora das fronteiras dos Estados Unidos. “Se qualquer autoridade ou membro da Igreja aceitar solenizar ou iniciar um casamento desse tipo, será considerado em transgressão perante a Igreja”, disse o presidente Smith, “e estará passível de ser tratado de acordo com as regras e os regulamentos da Igreja e excomungado”.41

Após ler a declaração, que ficou conhecida como o Segundo Manifesto, o presidente Smith exortou os santos a apoiarem-na em união, restaurando assim a confiança do governo neles. Da mesma forma que o Manifesto havia revelado que a Igreja não estava mais sob o mandamento de praticar o casamento plural, a nova declaração servia para impedir a realização de novos casamentos plurais a partir daquele momento.42 Ele esperava que isso pusesse fim às alegações de que os membros da Igreja não eram cidadãos cumpridores da lei.

“Hoje”, declarou ele, “quero ver se os santos dos últimos dias, que representam a Igreja nesta assembleia solene, não selarão a falsidade dessas acusações por meio de seu voto”.

Em união, os santos presentes no Tabernáculo ergueram o braço em ângulo reto e apoiaram as palavras do presidente.43

  1. Joseph F. Smith, Diário, 18 de fevereiro de 1901; George Q. Cannon, Diário, 13 de março–7 de abril de 1901; Bitton, George Q. Cannon, p. 447; Joseph F. Smith para George Q. Cannon, 7 de abril de 1901, Letterpress Copybooks, p. 503, Documentos de Joseph F. Smith, Biblioteca de História da Igreja.

  2. Joseph F. Smith, Diário, 12 de abril de 1901; ver também, por exemplo, “Mr. Cannon Improving”, Salt Lake Herald, 4 de abril de 1901, p. 2; “Mr. Cannon Better”, Salt Lake Herald, 5 de abril de 1901, p. 7; e “President Cannon Worse”, Salt Lake Herald, 9 de abril de 1901, p. 3. Tópico: George Q. Cannon.

  3. Horne, “Joseph F. Smith’s Succession to the Presidency”, pp. 270–273; “Life Sketch of Joseph F. Smith”, Deseret Evening News, 17 de outubro de 1901, p. 1.

  4. “Opening of a Mission in Japan”, Deseret Evening News, 6 de abril de 1901, parte 2, p. 9; “Personal Mention”, Salt Lake Herald, 24 de abril de 1901, p. 8; “Mexico Welcomes the Mormons”, Deseret Evening News, 24 de junho de 1901, p. 1; Lund, Diário, 1º–2 de outubro de 1901; Clawson, Diário, 1º–3 de outubro de 1901. Tópico: Crescimento do trabalho missionário.

  5. “Passed into the Repose of Death”, Deseret Evening News, 28 de agosto de 1901, p. 8; “‘Aunt’ Zina Laid to Rest”, Deseret Evening News, 2 de setembro de 1901, p. 8.

  6. Atas da Sociedade de Socorro da Ala Cardston, 15 de agosto de 1901, p. 132. Tópico: Zina D. H. Jacobs Young.

  7. Clawson, Diário, 10 de outubro de 1901; “President Snow Dead”, Salt Lake Tribune, 11 de outubro de 1901, p. 1; “In the Tabernacle”, Deseret Evening News, 14 de outubro de 1901, p. 5. Tópico: Lorenzo Snow.

  8. Lund, Diário, 17 de outubro de 1901; Clawson, Diário, 17 de outubro de 1901; Historical Department, Journal History of the Church, 17 de outubro de 1901, p. 2; “The General Authorities”, Seventy-First Annual Conference, p. 45. Tópicos: Joseph F. Smith; Primeira Presidência; Sucessão na liderança da Igreja; Bispo.

  9. “Reorganization of the First Presidency”, Deseret Evening News, 16 de novembro de 1901, p. 23; Santos, vol. 1, capítulo 32.

  10. “Authorities of the Church Sustained”, Deseret Evening News, 11 de novembro de 1901, p. 23; Wells, Diário, vol. 27, 10 de novembro de 1901; Junta geral da Sociedade de Socorro, Atas, 10 de novembro de 1901, p. 31. Tópico: Comum acordo.

  11. Bathsheba Wilson Bigler Smith”, Artigo biográfico, site: First Fifty Years of Relief Society, churchhistorianspress.org; Livro de Atas da Sociedade de Socorro, 17 de março de 1842, em Derr e outros, First Fifty Years of Relief Society, p. 30; General Officers, General Relief Society, pp. 32–52; ver também Swinton, “Bathsheba Wilson Bigler Smith”, pp. 349–365.

  12. General Officers, General Relief Society, pp. 27–28.

  13. General Officers, General Relief Society, pp. 20, 52–59, 91–9296. Tópico: Sede da Igreja.

  14. Junta geral da Sociedade de Socorro, Atas, 20 de junho de 1902, p. 51; General Officers, General Relief Society, pp. 59–60; Derr, Cannon, e Beecher, Women of Covenant, pp. 161–163. Tópico: Sociedade de Socorro.

  15. Derr, Cannon e Beecher, Women of Covenant, pp. 154–161; General Officers, General Relief Society, pp. 86–87; ver também, por exemplo, “Timely Suggestions”, Woman’s Exponent, 1º e 15 de dezembro de 1902, vol. 31, p. 51; “Lectures for Mothers”, Woman’s Exponent, 1º de março de 1903, vol. 31, p. 75; e “Mother’s Work”, Woman’s Exponent, 1º de outubro de 1903, vol. 32, p. 35. Tópico: Periódicos da Igreja.

  16. Sociedade de Socorro da Estaca Cardston Alberta, Atas, 24 de agosto de 1903, pp. 25–28; Derr, Cannon e Beecher, Women of Covenant, pp. 157–159.

  17. “Smoot Chosen Senator by Majority of Thirty”, Salt Lake Herald, 21 de janeiro de 1903, p. 1; John Henry Smith, Diário, 24 de janeiro de 1902; Clawson, Diário, 13 de novembro de 1902; Lund, Diário, 14 de novembro de 1902.

  18. Allie Smoot para Reed Smoot, 24 de fevereiro de 1904, Documentos de Reed Smoot, BYU.

  19. Ver, por exemplo, “Smoot Question Considered”, Deseret Evening News, 2 de fevereiro de 1903, p. 8; “Reed Smoot’s Case”, Evening Star (Washington, D.C.), 2 de março de 1904, p. 1; e Proceedings before the Committee, vol. 1, pp. 26–30; ver também Heath, “First Modern Mormon”, vol. 1, pp. 95–99.

  20. Edward H. Anderson, “The Bureau of Information”, Improvement Era, dezembro de 1921, vol. 25, pp. 131–139; Lund, “Joseph F. Smith and the Origins of the Church Historic Sites Program”, pp. 346–347. Tópico: Relações públicas.

  21. “Nineteen Citizens of Utah Sign Protest”, Salt Lake Herald, 10 de fevereiro de 1903; Proceedings before the Committee, vol. 1, pp. 26–30. Tópico: Primeira Presidência.

  22. Flake, Politics of American Religious Identity, pp. 34–35, 38; Clawson, Diário, 5 de março de 1903; Primeira Presidência para Reed Smoot, 9 de março de 1903, Documentos de Reed Smoot, BYU.

  23. Charles W. Nibley, “Reminiscences of President Joseph F. Smith”, Improvement Era, janeiro de 1919, vol. 22, p. 195; Joseph F. Smith para Reed Smoot, 8 de janeiro de 1904, First Presidency Letterpress Copybooks, vol. 39.

  24. Reed Smoot para Joseph F. Smith, 5 de fevereiro de 1904, Documentos de Reed Smoot, BYU; Proceedings before the Committee, vol. 1, pp. 26–30; Riess, “Heathen in Our Fair Land”, p. 298; Reed Smoot para Joseph F. Smith, 16 de dezembro de 1903; 8 de janeiro de 1904; 9 de janeiro de 1904, Documentos de Reed Smoot, BYU.

  25. “Reed Smoot’s Fate Is Sealed in the Senate”, Salt Lake Tribune, 18 de novembro de 1903, p. 1; “Senator Smoot Files His Reply”, Salt Lake Herald, 5 de janeiro de 1904, p. 1; Reed Smoot para Joseph F. Smith, 9 de janeiro de 1904; 18 de janeiro de 1904, Documentos de Reed Smoot, BYU. Tópico: Audiências do caso Reed Smoot.

  26. Lund, Diário, 25 de fevereiro de 1904; Francis Marion Lyman, Diário, 24–27 de fevereiro de 1904; Reed Smoot para a Primeira Presidência, 18 de janeiro de 1904, Documentos de Reed Smoot, BYU; Joseph F. Smith para Reed Smoot, 8 de janeiro de 1904, First Presidency Letterpress Copybooks, vol. 39.

  27. “Smith Expounds the Tenets of Mormon Church”, Washington (D.C.) Times, 2 de março de 1904, p. 1; Proceedings before the Committee, vol. 1, p. 476; Bray, “Joseph F. Smith’s Beard”, p. 462. Tópico: Hyrum Smith.

  28. Flake, Politics of American Religious Identity, p. 61; Proceedings before the Committee, vol. 1, pp. 80–96. Citação editada para melhorar a clareza; o original “o primeiro presidente da igreja” foi alterado para “o presidente da Igreja”.

  29. Proceedings before the Committee, vol. 1, pp. 96–98. Tópico: Comum acordo.

  30. Proceedings before the Committee, vol. 1, pp. 98, 483–484. Tópico: Casamento plural em Utah.

  31. Proceedings before the Committee, vol. 1, pp. 99, 483–484; Salt Lake Stake, Minutes of the Quarterly Conference, vol. 9, 19 de março de 1905, pp. 40–41; Flake, Politics of American Religious Identity, pp. 95–96.

  32. Proceedings before the Committee, vol. 1, pp. 100–128; Flake, Politics of American Religious Identity, pp. 75–79.

  33. Proceedings before the Committee, vol. 1, pp. 129–131; Lorenzo Snow, “Polygamy and Unlawful Cohabitation”, Deseret Evening News, 8 de janeiro de 1900, p. 4; “O Manifesto e o fim do casamento plural”, Textos sobre os Tópicos do Evangelho, ChurchofJesusChrist.org/study/manual/gospel-topics-essays.

  34. Proceedings before the Committee, vol. 1, pp. 129–130; “A Frank, Honest Declaration”, Deseret Evening News, 3 de março de 1904, p. 1.

  35. Proceedings before the Committee, vol. 1, pp. 129–131; ver também Philip Loring Allen, “The Mormon Church on Trial”, Harper’s Weekly, 26 de março de 1904, p. 469. Tópico: Leis antipoligamia.

  36. Proceedings before the Committee, vol. 1, pp. 138–143, 150, 158, 173–174, 177–178; “O Manifesto e o fim do casamento plural”, Textos sobre os Tópicos do Evangelho, ChurchofJesusChrist.org/study/manual/gospel-topics-essays. Tópicos: Joseph F. Smith; Audiências do caso Reed Smoot; Casamento plural após o Manifesto; Ações disciplinares na Igreja.

  37. Proceedings before the Committee, vol. 1, pp. 79–350; Paulos, “Under the Gun at the Smoot Hearings”, pp. 205–207; Joseph F. Smith para Franklin S. Bramwell, 21 de março de 1904, Letterpress Copybooks, p. 461, Documentos de Joseph F. Smith, Biblioteca de História da Igreja.

  38. Carlos A. Badger para Edward E. Jenkins, 16 de março de 1904, Carlos A. Badger Letterbooks, vol. 1, p. 454, Biblioteca de História da Igreja; Reed Smoot para Joseph F. Smith, 23 de março de 1904, Documentos de Reed Smoot, BYU; ver também, por exemplo, “Utah Plague Spot”, National Tribune (Washington, D.C.), 10 de março de 1904, p. 8; “Gives History of Mormonism”, San Francisco Call, 12 de março de 1904, p. 2; e “Mormons at W.C.T.U. Session”, New York Times, 15 de março de 1904, p. 5.

  39. George F. Gibbs para Harry J. Boswell, 22 de março de 1904, First Presidency Letterpress Copybooks, vol. 39; ver também Merrill, Apostle in Politics, pp. 50–51. Tópico: Relações públicas.

  40. Proceedings before the Committee, vol. 1, p. 178; Reed Smoot para Joseph F. Smith, 23 de março de 1904, Documentos de Reed Smoot, BYU; Flake, Politics of American Religious Identity, pp. 91–92.

  41. Hardy, Solemn Covenant, apêndice 2, p. [426]; Joseph F. Smith, in Seventy-Fourth Annual Conference, p. 75; “O Manifesto e o fim do casamento plural”, Textos sobre os Tópicos do Evangelho, ChurchofJesusChrist.org/study/manual/gospel-topics-essays.

  42. Joseph F. Smith, em Seventy-Fourth Annual Conference, pp. 75–76; “President Lyman Very Emphatic”, Deseret Evening News, 31 de outubro de 1910, p. 1; Flake, Politics of American Religious Identity, pp. 91–92.

  43. Joseph F. Smith, em Seventy-Fourth Annual Conference, p. 76.