História da Igreja
Capítulo 16: Escrito no céu


“Escrito no céu”, capítulo 16 de Santos: A História da Igreja de Jesus Cristo nos Últimos Dias, Volume 3, Com Coragem, Nobreza e Independência, 1893–1955, 2021

Capítulo 16: “Escrito no céu”

Capítulo 16

Escrito no céu

Imagem
fruto e folhas de carvalho

Quando Ernst Biebersdorf, o irmão de Anna Kullick, falou-lhe de seus colegas de trabalho que eram santos dos últimos dias, ela ficou intrigada. As crenças deles a fizeram se lembrar de um sonho que sua mãe tivera ainda na Alemanha, antes de Anna e Ernst se mudarem com a família para Buenos Aires, Argentina, no início da década de 1920.

Louise Biebersdorf era uma mulher profundamente religiosa e, em seu sonho, vira um belo lugar. Embora não lhe fosse permitido ir até lá, foi-lhe dito que um dia ela poderia fazê-lo por meio de dois de seus filhos. No mesmo sonho, ela aprendeu que a igreja verdadeira viria da América.1

Anna e Ernst logo começaram a participar das reuniões dos santos dos últimos dias em Buenos Aires, com os amigos de Ernst, que se chamavam Wilhelm Friedrichs e Emil Hoppe.2 Após a breve missão de Parley Pratt no Chile em 1851, a Igreja havia enviado poucos missionários à América do Sul e não tinha presença oficial no continente. Wilhelm e Emil, bem como sua família, haviam se unido à Igreja na Alemanha e levaram seus ensinamentos para Buenos Aires quando emigraram para a Argentina — com milhares de outros alemães, incluindo as famílias de Anna e Ernst — a fim de escapar da crise econômica resultante da Primeira Guerra Mundial.3

Aos domingos, os santos se reuniam em uma pequena sala na residência de Wilhelm. Tanto Wilhelm quando Emil não tinham autoridade do sacerdócio para abençoar o sacramento; portanto, as reuniões eram principalmente um momento de estudo das escrituras e de oração. E, como não tinham órgão, o grupo cantava hinos enquanto o filho de Wilhelm tocava bandolim. Os santos também se reuniam às 7 horas da noite às quintas-feiras para estudar a Bíblia na casa de Emil. Com o crescimento da congregação, o grupo começou a realizar uma escola dominical, na qual estudavam um exemplar em alemão do livro Regras de Fé, de James E. Talmage. Em pouco tempo, Anna começou a pagar o dízimo, que Wilhelm enviava para a sede da Igreja em Salt Lake City.

Ansioso para compartilhar o evangelho restaurado, Wilhelm escrevia e distribuía folhetos, além de anunciar as reuniões da Igreja em jornais locais em alemão. Também escrevia artigos e fazia palestras sobre vários assuntos do evangelho. Mas ele não falava espanhol, o idioma principal da Argentina, o que limitava sua atuação. Ainda assim, de vez em quando, apareciam à sua porta alguns falantes de alemão, curiosos sobre o que haviam lido a respeito dos santos.4

Na primavera de 1925, Anna estava pronta para ser batizada. No início, o marido dela, Jacob, opusera-se à participação dela nas reuniões da Igreja, mas logo ele também começou a frequentar. Seus três filhos adolescentes estavam igualmente se interessando pelo evangelho. Ernst, o irmão de Anna, e sua esposa, Marie, também estavam ansiosos para ser batizados na Igreja, mas não havia ninguém na Argentina com autoridade para administrar a ordenança.

Com o crescimento do interesse pela Igreja, as pessoas que acreditavam começaram a se reunir em três locais diferentes da cidade. A fé demonstrada por eles inspirou Wilhelm. “Eles têm um testemunho da autenticidade desta obra e desejam ser batizados assim que surgir a oportunidade”, escreveu ele aos líderes da Igreja em Salt Lake City.5

Pouco tempo depois, Wilhelm recebeu uma resposta do bispo presidente da Igreja, Sylvester Q. Cannon. “Discutimos com a Primeira Presidência a possibilidade de enviar missionários para a Argentina, mas até agora não houve decisão definitiva”, explicou ele. “No entanto, estamos em busca dos homens certos: missionários que falem os idiomas alemão e espanhol.”6

A carta deixou Anna, Ernst e sua família esperançosos. Todos queriam saber quando os missionários iam chegar ao país.7


Nessa época, muitos norte-americanos brancos estavam preocupados com as mudanças em curso nos Estados Unidos. Milhões de afro-americanos e imigrantes estavam se mudando para cidades do norte dos Estados Unidos a fim de escapar da discriminação e procurar empregos melhores. Sua presença incomodou muitos brancos da classe trabalhadora, que tinham medo de perder o emprego para os recém-chegados. Conforme o ressentimento crescia, grupos de ódio como a Ku Klux Klan, que usavam o anonimato e a violência para perseguir os negros e outras minorias, ganharam adeptos em todo o país.8

Heber J. Grant observou com consternação a propagação dos grupos de ódio. Décadas antes, membros da Klan haviam agredido missionários no sul dos Estados Unidos em algumas ocasiões. Embora tais ataques aos santos tivessem cessado, relatos recentes das ações da Klan causavam preocupação.

“Os inúmeros açoitamentos, assassinatos e linchamentos perpetrados por essa organização são uma mancha na história do Sul”, escreveu o presidente da Missão dos Estados do Sul para o presidente Grant em 1924. “Não houve condenações por esses crimes. O espírito de anarquia e violência que assola o Sul é exatamente o mesmo que inspirou os ladrões de Gadiânton.”9

Durante a década de 1920, grupos de ódio ganharam alento com o racismo generalizado, que estava disseminado em todas as regiões dos Estados Unidos e em outras partes do mundo. Em 1896, a Suprema Corte dos EUA havia decidido que as leis estaduais que permitiam a segregação de americanos brancos e negros em escolas, igrejas, banheiros, vagões ferroviários e outros espaços públicos eram legais. Além disso, romances e filmes populares rebaixavam os negros e outros grupos raciais, étnicos e religiosos por meio de estereótipos prejudiciais. Nos Estados Unidos e em outros lugares, poucas pessoas acreditavam que os negros e brancos deveriam ter convívio social.10

Na Igreja, as alas e os ramos estavam oficialmente abertos a todas as pessoas, sem distinção de raça. No entanto, nem todas as congregações acatavam a diretriz. Em 1920, Marie e William Graves, um casal de negros santos dos últimos dias, foram bem recebidos e plenamente integrados em seu ramo na Califórnia. No entanto, quando Marie visitou um ramo no sul dos Estados Unidos, foi convidada a se retirar por causa da cor de sua pele. “Nunca fiquei tão magoada em toda a minha vida”, escreveu ela em uma carta ao presidente Grant.11

Para preparar a Terra para o retorno do Senhor, os líderes da Igreja sabiam que o evangelho restaurado deveria ser ensinado a todas as nações, tribos, línguas e povos. Durante décadas, os santos haviam pregado ativamente entre outras pessoas de cor — como os indígenas das Américas, nativos da Oceania e latino-americanos. Porém, obstáculos seculares como o racismo os impediam de levar o evangelho para todo o mundo.

No caso de Marie Graves, a Primeira Presidência não pediu à congregação que a integrasse, temendo que a oposição aos códigos raciais do Sul colocasse em risco tanto os santos negros quanto os brancos. Os líderes da Igreja também não encorajavam o proselitismo ativo entre as comunidades negras, uma vez que a Igreja restringia a ordenação ao sacerdócio e as bênçãos do templo a pessoas de ascendência africana.12

Algumas pessoas na Igreja procuravam exceções a essa norma. Durante sua visita à Oceania, o élder David O. McKay havia escrito ao presidente Grant perguntando se seria possível abrir uma exceção para um santo negro dos últimos dias que se casara com uma polinésia e constituíra uma família numerosa na Igreja.

“David, sou tão solidário quanto você”, respondeu o presidente Grant, “mas, até recebermos uma revelação do Senhor a esse respeito, temos que seguir as normas da Igreja”.13

A partir do início dos anos 1900, os líderes da Igreja haviam ensinado que qualquer santo que tivesse ascendência negra africana, por menor que fosse, teria restrições. No entanto, incertezas a respeito da identidade racial de alguns santos geravam disparidades na aplicação da regra. Nelson Ritchie, filho de uma mulher negra e um homem branco, pouco sabia sobre a história de seus pais quando ele e sua esposa, Annie, uma mulher branca, se filiaram à Igreja em Utah. Ele tinha a pele clara, e muitos de seus filhos eram considerados brancos. Quando duas de suas filhas estavam prontas para o casamento, entraram no templo e receberam as ordenanças de investidura e selamento.

Posteriormente, porém, quando Nelson e Annie desejaram ser selados, o bispo questionou Nelson sobre sua ascendência. Nelson lhe contou o que sabia sobre seus pais, e o bispo levou o caso à Primeira Presidência e ao Quórum dos Doze Apóstolos, que lhe devolveram o caso e deixaram a decisão a seu critério. No final, o bispo afirmou que Nelson e Annie eram bons santos dos últimos dias, mas se recusou a dar a Nelson uma recomendação para o templo por causa de sua ascendência.14

Embora muitos santos concordassem com os preconceitos raciais da época, a maioria desaprovava as organizações que usavam o anonimato, a ilegalidade e a violência para oprimir os outros. Após a expansão da Ku Klux Klan em Utah no início da década de 1920, o presidente Grant e outros líderes da Igreja a censuraram na conferência geral, usando sua influência para detê-la. Poucos membros da Igreja chegaram a fazer parte do grupo. Quando um líder da Klan quis agendar uma reunião com líderes da Igreja, o presidente Grant se recusou a atendê-lo.15

“Não consigo entender”, observou o profeta em abril de 1925, “o que levaria um portador do sacerdócio a desejar integrar a Ku Klux Klan”.16


Em meados de 1925, Heber J. Grant e muitas outras pessoas mundo afora acompanharam com atenção o caso de John Scopes, um professor de ciências do Ensino Médio que tinha sido processado no sul dos Estados Unidos por ensinar que humanos e macacos evoluíram a partir de um ancestral comum.17

O julgamento do caso Scopes expôs uma grande divisão entre as igrejas cristãs. Alguns cristãos “modernistas” acreditavam que a Bíblia não deveria ser tratada como autoridade em questões científicas. Segundo eles, era a ciência que fornecia subsídios mais confiáveis para compreender o mundo natural, e professores como Scopes deveriam ter toda a liberdade de ensinar a evolução nas escolas, sem medo de represálias. Os cristãos “fundamentalistas”, por outro lado, viam a Bíblia como a verdade final e absoluta de Deus. Para eles, era blasfêmia afirmar que a humanidade, a mais elevada criação de Deus, evoluíra a partir de formas de vida menos avançadas.18

Heber tinha grande respeito pela ciência moderna e por cientistas como os apóstolos James E. Talmage e John Widtsoe, que haviam se destacado em suas áreas de atuação e mantido a fé no evangelho restaurado. Assim como eles, Heber estava aberto à descoberta de novas verdades fora das escrituras e acreditava na compatibilidade entre a ciência e a religião.19

Mas ele se preocupava com os jovens santos dos últimos dias que haviam abandonado a fé enquanto estudavam ciências nas faculdades e universidades. Na juventude, ele havia sido ridicularizado por um cientista por acreditar no Livro de Mórmon. O homem chamara atenção para uma passagem de 3 Néfi, na qual a voz de Deus se fez ouvir amplamente entre os sobreviventes das destruições ocorridas na época da Crucificação de Cristo. O cientista apontava a impossibilidade de uma voz ter tanto alcance e afirmava que qualquer um que acreditasse o contrário era um tolo. Anos mais tarde, quando a invenção do rádio mostrou que a voz pode percorrer grandes distâncias, Heber ficou de alma lavada.20

Durante o julgamento do caso Scopes, Heber e seus conselheiros decidiram publicar uma versão resumida de “A origem do homem”, artigo publicado pela Primeira Presidência em 1909.21 Em vez de condenar o ensino da teoria da evolução, como faziam os fundamentalistas, o artigo reafirmava o ensinamento bíblico de que Deus criara o homem e a mulher à Sua própria imagem. Também proclamava a doutrina única da Restauração de que todas as pessoas viveram como filhos espirituais de Deus antes de nascerem na Terra e que esses filhos e essas filhas espirituais haviam crescido e se desenvolvido ao longo do tempo.

“O homem, como espírito, foi gerado por pais celestiais, nasceu e foi criado até a maturidade nas mansões eternas do Pai”, testificou a Primeira Presidência.

A declaração terminava salientando outro tipo de mudança que ocorria ao longo do tempo — algo que dizia respeito ao futuro. “Assim como o jovem filho de um pai e uma mãe terrenos tem o potencial de, no devido tempo, tornar-se um homem”, declarava, “o descendente — ainda em estado bruto — de pais celestiais é capaz de, mediante a experiência adquirida ao longo de eras e mais eras, evoluir até se tornar um Deus”.22

Três dias depois que a Primeira Presidência publicou sua declaração, o júri do caso Scopes emitiu o veredicto. John Scopes foi considerado culpado e condenado a pagar uma multa de 100 dólares.23 Depois disso, quando as pessoas escreviam para Heber perguntando qual era a opinião da Igreja sobre a evolução, ele enviava uma cópia da declaração da Primeira Presidência. Não era preciso dizer às pessoas em que deviam acreditar. A verdade podia ser julgada por seus frutos, ressaltou ele, conforme Jesus ensinara no Sermão da Montanha.24


Quando Len Hope tinha cerca de 17 anos de idade, passou duas semanas participando de reuniões de reavivamento batista perto de sua casa no Alabama, no sul dos Estados Unidos. À noite, depois dos cultos, o jovem negro voltava para casa, deitava-se nos campos de algodão e contemplava o céu. Dirigia-se a Deus suplicando fé, mas pela manhã a única recompensa por seus esforços eram roupas molhadas de orvalho.

Após um ano, Len decidiu ser batizado em uma igreja local. Pouco depois, porém, sonhou que precisava ser batizado novamente. Confuso, começou a ler a Bíblia de tal forma que seus amigos ficaram preocupados. “Se você não parar de ler tanto assim, vai acabar enlouquecendo”, advertiram eles. “O hospício já está cheio de pregadores.”

Mas Len não parou. Um dia, aprendeu que o Espírito Santo poderia levá-lo à verdade. Seguindo o conselho de um pregador, retirou-se para um bosque a fim de orar em uma velha cabana abandonada escondida em um emaranhado de arbustos. Lá, chorou durante horas, suplicando a Deus que lhe concedesse o Espírito Santo. Pela manhã, estava disposto a ficar sem comida ou bebida até receber aquela dádiva. Mas então o Espírito o dissuadiu daquela ideia. Somente alguém com a autoridade de Deus poderia lhe conferir o Espírito Santo.

Pouco tempo depois, enquanto Len aguardava respostas para suas muitas orações, um missionário santo dos últimos dias entregou à irmã dele um folheto sobre o plano de salvação de Deus. Len leu o panfleto e acreditou na mensagem. Também ficou sabendo que os missionários santos dos últimos dias tinham autoridade para conferir o dom do Espírito Santo àqueles que aceitavam o batismo.

Após procurar os élderes, Len perguntou se eles poderiam batizá-lo.

“Sim, com prazer”, respondeu um dos missionários, “mas, se eu fosse você, leria um pouco mais”.25

Len recebeu exemplares do Livro de Mórmon, de Doutrina e Convênios, da Pérola de Grande Valor e de outros livros da Igreja — e leu todos prontamente. Porém, antes de poder ser batizado, foi convocado para lutar na guerra mundial. O exército o enviou para o exterior, onde serviu corajosamente no fronte. Depois de voltar para casa no Alabama, foi batizado por um membro local da Igreja em 22 de junho de 1919 e finalmente recebeu o dom do Espírito Santo.26

Algumas noites após seu batismo, uma multidão de homens brancos veio chamá-lo na casa onde ele estava hospedado. “Só queremos conversar com você”, disseram eles. Nas mãos, porém, traziam rifles e espingardas.

Len saiu da casa. Ele era um homem negro no sul dos Estados Unidos, onde turbas armadas às vezes impunham a segregação racial com violência. Eles poderiam feri-lo ou matá-lo ali mesmo e talvez nunca respondessem pelo crime.27

Alguém da multidão exigiu saber por que Len havia se tornado santo dos últimos dias. O estado do Alabama permitia que negros e brancos participassem juntos de cultos religiosos, mas também tinha um rigoroso conjunto de leis segregacionistas e códigos sociais implícitos para manter a separação das raças em locais públicos. Como quase todos os santos dos últimos dias no Alabama eram brancos, a multidão considerava o batismo de Len uma afronta à segregação racial profundamente enraizada na região.28

“Então você atravessou o oceano e está se achando muito esperto”, prosseguiu o homem, referindo-se ao serviço militar de Len. “Agora quer andar com os brancos.”

“Eu estava conhecendo a Igreja muito antes de ir para a guerra”, respondeu Len. “Descobri que era a única verdadeira igreja na face da Terra. Foi por isso que me filiei.”

“Queremos que você remova seu nome dos registros”, exigiu a turba. “Caso contrário, vamos enforcá-lo numa árvore e cravá-lo de balas.”29

Na manhã seguinte, Len participou de uma conferência com outros santos da região e lhes relatou a ameaça do populacho. Ele sabia que estava se arriscando ao ir à reunião, mas estava disposto a morrer por sua fé recém-descoberta.

“Irmão Hope, não poderíamos remover seu nome nem se quiséssemos”, tranquilizaram-no os membros da Igreja. “Seu nome está em Salt Lake City e também está escrito no céu.” Muitos deles se ofereceram para ajudar Len caso a multidão viesse atrás dele de novo.30

Mas a turba nunca mais voltou. Pouco depois, Len se casou com uma mulher chamada Mary Pugh em 1920, e eles se mudaram para Birmingham, uma grande cidade no centro do Alabama. O tio de Mary, que era pastor batista, previu que ela entraria para a Igreja até o fim do ano.

Mary leu o Livro de Mórmon e recebeu um testemunho de sua veracidade. Demorou um pouco mais que o previsto, mas, após cinco anos de casamento, ela resolveu se filiar à Igreja. Em 15 de setembro de 1925, a família Hope acompanhou dois missionários até uma fonte isolada perto de Birmingham. Mary foi batizada sem incidentes, tornando-se finalmente santo dos últimos dias, como seu marido.31

“Eu não poderia estar melhor”, disse ela a seu tio, “e não conheço igreja melhor”.32


Enquanto isso, em Buenos Aires, Anna Kullick e sua família recebiam o apóstolo Melvin J. Ballard e seus companheiros, Rey L. Pratt e Rulon S. Wells, dos setenta, em visita à cidade. A Primeira Presidência enviara as três autoridades gerais à Argentina para dedicar a América do Sul ao trabalho missionário, estabelecer um ramo da Igreja e pregar o evangelho em alemão e espanhol aos habitantes da cidade. A família Kullick estava esperando havia meses a chegada de alguém. Os missionários eram os únicos no continente sul-americano que tinham a devida autoridade para batizá-los na Igreja de Jesus Cristo.33

O élder Wells falava bem alemão, e o élder Pratt era fluente em espanhol. Porém, o élder Ballard não dominava nenhum dos dois idiomas e estava com dificuldade de se adaptar àquele novo ambiente. Tudo em Buenos Aires — a língua, o ar quente em dezembro, as estrelas do Hemisfério Sul — era desconhecido para ele.34

Os missionários passaram os primeiros dias na Argentina visitando os santos alemães da cidade. Realizaram reuniões na casa de Wilhelm Friedrichs e participaram de uma aula sobre o Livro de Mórmon na casa de Emil Hoppe. Em 12 de dezembro de 1925, batizaram Anna, Jacob e a filha de 16 anos do casal, Herta. O irmão de Anna, Ernst, e sua esposa, Marie, também foram batizados, assim como a filha adotiva de Wilhelm Friedrichs, Elisa Plassmann. No dia seguinte, os missionários ordenaram Wilhelm e Emil como sacerdotes, e Jacob e Ernst como diáconos.35

Duas semanas depois, na manhã de Natal, os três missionários foram para o Parque Tres de Febrero, que era bastante conhecido na cidade por seus grandes gramados verdes, lagos azuis e serenos bosques de salgueiros-chorões. Ao encontrarem um local reservado, os homens cantaram hinos e depois baixaram a cabeça enquanto o élder Ballard dedicava o continente à obra do Senhor.

“Giro a chave, destranco e abro a porta para a pregação do evangelho em todas as nações sul-americanas”, orou ele, “e ordeno que seja repreendido todo poder que se oponha à pregação do evangelho nestas terras”.36

Assim que a Missão Sul-Americana foi oficialmente aberta, os missionários e membros trabalharam juntos para compartilhar o evangelho com seus vizinhos. Herta Kullick, que sabia espanhol, às vezes falava do evangelho a seus amigos de língua castelhana na escola. O élder Ballard e o élder Pratt, por sua vez, iam de porta em porta para distribuir panfletos e convidar pessoas para as reuniões da Igreja. O trabalho era cansativo. Muitas vezes os missionários precisavam percorrer longas distâncias através de descampados ou estradas lamacentas em todo tipo de clima.37

Em janeiro de 1926, o élder Wells voltou para casa por causa de problemas de saúde, então Herta ficou responsável por ajudar o élder Ballard e o élder Pratt a se comunicarem com os santos alemães. O élder Ballard preparava uma mensagem para os santos em inglês, que o élder Pratt traduzia para o espanhol e Herta, para o alemão. Era um processo complicado e às vezes muito engraçado, mas os missionários eram gratos pela ajuda dela.38

Durante as reuniões, os missionários gostavam de apresentar slides usando um projetor trazido dos Estados Unidos. Achando que seus amigos poderiam se interessar, Herta os convidou para assistir às projeções. Não tardou até que quase cem jovens — a maioria falantes de espanhol — aparecessem na casa de reuniões alugada pelos santos, e os élderes organizaram uma escola dominical para ensiná-los.39

Os pais dos jovens, curiosos para saber o que os filhos estavam aprendendo, começaram também a se reunir com os santos. Certa feita, mais de 200 pessoas lotaram a casa de reuniões para ver slides sobre a Restauração e ouvir o élder Pratt ensinar em sua língua materna.40

Seis meses após a chegada dos élderes Ballard, Pratt e Wells a Buenos Aires, um presidente de missão permanente e dois jovens missionários chegaram para continuar o trabalho em seu lugar. O novo presidente, Reinhold Stoof, e sua esposa, Ella, haviam se unido à Igreja na Alemanha apenas alguns anos antes. Um dos missionários, J. Vernon Sharp, falava espanhol, o que permitia tanto aos sul-americanos de língua alemã quanto aos de língua espanhola ouvir o evangelho em seu próprio idioma. Pouco tempo depois da chegada deles, a missão batizou a primeira conversa de língua castelhana, Eladia Sifuentes.41

Em 4 de julho de 1926, pouco antes de retornar aos Estados Unidos, o élder Ballard prestou testemunho a uma pequena congregação de santos argentinos. “A obra do Senhor crescerá devagar por um tempo, assim como o carvalho cresce lentamente a partir de um bulbo”, declarou ele. “Não brotará da noite para o dia, como o girassol que cresce rápido e depois fenece.

Milhares se converterão aqui”, profetizou. “A obra se dividirá em mais de uma missão e será uma das mais fortes da Igreja.”42

  1. Kullick, “Life of Herta”; Anna Kullick, Hamburg Passenger List, 20 de abril de 1922, p. 499; Ernst Biebersdorf, Hamburg Passenger List, 27 de março de 1923, p. 689, disponível em ancestry.com. Tópico: Argentina.

  2. Wilhelm Friedrichs para Charles W. Nibley, 15 de dezembro de 1924; 15 de abril de 1925, Correspondência da Missão Argentina, Biblioteca de História da Igreja.

  3. Palmer e Grover, “Parley P. Pratt’s 1851 Mission to Chile”, p. 115; Williams e Williams, From Acorn to Oak, pp. 13–15, 17–20; Newton, German Buenos Aires, pp. 75–85. Tópico: Chile.

  4. Wilhelm Friedrichs para Charles Nibley, 2 de março de 1924; 5 de março de 1924; 2 de maio de 1924; 15 de dezembro de 1924; 15 de abril de 1925; Wilhelm Friedrichs para Sylvester Q. Cannon, 29 de junho de 1925, Correspondência da Missão Argentina, Biblioteca de História da Igreja.

  5. Wilhelm Friedrichs para Charles W. Nibley, 15 de dezembro de 1924; 15 de abril de 1925; Wilhelm Friedrichs para Sylvester Q. Cannon, 29 de junho de 1925, Correspondência da Missão Argentina, Biblioteca de História da Igreja.

  6. Sylvester Q. Cannon para Wilhelm Friedrichs, 24 de junho de 1925, Correspondência da Missão Argentina, Biblioteca de História da Igreja.  

  7. Wilhelm Friedrichs para Sylvester Q. Cannon, 29 de junho de 1925, Correspondência da Missão Argentina, Biblioteca de História da Igreja.

  8. Schrag, Not Fit for Our Society, pp. 70, 123, 144–145; Pegram, “Ku Klux Klan, Labor, and the White Working Class during the 1920s”, pp. 373–396; Smith, Managing White Supremacy, pp. 73–75; Jackson, Ku Klux Klan in the City, pp. 5–23; Higham, Strangers in the Land, pp. 285–299.

  9. Grant, Diário, 6 de fevereiro de 1923; Seferovich, “History of the LDS Southern States Mission”, pp. 122–124; Mason, Mormon Menace, pp. 145–147, 159–160; Charles A. Callis para a Primeira Presidência, 31 de janeiro de 1924; Primeira Presidência para Charles A. Callis, 5 de fevereiro de 1924, Arquivos Missionários da Primeira Presidência, Biblioteca de História da Igreja; ver também Helamã 2:12–13; 6:16–32.

  10. Gerlach, Blazing Crosses in Zion, pp. 1–16; Bornstein, Colors of Zion, pp. 34–39; Thomas, Plessy v. Ferguson, pp. 3–4, 29–31; Jackson, “Race and History in Early American Film”, pp. 27–51; Primeira Presidência para Joseph W. McMurrin, 23 de novembro de 1920, Arquivos Missionários da Primeira Presidência, Biblioteca de História da Igreja. Tópico: Segregação racial.

  11. Marie Graves para Heber J. Grant, 10 de novembro de 1920, Arquivos Missionários da Primeira Presidência, Biblioteca de História da Igreja.

  12. Doutrina e Convênios 58:64; Marcos 16:15; Santos, vol. 1, capítulo 46; vol. 2, capítulos 13, 3132; Primeira Presidência para Joseph W. McMurrin, 23 de novembro de 1920, Arquivos Missionários da Primeira Presidência, Biblioteca de História da Igreja.

  13. David O. McKay para Stephen L. Richards e J. Reuben Clark Jr., 19 de janeiro de 1954, Álbum de Recortes de David O. McKay, Biblioteca de História da Igreja.

  14. Bush, “Mormonism’s Negro Doctrine”, pp. 37–38; “Ritchie, Nelson Holder”, Entrada biográfica, site Century of Black Mormons, exhibits.lib.utah.edu; Registros do Templo de Salt Lake, Selamentos de Pessoas Vivas Previamente Casadas, Livro A, 1893–1902, microfilme 186.213; Registros do Templo de Salt Lake, Selamentos de Pessoas Vivas, Livro A, 1893–1905, microfilme 186.206, Coleções Especiais, Biblioteca de História da Família; Nelson H. Ritchie e Annie C. Ritchie, Ala Sugar House, Estaca Granite, nºs 483 e 484, em Ala Sugar House, Parte 1, Coleção de registros de membros, Biblioteca de História da Igreja; Whitaker, Diário, 10 de dezembro de 1909. Tópico: O sacerdócio e a restrição ao templo.

  15. Gerlach, Blazing Crosses in Zion, pp. 23–53, 55–101, 104–105; Grant, Diário, 6 de março de 1924.

  16. Grant, Diário, 4 de abril de 1925.

  17. Passing Events”, Improvement Era, agosto de 1925, vol. 28, p. 1013; “William Jennings Bryan”, Improvement Era, setembro de 1925, vol. 28, pp. 1092–1093.

  18. Larson, Summer for the Gods, pp. 31–59, 112, 116–121, 155, 168, 263; Marsden, Fundamentalism and American Culture, pp. 175–177, 184–185; Numbers, Creationists, pp. 51–68. Tópico: Evolução orgânica.

  19. Grant, Diário, 11 de abril de 1924; Heber J. Grant para Charles W. Lovett, 25 de agosto de 1919, Cópias encadernadas de correspondências, vol. 54, p. 994; Heber J. Grant para Henry W. Beyers, 28 de junho de 1933, Coleção Heber J. Grant, Biblioteca de História da Igreja; Heber J. Grant para Fred W. Shibley, 21 de janeiro de 1930, Cópias encadernadas de correspondências, vol. 67, p. 646, coleção Heber J. Grant, Biblioteca de História da Igreja.

  20. Grant, Diário, 11 de abril de 1924; 3 Néfi 9:1; Heber J. Grant para George T. Odell, 17 de março de 1925, Cópias encadernadas de correspondências, vol. 63, p. 8; Heber J. Grant para Eva G. Moss, 26 de novembro de 1925, Cópias encadernadas de correspondências, vol. 63, p. 612, Coleção Heber J. Grant, Biblioteca de História da Igreja; Heber J. Grant para Earl Foote, 27 de novembro de 1925, Cópias encadernadas de correspondências da Primeira Presidência, vol. 65.

  21. Grant, Diário, 18 de junho de 1925.

  22. The Origin of Man”, Improvement Era, novembro de 1909, vol. 13, pp. 75–81; “‘Mormon’ View of Evolution”, Deseret News, 18 de julho de 1925, seções 3, 5.

  23. Larson, Summer for the Gods, pp. 191–192.

  24. Heber J. Grant para Tenney McFate, 5 de agosto de 1925, Cópias encadernadas de correspondências da Primeira Presidência, vol. 65; Heber J. Grant para Martha Geddes, 23 de setembro de 1925, Correspondência mista da Primeira Presidência, Biblioteca de História da Igreja; Heber J. Grant para Arne Arnesen, 15 de agosto de 1925, Cópias encadernadas de correspondências da Primeira Presidência, vol. 65; ver também Mateus 7:16–20. Tópico: Evolução orgânica.

  25. Testemunho de Len R. Hope e Mary Hope, pp. 1–[2]; “Hope, Len”, Entrada biográfica, site Century of Black Mormons, exhibits.lib.utah.edu.

  26. Testemunho de Len R. Hope e Mary Hope, pp. 1–[2]; “Hope, Len”, Entrada biográfica, site Century of Black Mormons, exhibits.lib.utah.edu; artigo sobre Len Hope, Registro genealógico, Conferência do Alabama, Missão dos Estados do Sul, p. 70, em Alabama (Estado), parte 1, segmento 1, Coleção de registros de membros, Biblioteca de História da Igreja; artigo sobre John Matthew Tolbert, Registro genealógico, Conferência do Alabama, Missão dos Estados do Sul, p. 149, em Alabama (Estado), parte 1, segmento 1, Coleção de registros de membros, Biblioteca de História da Igreja.

  27. Testemunho de Len R. Hope e Mary Hope, p. [2]; DuRocher, “Violent Masculinity”, pp. 49–60.

  28. Testemunho de Len R. Hope e Mary Hope, p. [2]; Stephenson, “Short Biography of Len, Sr. and Mary Hope”, p. [9]; Flynt, Alabama in the Twentieth Century, pp. 227–228, 317–331, 446–449; Feldman, Sense of Place, pp. 12–15, 26–28, 73–76. Tópico: Segregação racial.

  29. Testemunho de Len R. Hope e Mary Hope, pp. 1–[2]; “Hope, Len”, Entrada biográfica, site Century of Black Mormons, exhibits.lib.utah.edu.  

  30. Testemunho de Len R. Hope e Mary Hope, pp. 1–[2]; “Hope, Len”, Entrada biográfica, site Century of Black Mormons, exhibits.lib.utah.edu; Joseph Hancock para Gloria Gunn, 31 de dezembro de 1949, Cartas missionárias e autobiografia de Joseph P. Hancock, Biblioteca de História da Igreja.

  31. Joseph Hancock para Gloria Gunn, 31 de dezembro de 1949, Cartas missionárias e autobiografia de Joseph P. Hancock, Biblioteca de História da Igreja; Testemunho de Len R. Hope e Mary Hope, pp. [2], [3]; “Hope, Len” e “Hope, Mary Lee Pugh”, Entradas Biográficas, site Century of Black Mormons, exhibits.lib.utah.edu; Stephenson, “Short Biography of Len, Sr. and Mary Hope”, p. [9].

  32. Testemunho de Len R. Hope e Mary Hope, p. [3].  

  33. Rey L. Pratt, Diário, 6 de dezembro de 1925; Melvin J. Ballard para a Primeira Presidência, 26 de janeiro de 1926, Arquivos missionários da Primeira Presidência, Biblioteca de História da Igreja; Melvin J. Ballard, em Ninety-Seventh Semi-annual Conference, p. 35; Wilhelm Friedrichs para Sylvester Q. Cannon, 29 de junho de 1925, Correspondência da Missão Argentina, Biblioteca de História da Igreja.

  34. Melvin J. Ballard para a Primeira Presidência, 26 de janeiro de 1926, Arquivos missionários da Primeira Presidência, Biblioteca de História da Igreja; Melvin J. Ballard, em Ninety-Seventh Semi-annual Conference, p. 35.

  35. Melvin J. Ballard para a Primeira Presidência, 15 de dezembro de 1925, Arquivos missionários da Primeira Presidência, Biblioteca de História da Igreja; Rey L. Pratt, Diário, 10 de dezembro de 1925; Índice da Missão Sul-Americana, em Missão Sul-Americana, História Manuscrita, pp. [1]–7; Missão Sul-Americana, História Manuscrita, 13 de dezembro de 1925, p. [17].

  36. “Dedicatorial Prayer, Dedicating the Lands of South America to the Preaching of the Gospel”, Arquivos missionários da Primeira Presidência, Biblioteca de História da Igreja; Melvin J. Ballard, “Prayer Dedicating the Lands of South America to the Preaching of the Gospel”, Improvement Era, abril de 1926, vol. 29, pp. 575–577.

  37. Melvin J. Ballard para a Primeira Presidência, 15 de dezembro de 1925; 15 de março de 1926, Arquivos missionários da Primeira Presidência, Biblioteca de História da Igreja; Melvin J. Ballard, em Ninety-Seventh Semi-annual Conference, pp. 35–36; “The Missions: The Sunday School in South America”, Instructor, dezembro de 1939, vol. 74, p. 539; “Elder Ballard Dedicated South American Nations”, Missão Sul-Americana, História Manuscrita, p. [19].

  38. Melvin J. Ballard, em Ninety-Seventh Semi-annual Conference, pp. 34–36; Rey L. Pratt, Diário, 1º–2, 3 e 14 de janeiro de 1926; Rey L. Pratt para a família, 8 de fevereiro de 1926, Documentos de Rey L. Pratt, Biblioteca de História da Igreja.

  39. Rey L. Pratt para a família, 14 de fevereiro de 1926, Documentos de Rey L. Pratt, Biblioteca de História da Igreja; “The Missions: The Sunday School in South America”, Instructor, dezembro de 1939, vol. 74, p. 539; Melvin J. Ballard para a Primeira Presidência, 22 de março de 1926, Arquivos missionários da Primeira Presidência, Biblioteca de História da Igreja.

  40. Melvin J. Ballard, em Ninety-Seventh Semi-annual Conference, p. 36; Melvin J. Ballard para a Primeira Presidência, 1º de março de 1926, Arquivos missionários da Primeira Presidência, Biblioteca de História da Igreja.

  41. Primeira Presidência para Melvin J. Ballard, 23 de março de 1926; Melvin J. Ballard para a Primeira Presidência, 22 de março de 1926; 16 de junho de 1926, Arquivos missionários da Primeira Presidência, Biblioteca de História da Igreja; Curbelo, History of the Mormons in Argentina, pp. 38–39; Williams e Williams, From Acorn to Oak Tree, p. 29; Melvin J. Ballard, em Ninety-Seventh Semi-annual Conference, p. 37.

  42. Sharp, Entrevista de história oral, p. 10; ver também Sharp, Autobiografia, p. 48; e Sharp, Diário, 4 de julho de 1926, e cartão de índice inserido no diário. Tópico: Argentina.