História da Igreja
25 Sem tempo a perder


Capítulo 25

Sem tempo a perder

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missionárias usando colares de flores

Na noite de 11 de março de 1938, Hermine Cziep reuniu seus três filhos em torno do rádio em seu pequeno apartamento de um cômodo nos arredores de Viena, Áustria. Kurt Schuschnigg, o chanceler austríaco, estava transmitindo um discurso à nação. As tropas alemãs haviam se concentrado ao longo da fronteira entre os dois países. A menos que o governo austríaco concordasse em aceitar o Anschluss — a união da Alemanha e da Áustria sob o domínio nazista —, o exército alemão tomaria o país à força. O chanceler não teve escolha a não ser renunciar e pedir à nação que se submetesse à invasão alemã.

“E assim me despeço do povo austríaco”, declarou. “Que Deus proteja a Áustria!”

Hermine começou a chorar. “Não somos mais a Áustria agora”, disse ela aos filhos. “Esta é a obra de Satanás. A força gera força, e o que os nazistas estão fazendo não é bom.”1

Nos dois dias seguintes, poucas pessoas resistiram abertamente ao exército de Adolf Hitler enquanto os alemães entraram no país e assumiram o controle da força policial. Hitler nasceu na Áustria, e muitos austríacos apoiavam seu desejo de unir todos os povos de língua alemã em um poderoso novo império chamado “Terceiro Reich” mesmo que isso significasse abrir mão da independência nacional.2

Assim como Hermine, seu marido, Alois, também desconfiava dos nazistas. Ele era o presidente do Ramo Viena havia mais de quatro anos, e Hermine servia com ele como presidente da Sociedade de Socorro. O ramo era pequeno, com cerca de 80 membros, e alguns deles eram partidários ferrenhos de Hitler e do Anschluss. Outros membros do ramo, especialmente aqueles com herança judaica, viam a ascensão de Hitler ao poder com medo e apreensão. Mas os santos de Viena ainda eram uma família, e o casal Cziep não queria que os nazistas os dividissem.3

Quando Hermine e Alois se filiaram à Igreja como jovens adultos, isso criou uma cisão entre eles e seus pais. O pai de Alois, um católico devoto, havia efetivamente renegado seu filho, dizendo-lhe em uma carta que ele deveria renunciar à sua associação com os santos dos últimos dias. “Se você decidir não dar ouvidos às minhas palavras”, escreveu o pai, “não vou mais falar com você nesta vida, e o que você escrever para mim acabará queimando no fogo”. Seu pai já havia morrido e, embora Alois agora tivesse um bom relacionamento com seus irmãos, ele conhecia a dor de uma família fragmentada.4

Outros santos de Viena sofreram rejeição semelhante, e muitos casais mais jovens do ramo consideravam o casal Cziep como seus pais. Visto que Hermine normalmente não tinha dinheiro para andar de bonde, ela caminhava pela cidade várias vezes por semana para visitar as mulheres do ramo. Quando alguém do ramo tinha um filho, Hermine levava comida para a família, ajudava na limpeza e cuidava dos filhos mais velhos. Alois, por sua vez, muitas vezes saía em sua bicicleta para cuidar dos assuntos do ramo, depois de sair do trabalho às 7 horas da noite.5

Três dias após o discurso do chanceler Schuschnigg, faixas nazistas vermelhas e brancas, com suásticas pretas, estavam alinhadas pelas ruas de Viena. Como Alois trabalhava para uma grande empresa alemã, ele e seus colegas de trabalho foram obrigados a deixar a loja para formar uma “guarda de honra” enquanto Hitler e suas tropas desfilavam pela cidade. Enquanto estava no meio da multidão, Alois mal conseguiu ver o conversível cinza de Hitler passando pela rua, cercado por carros de polícia e soldados armados em uniformes impecáveis. Ao redor de Alois, o povo aplaudia, erguendo o braço direito na saudação nazista.

No dia seguinte, Alois se juntou a milhares de concidadãos que lotavam a Heldenplatz, ou “Praça do Herói”, nos arredores do Palácio Hofburg de Viena. Hitler caminhou até a sacada do palácio e declarou: “Posso anunciar perante a história a entrada de minha terra natal no Reich alemão”.6

À medida que a multidão aumentava, gritos de “Heil Hitler!” enchiam a praça. Alois percebeu que estava testemunhando um momento crucial na história. Ainda não estava claro como esses eventos afetariam os santos em Viena.7


Do outro lado do mundo, Chiye Terazawa, de 23 anos, estava desanimada. Há quase um mês, ela servia como missionária de língua japonesa em Honolulu, Havaí. Embora seus pais fossem do Japão, ela tinha nascido e crescido nos Estados Unidos e não falava japonês. Na verdade, ao estudar o idioma com outros missionários, muitas vezes ela se sentia frustrada por não aprender mais rapidamente. Quase todos os dias eram uma luta, e ela implorava a Deus que soltasse sua língua.8

Quase três anos haviam se passado desde que o presidente Heber J. Grant se sentira inspirado a abrir uma missão entre a numerosa população japonesa no Havaí. Enquanto ele e seus conselheiros estavam ansiosos para retomar o trabalho missionário entre as pessoas que falavam japonês, um ex-presidente de missão no Japão desaconselhava a empreitada. Ele acreditava que havia muitas barreiras culturais no caminho para o sucesso.

Ainda assim, o presidente Grant seguiu adiante com o plano, convencido de que uma missão de língua japonesa no Havaí poderia estabelecer ramos fortes de pessoas que falavam japonês, as quais poderiam depois compartilhar o evangelho com amigos e familiares no Japão.9 Em novembro de 1936, ele chamou Hilton Robertson, que também fora presidente de missão no Japão, para abrir a missão. O presidente Robertson e sua esposa, Hazel, mudaram-se para Honolulu, e logo três élderes dos Estados Unidos se juntaram a eles.10 Chiye chegou depois, no início de fevereiro de 1938.

Apesar de suas dificuldades com o idioma, Chiye era uma missionária animada. Ela era a primeira missionária nipo-americana de tempo integral a servir na Igreja, e o evangelho era uma parte preciosa de sua vida. Seus pais não eram membros da Igreja, mas haviam vivido por muitos anos entre os santos no sudeste de Idaho. Antes de morrer em consequência da pandemia de gripe de 1918, a mãe dela pedira ao marido que deixasse Chiye e seus cinco irmãos frequentarem as reuniões da Igreja.

“Você não pode criá-los sozinho”, disse a mãe de Chiye a ele. “A Igreja será a mãe deles, assim você poderá ser o pai.”11

E a Igreja desempenhou sua parte muito bem, tanto em Idaho quanto na Califórnia, depois que a família se mudou para lá. Antes de Chiye partir para a missão, os santos da estaca organizaram uma festa de despedida com mensagens pelos líderes locais e apresentações de sapateado, quarteto de cordas e um baile com orquestra ao vivo.12

Como era a única missionária solteira na missão, Chiye geralmente trabalhava com a síster Robertson. Elas com frequência ensinavam pessoas que falavam inglês, pois não falavam muito bem o japonês. O presidente Robertson também chamou Chiye para organizar a Associação de Melhoramentos Mútuos das Moças e servir como presidente dessa organização. A designação era assustadora, mas ela recebeu alguns conselhos sobre como organizar a AMM quando Helen Williams, primeira conselheira na presidência geral da AMMJD, visitou as ilhas.

Chiye escolheu suas conselheiras e decidiu quem seriam as líderes das abelhinhas e das ceifeiras. Ela também trabalhou com Marion Lee, o élder designado para liderar os rapazes, ao planejarem a primeira reunião da AMM da missão.13 Embora a organização fosse voltada para os jovens da Igreja, as reuniões da AMM eram abertas para pessoas de todas as idades. Seria uma noite de canções tradicionais japonesas, danças e histórias contadas pelos santos locais e amigos do ramo. Marion falaria sobre o propósito e objetivo da AMM, e Chiye falaria sobre a história do programa AMMJD.

A reunião ficou marcada para o dia 22 de março. Chiye estava apreensiva, pois temia que ninguém aparecesse. Marion temia que o programa que eles haviam planejado fosse muito curto. Seu companheiro disse que não havia nada com que se preocupar. “O Senhor vai prover”, prometera ele.

Quando chegou a hora de dar início à reunião, algumas pessoas ainda não tinham chegado, mas Chiye e Marion decidiram começar assim mesmo. Os missionários iniciaram com um hino e uma oração. Então, Kay Ikegami, o superintendente da Escola Dominical, chegou com a família. Pouco depois, outra família chegou. No final da reunião, mais de 40 pessoas estavam reunidas, inclusive todas as líderes que trabalhavam com Chiye na AMM. Um homem cantou três canções, preenchendo a programação e aliviando o temor de que a reunião seria muito curta.

Chiye e Marion ficaram aliviados. A AMM da missão teve um início promissor. “Deus abriu o caminho”, escreveu Chiye em seu diário. “Só espero que possamos fazer com que seja um sucesso.”14


Naquele verão, J. Reuben Clark, da Primeira Presidência, preparou-se para falar em uma reunião anual de professores dos seminários, institutos e faculdades de religião da Igreja.

O presidente Clark, anteriormente advogado e diplomata, era um forte apoiador da educação. Como muitos religiosos de sua geração, ele se preocupava com as tendências seculares que estavam substituindo as crenças religiosas nas salas de aula. Estava especialmente incomodado com os estudiosos da Bíblia que se apegavam mais aos ensinamentos morais de Jesus do que a Seus milagres, Sua Expiação e Sua Ressurreição. Ao longo de sua vida adulta, ele viu amigos, colegas de trabalho e até mesmo outros santos dos últimos dias ficarem tão absorvidos nas ideias seculares que acabaram por abandonar a fé.15

O presidente Clark não queria que isso também acontecesse com a nova geração de santos. As três faculdades, os 13 institutos e os 98 seminários da Igreja haviam sido fundados para “formar santos dos últimos dias”. Ainda assim, ele se preocupava com o fato de alguns professores dessas escolas perderem oportunidades de nutrir a fé no evangelho restaurado de Jesus Cristo quando se abstinham de prestar testemunho, supondo que isso influenciaria a busca da verdade por seus alunos. Ele acreditava que os jovens da Igreja precisavam de uma educação religiosa alicerçada nos eventos fundamentais e na doutrina da Restauração.16

Na manhã de 8 de agosto de 1938, o presidente Clark se reuniu com os professores em Aspen Grove, um lindo local de reuniões em um desfiladeiro que fica localizado nas montanhas perto de Provo, Utah. Ao se levantar para falar, uma tempestade varreu a área, atingindo o alojamento onde ele e os professores estavam reunidos. Sem se abalar, ele disse ao público que pretendia falar francamente em nome dos outros membros da Primeira Presidência.

“Temos de dizer o que queremos claramente”, disse ele, “porque o futuro de nossos jovens, aqui na Terra e na vida futura, bem como o bem-estar de toda a Igreja estão em jogo”.

Ele identificou a doutrina fundamental do evangelho restaurado. “Há para a Igreja, e para todos os seus membros, duas coisas primordiais que não podem passar desapercebidas, ser esquecidas, obscurecidas ou eliminadas”, ele disse. “A primeira é que Jesus Cristo é o Filho de Deus, o Unigênito do Pai na carne.”

“A segunda”, continuou, “é que o Pai e o Filho de fato e verdadeiramente apareceram ao profeta Joseph em uma visão no bosque.

Sem essas duas grandes crenças,” ele declarou, “a Igreja deixaria de ser a Igreja”.17

Ele então falou sobre a importância de ensinar esses princípios aos alunos. “Os jovens da Igreja estão famintos pelas coisas do Espírito”, disse ele. “Eles querem adquirir o testemunho de que essas coisas são verdadeiras.”18

Ele acreditava que um testemunho pessoal do evangelho deveria ser o primeiro requisito para ensinar o evangelho. “Nem todo o aprendizado, o estudo e a quantidade de diplomas alcançados podem substituir esse testemunho”, ele disse. Além disso, ele declarou: “Vocês não precisam chegar de mansinho nesses jovens espiritualmente experientes e sussurrar religião aos seus ouvidos. Podem ser diretos e falar com eles cara a cara. Não precisam disfarçar as verdades religiosas sob o manto das coisas mundanas”.

Enquanto a chuva batia contra as janelas do alojamento, o presidente Clark exortou os professores a ajudar a Primeira Presidência a melhorar a educação religiosa na Igreja.

“Vocês, professores, têm uma grande missão”, testificou. “Seu principal interesse, seu dever essencial e quase que exclusivo é ensinar o evangelho do Senhor Jesus Cristo como revelado na época atual.”19

Depois do discurso, alguns professores se opuseram ao curso que a Primeira Presidência havia traçado para a educação na Igreja, acreditando que isso restringia a liberdade deles de ensinar como achavam melhor. Outros aceitaram de bom grado a ênfase em ensinar verdades fundamentais e prestar testemunho pessoal. “Estou ansioso para levar avante o trabalho”, disse o comissário de educação da Igreja, Franklin West, ao presidente Clark. “Prometo que você verá uma melhora acentuada e rápida.”20

Poucos meses depois, o programa do seminário apresentou uma nova classe para seus alunos: “As doutrinas da Igreja”.21


Em fevereiro de 1939, Chiye Terazawa soube que seu presidente de missão estava planejando transferir duas missionárias para outra área do Havaí. A notícia a deixou assustada. Com a AMMJD indo tão bem em Honolulu, ela não queria ir embora. Quem seria transferida, ela se perguntou, e para onde elas iriam?22

A missão agora tinha quatro missionárias, todas morando e trabalhando juntas em Honolulu. O presidente Robertson, porém, tinha organizado recentemente ramos de santos japoneses em Maui, Kauai e na Ilha Grande do Havaí. As sísteres que ele selecionou para a transferência seriam responsáveis por trabalhar com os élderes para estabelecer um desses ramos desde os estágios iniciais.23

Em 3 de março de 1939, o presidente Robertson chamou Chiye e sua companheira, Inez Beckstead, ao escritório. Ele disse que elas estavam sendo transferidas para Hilo, uma cidade na Ilha Grande. Chiye sentiu muitas emoções ao mesmo tempo e não conseguiu conter as lágrimas. Ela estava feliz e aliviada porque não precisava mais ficar preocupada se seria ou não transferida. Mas sentiria falta de trabalhar tão próxima ao casal Robertson e aos santos japoneses em Oahu.

Alguns dias depois, Chiye e Inez se despediram de uma multidão de missionários e santos japoneses no porto de Honolulu. Várias mulheres cobriram as duas companheiras com colares de flores. Kay Ikegami deu a elas um pouco de dinheiro para a viagem. O pioneiro japonês Tomizo Katsunuma as presenteou com selos postais.24

Uma pessoa que não estava nas docas era Tsune Nachie, a tão amada oficiante do templo, que era do Japão, e que morrera alguns meses antes. Aquela idosa era conhecida amplamente como a “mãe da missão” e havia se tornado uma querida amiga e mentora de Chiye no ano anterior. Na verdade, pouco após a morte da irmã Nachie, o presidente e a síster Robertson pediram a Chiye que os ajudasse a preparar o corpo dela para o enterro. A irmã Nachie teria adorado saber que as duas missionárias estavam indo para Hilo. Muitos anos antes, ela mesma servira missão local naquele lugar.25

Chiye e Inez chegaram a Hilo na manhã de 8 de março, um pouco enjoadas, mas prontas para o trabalho. Hilo era muito menor do que Honolulu. Chiye e Inez não encontraram hotéis nem restaurantes na cidade, apenas um bar à beira-mar. O Ramo Hilo tinha cerca de cinco meses, e aproximadamente 35 pessoas frequentavam as reuniões de domingo, sendo que a maioria estava conhecendo a Igreja. Os élderes já haviam organizado a Escola Dominical e a AMM para os rapazes, mas não havia ainda a AMM para as moças nem a Primária. Chiye aceitou liderar as moças, e Inez serviria como presidente da Primária.26

As duas missionárias se mudaram para o porão de uma pensão para mulheres e encontraram muitas oportunidades de melhorar seu japonês. Uma das primeiras coisas que fizeram foi perguntar aos diretores e professores de uma escola japonesa para crianças se elas poderiam conversar com os alunos sobre a Primária. Na época, as missionárias usavam a Primária como uma maneira de apresentar a Igreja para as crianças e sua família. Como as atividades eram divertidas e promoviam os simples valores cristãos, elas atraíam crianças de muitas religiões. Chiye e Inez passaram uma boa imagem para a escola e, pouco tempo depois, muitas crianças estavam frequentando a Primária nas tardes de quarta-feira.27

Naquela primavera, as missionárias decidiram preparar uma apresentação das crianças chamada Corações Felizes, um musical que a junta geral da Primária tinha aprovado para os festivais da Primária em toda a Igreja. Na peça, o rei e a rainha de um reino imaginário ensinavam às crianças por que coisas desagradáveis como a chuva, comer vegetais e dormir cedo eram, na verdade, boas para elas.28

Quando Chiye e Inez não estavam batendo portas, estudando ou se reunindo com os pesquisadores, muitas vezes podiam ser encontradas ensaiando as músicas, costurando as fantasias, montando os adereços ou pedindo aos pais que enviassem seus filhos para ensaiar a peça. Os santos de Hilo e os élderes também ajudavam, buscando as crianças que faltavam, produzindo os cenários e ajudando nos ensaios.29

Nove dias antes da apresentação, o ensaio foi um desastre. “Que bagunça”, escreveu Chiye no diário. “Mas realmente acredito que vai dar certo. Pelo menos, tenho esperança.”30

Os ensaios posteriores foram melhores e, à medida que o dia da apresentação se aproximava, tudo começou a se encaixar. As missionárias anunciaram o festival no jornal e terminaram de costurar e consertar as fantasias. Tamotsu Aoki, um empresário local que estava conhecendo a Igreja com a família, concordou em ser o mestre de cerimônias.31

Na manhã da apresentação, Chiye acordou cedo e ajudou a colher flores, samambaias e outras plantas para decorar o palco da capela. Depois, enquanto os santos e os élderes colocavam as cadeiras e arrumavam o cenário, ela se apressou a fim de vestir e maquiar as crianças para que ficassem prontas na hora certa.

Às 19 horas, cerca de 500 pessoas estavam reunidas para assistir à apresentação. Para o alívio de Chiye, as crianças se apresentaram muito bem. Ela e Inez ficaram emocionadas com o fato de tantas pessoas terem ido à capela para apoiar a Primária.32 No final do musical, todos ouviram o jovem elenco cantando em uníssono:

Onde é o Reino dos Corações Felizes?

Aqui e em qualquer lugar!

Existem estradas largas e brilhantes a seguir,

Mas uma pequena trilha pode lhe levar

Aonde você quer chegar.33


No verão de 1939, Emmy Cziep, de 11 anos; e os irmãos, Mimi, de 15 anos; e Josef, de 12 anos; estavam passando as férias na Checoslováquia, um país ao norte de seu lar em Viena, Áustria.

As crianças e seus pais, Alois e Hermine, visitavam os familiares que lá moravam há muitos verões, desde a morte do pai de Alois. Eles ficavam com dois dos irmãos de Alois, Heinrich e Leopold, e sua família na Morávia, uma região na parte central do país.34

Assim como a Áustria, a Checoslováquia era um território ocupado pelos nazistas. Pouco depois do Anschluss, o exército de Hitler havia tomado a Sudetenland, uma região de fronteira da Checoslováquia, lar de um grande número de alemães étnicos. Embora muitos checoslovacos quisessem defender seu país, os líderes da Itália, França e Grã-Bretanha esperavam evitar outra guerra em grande escala na Europa e concordaram com a anexação. Em troca, Hitler prometeu se abster de quaisquer novas invasões. Em poucos meses, porém, ele quebrou o acordo e tomou o resto do país.35

Para Emmy, o conflito parecia distante. Ela adorava ficar com seus familiares próximos. Gostava de brincar de polícia e ladrão com os primos e nadar com eles em um riacho próximo. Quando os pais dela tiveram que voltar para a Áustria no meio do verão, ela e os irmãos ficaram mais algumas semanas na Checoslováquia.

Em 31 de agosto de 1939, as crianças da família Cziep tinham acabado de se sentar para o almoço quando o tio Heinrich entrou na sala com o rosto vermelho. “Vocês precisam ir agora!”, ele exclamou. “Sem tempo a perder!”

Emmy ficou confusa e assustada. O tio disse-lhes que Hitler parecia estar tramando algo. Ordens tinham sido emitidas para fechar as fronteiras, e o trem que passava às 13 horas por sua cidade poderia ser a última chance deles de voltar a Viena. Pegar o trem parecia ser impossível, disse ele, mas as crianças tinham que tentar se quisessem voltar para a casa dos pais.

Mais cedo naquela manhã, Emmy e os irmãos tinham colocado todas as suas roupas para lavar em um balde de água com sabão. A tia e o tio os ajudaram a torcer as roupas antes de jogá-las, ainda molhadas, em uma mala. Em seguida, correram para a estação de trem a pé.

A estação estava lotada de pessoas frenéticas, todas se acotovelando para sair do país. Emmy e seus irmãos se amontoaram no trem e imediatamente se viram cercados por uma grande quantidade de passageiros suados. Emmy quase não conseguia respirar. Quando o trem parava nas aldeias ao longo do trajeto, as pessoas se agarravam às janelas do trem, gritando e tentando entrar, mas não havia espaço para elas.36

Já estava escuro quando o trem finalmente chegou em Viena. Entre lágrimas, a família Cziep se regozijou por estarem juntos novamente.

Em vez de voltarem para o minúsculo apartamento onde Emmy havia passado toda a sua vida, eles foram para um novo apartamento na Taborstrasse, uma bela rua no centro da cidade. Durante anos, Alois e Hermine queriam encontrar uma casa melhor para sua família em crescimento, mas sua baixa renda, a falta de moradia e o controle político sobre a distribuição de apartamentos tornavam isso impossível. Mas, depois do Anschluss, a economia melhorou e os negócios quintuplicaram na empresa onde Alois trabalhava.

Com a ajuda de um membro da Igreja que trabalhava para um oficial nazista, Alois e Hermine se inscreveram para um novo apartamento e receberam um com três quartos, cozinha, banheiro e sala de estar. Também ficava muito mais perto da capela do ramo — uma caminhada de 45 minutos, em vez das duas horas a que estavam acostumados.37

Infelizmente, a sorte veio às custas dos judeus, que antes eram os principais ocupantes da Taborstrasse. Não muito depois do Anschluss, os nazistas e seus seguidores vandalizaram empresas judaicas, incendiaram sinagogas e prenderam e deportaram milhares de cidadãos judeus. Muitos judeus com dinheiro para fugir do país abandonaram suas casas, deixando apartamentos abertos para serem ocupados por famílias, como os Cziep.38 Outros judeus permaneceram na cidade, incluindo alguns santos com herança judaica do Ramo Viena. Mas eles estavam ficando cada vez mais temerosos por sua vida.39

Em 1º de setembro, Emmy e sua família passaram a primeira noite juntos em seu novo apartamento. Enquanto dormiam, um milhão e meio de soldados alemães invadiram a Polônia.40

  1. Collette, Collette Family History, p. 148; Hatch, Cziep Family History, pp. 51, 54; Luza, Resistance in Austria, pp. 6–7; Wright, “Legality of the Annexation”, pp. 631–632; Suppan, National Conflicts, pp. 367–368.     Tópico: Áustria.

  2. Suppan, National Conflicts, p. 368; Luza, Resistance in Austria, pp. 13–15; Cziep e Cziep, entrevista, p. 42.

  3. Hatch, Cziep Family History, pp. 64, 77, 81, 200; Missão Alemanha-Áustria, História manuscrita e relatórios históricos, vol. 2, 5 de novembro de 1933; Cziep e Cziep, entrevista, pp. 21–22, 34; Collette, Collette Family History, pp. 170–172.

  4. Collette, Collette Family History, pp. 154, 157; Hatch, Cziep Family History, pp. 45, 47, 62.

  5. Cziep e Cziep, entrevista, pp. 20, 34; Hatch, Cziep Family History, pp. 78, 203.

  6. Bukey, Hitler’s Austria, pp. 28–31; Suppan, National Conflicts, p. 368; Overy, Third Reich, pp. 172–175; Cziep e Cziep, entrevista, p. 40; Hatch, Cziep Family History, pp. 64–70.

  7. Cziep e Cziep, entrevista, p. 40; Hatch, Cziep Family History, p. 81.

  8. Anotação de Chiye Terazawa, Ala Pasadena, nº 477, em Ala Pasadena, coleção de registros de membros, Biblioteca de História da Igreja; Terazawa, diário da missão, 7, 10, 17 e 24 de fevereiro de 1938; David Kawai para Nadine Kawai, 1º de abril de 2013, Biblioteca de História da Igreja.

  9. J. Reuben Clark, “The Outpost in Mid-Pacific”, Improvement Era, setembro de 1935, vol. 38, p. 533; Britsch, “Closing of the Early Japan Mission”, p. 276; Alma O. Taylor para a Primeira Presidência, 21 de março de 1936, Arquivos da missão da Primeira Presidência, Biblioteca de História da Igreja.

  10. Britsch, “Closing of the Early Japan Mission”, p. 263; David O. McKay para Hilton A. Robertson, 27 de novembro de 1936; Hilton A. Robertson, relatório anual da Missão Japonesa, 1937, arquivos da missão da Primeira Presidência, Biblioteca de História da Igreja.

  11. Terazawa, diário da missão, 13 e 16 de janeiro de 1938; 7 de fevereiro de 1938; John A. Widtsoe, “The Japanese Mission in Action”, Improvement Era, fevereiro de 1939, vol. 42, p. 89; David Kawai para Nadine Kawai, 1º de abril de 2013, Biblioteca de História da Igreja.

  12. “Japanese Church Worker Bid Adieu”, Pasadena (CA) Post, 10 de dezembro de 1937, p. 3.

  13. Terazawa, diário da missão, 7 de fevereiro–10 de março de 1938; Robertson, diário, 8 de fevereiro de 1938; Marion L. Lee, diário da missão, 8 de março de 1938.

  14. Terazawa, diário da missão, 22 de março de 1938; Marion L. Lee, diário da missão, 22 de março de 1938.  

  15. Esplin, “Charting the Course”, pp. 104–105; “A Pertinent Message to Youth”, Historical Department, Journal History of the Church, 9 de junho de 1937, p. 5; “Preserve the Gospel in Simplicity and Purity”, Historical Department, Journal History of the Church, 13 de junho de 1937, p. 6; Quinn, Elder Statesman, p. 208. Tópico: Seminários e Institutos.

  16. By Study and Also by Faith, pp. 599–603; Junta Educacional da Igreja, atas, 3 de março de 1926; Merrill Van Wagoner para J. Reuben Clark, 22 de agosto de 1938; J. Reuben Clark para Merrill Van Wagoner, 22 de agosto de 1938, diversas correspondências da Primeira Presidência, Biblioteca de História da Igreja; “Preserve the Gospel in Simplicity and Purity”, Historical Department, Journal History of the Church, 13 de junho de 1937, p. 6; Quinn, Elder Statesman, p. 208; Esplin, “Charting the Course”, p. 105.

  17. Esplin, “Charting the Course”, p. 105; J. Reuben Clark, “The Charted Course of the Church in Education”, Improvement Era, setembro de 1938, vol. 41, pp. 520–521.

  18. J. Reuben Clark, “The Charted Course of the Church in Education”, Improvement Era, setembro de 1938, vol. 41, p. 521.

  19. J. Reuben Clark, “The Charted Course of the Church in Education”, Improvement Era, setembro de 1938, vol. 41, pp. 571–573.

  20. Esplin, “Charting the Course”, pp. 106–108.

  21. Junta Educacional da Igreja, atas, 2 de fevereiro de 1938; The Doctrines of the Church, Salt Lake City: A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, 1939.

  22. Terazawa, diário da missão, 23–24 de fevereiro e 28 de fevereiro–1º de março de 1939.

  23. Terazawa, diário da missão, 20 de julho de 1938 e 22 de fevereiro–7 de março de 1939; Hilton A. Robertson, relatório anual da Missão Japonesa, 1938, pp. 1–2; Hilton A. Robertson, relatório anual da Missão Japonesa, 1939; Hilton A. Robertson para a Primeira Presidência, 11 de janeiro de 1939, arquivos da missão da Primeira Presidência, Biblioteca de História da Igreja; Robertson, diário, 11 de janeiro de 1939; Walton, Mending Link, pp. 21–24.

  24. Terazawa, diário da missão, 3 e 7 de março de 1939; Beckstead, diário, 7 de março de 1939.

  25. Terazawa, diário da missão, 3–4 de dezembro de 1939; Missão Japonesa, Diário Missionário do Distrito Havaí, 18 de outubro de 1938; Parshall, “Tsune Ishida Nachie”, pp. 129–130; John A. Widtsoe, “The Japanese Mission in Action”, Improvement Era, fevereiro de 1939, vol. 42, p. 89.

  26. Terazawa, diário da missão, 8–9 de março de 1939; Beckstead, diário, 7 de março de 1939; Barrus, “The Joy of Being Inez B. Barrus”, p. 11; Missão Japonesa, Diário Missionário do Distrito Havaí, 8 de março de 1939; Hilton A. Robertson, relatório anual da Missão Japonesa, 1938, pp. 1–2; Hilton A. Robertson para a Primeira Presidência, 11 de janeiro de 1939, arquivos da missão da Primeira Presidência, Biblioteca de História da Igreja.

  27. Barrus, “The Joy of Being Inez B. Barrus”, pp. 11–12; Terazawa, diário da missão, 10, 22 e 29 de março de 1939; John A. Widtsoe para a Primeira Presidência, 7 de novembro de 1938; Hilton A. Robertson, relatório anual da Missão Japonesa, 1938, p. 1, arquivos da missão da Primeira Presidência, Biblioteca de História da Igreja; John A. Widtsoe, “The Japanese Mission in Action”, Improvement Era, fevereiro de 1939, vol. 42, p. 89; “News from the Missions”, Liahona, the Elders’ Journal, 1º de março de 1932, vol. 29, p. 450. Tópico: Primária.

  28. Beckstead, diário, 12 de abril de 1939; Missão Japonesa, Diário Missionário do Distrito Havaí, 15 de abril–20 de maio de 1939; Woolsey e Pettit, Happy Hearts, pp. 1, 4; “The Primary Page”, Children’s Friend, setembro de 1939, vol. 38, p. 405.

  29. Beckstead, diário, 12 de abril–20 de maio de 1939; Terazawa, diário da missão, 3–20 de maio de 1939; Missão Japonesa, Diário Missionário do Distrito Havaí, 15 de abril–20 de maio de 1939.

  30. Terazawa, diário da missão, 11 de maio de 1939.

  31. Terazawa, diário da missão, 17–19 de maio de 1939, “Entertainment Will Be Given”, Hilo (HI) Tribune Herald, 19 de maio de 1939, p. 2; Missão Japonesa, Diário missionário do Distrito Havaí, 18–20 de maio de 1939.

  32. Terazawa, diário da missão, 20 de maio de 1939; Beckstead, diário, 20 de maio de 1939; Missão Japonesa, Diário missionário do Distrito Havaí, 20 de maio de 1939.

  33. Woolsey e Pettit, Happy Hearts, p. 28.

  34. Collette, Collette Family History, pp. 157–159. Tópico: Checoslováquia.

  35. Overy, Third Reich, pp. 175–182, 187–188; Heimann, Checoslováquia, pp. 78–81.

  36. Collette, Collette Family History, pp. 157, 159–161.

  37. Collette, Collette Family History, pp. 161, 162–164; Hatch, Cziep Family History, pp. 54, 77–80.

  38. Botz, “Jews of Vienna”, pp. 320–327; Offenberger, “Jewish Responses”, pp. 60–80; Collette, Collette Family History, p. 163; Hatch, Cziep Family History, p. 80.

  39. Hatch, Cziep Family History, pp. 77, 81, 200.

  40. Hatch, Cziep Family History, p. 79; Overy, Third Reich, p. 197. Tópico: Segunda Guerra Mundial.