História da Igreja
Capítulo 13: Herdeiros da salvação


“Herdeiros da salvação”, capítulo 13 de Santos: A História da Igreja de Jesus Cristo nos Últimos Dias, Volume 3, Com Coragem, Nobreza e Independência, 1893–1955, 2021

Capítulo 13: “Herdeiros da salvação”

Capítulo 13

Herdeiros da salvação

Imagem
o Salvador aparece no mundo espiritual

Em janeiro de 1917, Susa Gates viajou à cidade de Nova York para visitar uma amiga doente, Elizabeth McCune, que servira com ela na junta geral da Sociedade de Socorro. Elizabeth e seu marido, Alfred, haviam se mudado para Nova York pouco tempo antes devido a empreendimentos comerciais de Alfred na cidade. Quando Susa soube da doença da amiga, foi imediatamente ajudá-la a se recuperar. Quando ela chegou, porém, Elizabeth já estava melhorando. Mesmo assim, pediu a Susa que ficasse e lhe fizesse companhia. Durante sua estada, Susa poderia usar as bibliotecas municipais para realizar pesquisas genealógicas, que haviam se tornado uma parte de seu serviço na Igreja e lhe consumiam muito tempo.

Na Dinamarca, 15 anos antes, Susa adoeceu gravemente enquanto participava de uma reunião do Conselho Internacional de Mulheres. Ela pediu uma bênção ao apóstolo Francis Lyman, o presidente da Missão Europeia na época, que a abençoou para não temer a morte, prometendo que ela tinha um trabalho a ser feito no mundo espiritual. Mas então, no meio da bênção, ele fez uma pausa de cerca de dois minutos. “Houve um conselho no céu”, disse ele, por fim, a Susa, “e foi decidido que você viverá para realizar as ordenanças do templo e fará uma obra maior do que nunca antes”.1

Após a convalescença, Susa se dedicou à genealogia e ao trabalho do templo. Tornou-se ativa na Sociedade Genealógica de Utah, uma organização administrada pela Igreja criada após a revelação de Wilford Woodruff de 1894 sobre o selamento no templo. Ela começou a trabalhar no Templo de Salt Lake, a dar aulas de genealogia e a escrever uma coluna semanal sobre história da família para o Deseret Evening News.

Quando Susa e Elizabeth McCune se tornaram membros da junta geral da Sociedade de Socorro em 1911, fizeram da genealogia e do trabalho do templo uma nova prioridade para as mulheres da Igreja. Visitaram alas e ramos dos Estados Unidos e do Canadá e treinaram os santos na realização de pesquisas sobre seus antepassados. Susa também redigiu lições de genealogia para a Relief Society Magazine e, a pedido da junta geral, estava escrevendo um livro de referência para ajudar os santos em seu trabalho de história da família.2

Enquanto estava em Nova York, Susa também pesquisou nomes da família McCune na biblioteca. Além disso, fez o possível para dar a Elizabeth o máximo de amor e atenção.

Na véspera do retorno de Susa para casa, Elizabeth se sentiu bem o suficiente para assistir a uma reunião da Sociedade de Socorro na sede da Missão dos Estados do Leste na cidade. Susa discursou para as mulheres sobre a pesquisa genealógica. Embora o número de mulheres santos dos últimos dias em Nova York fosse pequeno, ela sentiu o Espírito muito forte entre elas.3

Na viagem de volta, Susa parou em duas outras cidades para visitar os santos. Depois de uma reunião, um presidente de ramo foi falar com ela. “Sempre aprecio o testemunho dos idosos”, comentou ele, “e adoro ouvir uma pessoa idosa contar suas experiências”.

Susa riu por dentro. “Você é uma pessoa idosa, Susa, ouviu?”, disse ela a si mesma. Ela tinha 60 anos, mas ainda muitos anos pela frente — e muito mais trabalho a fazer.4


“Estamos vivendo em tempos críticos”, reconheceu Joseph F. Smith ao iniciar a conferência geral da Igreja em abril de 1917. Os jornais de Utah estavam repletos de relatos alarmantes sobre as ofensivas alemãs contra os Estados Unidos.5 Nos últimos dois anos e meio, os Estados Unidos tinham permanecido neutros na guerra. Mas a Alemanha recentemente retomara sua política de guerra submarina indiscriminada, o que fazia dos navios americanos alvos em potencial. As autoridades alemãs também buscavam uma aliança com o México, criando um caminho para atacar os Estados Unidos pelo sul. Em resposta, o congresso dos EUA autorizara o presidente Woodrow Wilson a declarar guerra à Alemanha.6

Do púlpito do Tabernáculo de Salt Lake, o presidente Smith compreendeu que muitos santos ali presentes estavam ansiosos e temerosos. Incentivou-os a buscar a paz, a felicidade e o bem-estar da família humana. “Se cumprirmos nosso dever hoje, como membros da Igreja e cidadãos de nosso país”, afirmou ele, “não há maiores motivos para temer o que o futuro nos reserva”.7

Horas depois naquele mesmo dia, o presidente Wilson faz a declaração oficial de guerra. Quase 5 mil rapazes de Utah — a maioria santos dos últimos dias — logo se alistaram.8 Muitas mulheres da Igreja se filiaram à Cruz Vermelha para servir como enfermeiras durante o conflito. Os santos americanos que não puderam integrar as Forças Armadas apoiaram seu país de outras maneiras, como comprando “Liberty Bonds” [títulos da liberdade] emitidos pelo governo para ajudar a financiar a guerra. Betty McCune, filha de Elizabeth, aprendeu a dirigir e a consertar automóveis, e se tornou motorista de ambulância. O élder B. H. Roberts, dos setenta, prontificou-se para servir como um dos três capelães santos dos últimos dias no exército.9

Pouco depois da conferência geral, Joseph F. Smith viajou para o Havaí e observou o andamento das obras do templo em Laie. Sob a direção dos encarregados Hamana Kalili e David Haili, os trabalhadores já haviam concluído a parte externa do templo e agora estavam terminando seu interior. Construído com concreto armado e rochas vulcânicas das montanhas próximas, o Templo do Havaí era em forma de cruz e não tinha torre. Esculturas de cimento de cenas das escrituras, feitas pelos artistas de Utah Leo e Avard Fairbanks, adornavam a parte externa do edifício.10

Em outubro, um mês antes de seu 79º aniversário, o profeta disse aos santos que estava começando a se sentir velho. “Acho que continuo tão jovem quanto antes em minha vida espiritual”, observou, “mas meu corpo está cansado, e quero lhes dizer que às vezes sinto meu pobre e velho coração tremer consideravelmente”.11

Sua saúde continuou a piorar nos meses que antecederam o fim do ano, e ele começou a consultar um médico regularmente no início de 1918. Na mesma época, seu filho Hyrum também adoeceu. Dezesseis meses tinham se passado desde o fim do tempo de serviço de Hyrum como presidente da Missão Europeia e, durante esse período, ele estava saudável e forte. Mesmo assim, Joseph estava preocupado com o bem-estar dele. Hyrum sempre ocupara um lugar especial em seu coração, e Joseph se alegrava imensamente com o serviço do filho e sua devoção ao Senhor. Ele até fazia Joseph se lembrar do próprio pai, o patriarca Hyrum Smith.12

A doença de Hyrum se agravava a cada dia. Ele sentia fortes dores no abdômen, um sintoma de apendicite. Seus amigos insistiram que se internasse para ser operado, mas ele recusou. “Sempre guardei a Palavra de Sabedoria”, replicou ele, “e o Senhor cuidará de mim”.

Em 19 de janeiro, a dor se tornou quase insuportável. De imediato, a esposa de Hyrum, Ida, avisou Joseph, que orou fervorosamente pela recuperação do filho. Os apóstolos Orson F. Whitney e James E. Talmage, por sua vez, foram até Hyrum e passaram a noite ao lado de sua cama. Um grupo de médicos e especialistas, incluindo o doutor Ralph T. Richards, sobrinho de Joseph, também cuidou dele.

Depois de examinar o paciente, o doutor Richards temeu que Hyrum tivesse demorado demais para procurar atendimento médico e implorou que fosse ao hospital. “Mesmo que você vá agora, há apenas uma chance em mil”, ele alertou Hyrum. “Vai tentar?”

“Vou”, respondeu Hyrum.13

No hospital, os médicos fizeram duas radiografias e decidiram remover o apêndice. Durante o procedimento, o doutor Richards descobriu que o apêndice havia se rompido, espalhando bactérias tóxicas por todo o abdômen de Hyrum.

Ele sobreviveu à cirurgia, mas seu pai Joseph continuou fraco devido à ansiedade e passou a tarde deitado, sem conseguir comer. Hyrum pareceu recobrar forças naquela noite, o que animou Joseph. Cheio de gratidão e alívio, ele voltou a seus deveres como presidente da Igreja.

Então, três dias após a operação do filho, Joseph recebeu um telefonema do hospital. Apesar das muitas orações e do trabalho cuidadoso dos médicos, Hyrum havia falecido. Joseph ficou sem palavras. Ele precisava de Hyrum, e a Igreja também. Por que sua vida não fora poupada?

Transtornado, Joseph externou sua angústia em seu diário. “Minha alma está em frangalhos”, escreveu ele. “E agora o que posso fazer! Oh! O que posso fazer! Minha alma está dilacerada, meu coração, despedaçado! Oh! Que Deus me ajude!”14


Uma nuvem de tristeza pairou sobre a família Smith nos dias após a morte de Hyrum. Havia santos que questionavam sua decisão de não ir imediatamente para o hospital. “Se ele tivesse ido assim que foi aconselhado”, conjecturaram alguns, “poderia ter sobrevivido”. O bispo presidente Charles Nibley, um amigo íntimo da família, concordou. A fé que Hyrum tinha na Palavra de Sabedoria era bem-intencionada, observou ele, mas o Senhor também pôs em nosso caminho homens e mulheres habilidosos que foram cientificamente formados para cuidar de nosso corpo.15

Buscando consolo em sua perda, a família Smith se reuniu na Beehive House, a antiga casa de Brigham Young onde Joseph F. Smith morava. O fato de estarem juntos aliviou um pouco a tristeza e deu à família a chance de se alegrar com a vida honrada e fiel de Hyrum. Mas todos continuavam atordoados com sua morte.16

Ida, a viúva, estava tão arrasada que nem conseguia falar. Ela e Hyrum permaneceram casados por 22 anos. Durante esse tempo, Hyrum às vezes dizia: “Veja bem, se eu morrer primeiro, não vou demorar a vir buscá-la”.17 Era apenas uma brincadeira que deixava transparecer seu amor e afeto. Tanto ele como Ida não tinham como saber o quanto a morte dele seria rápida e inesperada.

Em 21 de março de 1918, aniversário de 46 anos de Hyrum, Ida convidou seus amigos mais próximos para uma festinha em sua casa em lembrança da vida dele. Ao relembrar o amigo, às vezes por meio de histórias engraçadas, as conversas tomaram rumos mais profundos. Orson F. Whitney, amigo de longa data de Hyrum e Ida, recitou um poema sobre o plano perfeito de Deus para Seus filhos.

No dia de nossa partida,

Cumprida a missão na vida,

As ilusões criadas na mente,

E as dores que a alma sente,

Perante os olhos desfilarão,

Como estrelas na escuridão.

Veremos que Deus em Seus planos foi certeiro

E que a censura era apenas amor verdadeiro!

Ida adorou o poema e disse a Orson que sua mensagem era algo que ela desejava ouvir desde a morte de Hyrum. Mas as emoções daquela noite foram demasiado intensas. Quando os convidados se reuniram em torno da mesa de jantar, ela não pôde deixar de chorar ao ver vazia a cadeira onde Hyrum se sentava.18

Um de seus poucos consolos era saber que ela e Hyrum teriam mais um filho. Ela descobriu a gravidez logo após o falecimento do marido. Imediatamente convidou sua irmã mais velha, Margaret, para morar com ela a fim de ajudar com os outros quatro filhos, cuja idade variava de 19 a 6 anos. Margaret aceitou o convite.

Ida gozou de boa saúde durante todo o verão, mas agia como se estivesse se preparando para a própria morte. “Não há nada de errado com você”, dizia-lhe Margaret. “Você vai viver.”19

No entanto, conforme o fim da gestação se aproximava, ela parecia convencida de que, após o parto, seus dias estavam contados. Ao visitar a sogra, Edna Smith, Ida falou como se estivesse ansiosa para estar com Hyrum no mundo espiritual. Explicou que eles poderiam fazer um trabalho importante juntos do outro lado do véu.20

Em 18 de setembro, uma quarta-feira, Ida deu à luz um menino saudável. Depois, comentou com a mãe que Margaret o criaria. “Sei que vou para casa, para junto de Hyrum, e terei de deixar meus filhos”, disse ela. “Então, por favor, ore por meu bebê e por meus filhos maravilhosos. Sei que o Senhor os abençoará.”21

No domingo seguinte, Ida teve a sensação de que Hyrum estava ao seu lado o dia todo. “Ouvi a voz dele”, confidenciou à família. “Senti sua presença.”22

Poucos dias depois, seu sobrinho entrou correndo na casa da família. “Acabei de ver o tio Hyrum entrar na casa da tia Ida”, contou ele à mãe.

“Que absurdo!”, exclamou ela. “Ele já morreu.”

“Eu o vi”, insistiu o menino. “Com meus próprios olhos.”

Mãe e filho caminharam até a casa da família Smith, que ficava apenas algumas portas adiante. Lá descobriram que Ida havia falecido. Morrera no início daquela noite de insuficiência cardíaca.23


A família de Joseph F. Smith não lhe comunicou imediatamente o falecimento de Ida, com medo de deixá-lo arrasado. Ele estava bastante fragilizado desde a morte de Hyrum e fizera raras aparições públicas nos cinco meses anteriores. No entanto, no dia seguinte à morte de Ida, os membros da família levaram o filho recém-nascido dela até Joseph, e ele chorou ao abençoar o bebê e lhe dar o nome de Hyrum. A família então lhe deu a notícia sobre Ida.

Para surpresa de todos, Joseph a recebeu com serenidade.24 Tanto sofrimento e dor se abatera sobre o mundo nos últimos tempos. Os jornais diários traziam notícias horríveis sobre a guerra. Milhões de soldados e civis já tinham sido mortos e outros milhões, mutilados e feridos. Alguns meses antes, os soldados de Utah tinham chegado à Europa e presenciado a brutalidade implacável da guerra. E agora mais jovens santos dos últimos dias estavam se preparando para engrossar as fileiras, inclusive alguns filhos de Joseph. Na verdade, seu filho Calvin já estava na linha de frente, na França, servindo com B. H. Roberts como capelão do exército.

Uma cepa mortal de gripe também começou a ceifar vidas no mundo inteiro, agravando a dor e o sofrimento da guerra. O vírus estava se disseminando a uma taxa alarmante e, dentro de alguns dias, Utah ia fechar seus teatros, suas igrejas e outros locais públicos na esperança de deter a onda de infecções e mortes.25

Em 3 de outubro de 1918, Joseph se sentou em seu quarto, refletindo sobre a Expiação de Jesus Cristo e a redenção do mundo. Abriu o Novo Testamento em 1 Pedro e leu sobre a pregação do Salvador aos espíritos no mundo espiritual. “Porque para isso foi o evangelho pregado também aos mortos”, leu ele, “para que, na verdade, fossem julgados segundo os homens na carne, porém vivessem segundo Deus em espírito”.

Ao ponderar as escrituras, o profeta sentiu o Espírito descer sobre ele, abrindo seus olhos para o entendimento. Ele viu multidões de mortos no mundo espiritual. Mulheres e homens justos que morreram antes do ministério mortal do Salvador estavam ali esperando alegremente Seu advento para declarar sua libertação das ligaduras da morte.

O Salvador apareceu à multidão, e os espíritos justos se regozijaram com sua redenção. Ajoelharam-se diante Dele, reconhecendo-O como seu Salvador e Libertador da morte e das cadeias do inferno. O semblante deles brilhava enquanto a luz da presença do Senhor irradiava ao redor deles. Cantaram louvores ao Seu nome.26

Enquanto Joseph se maravilhava com a visão, novamente refletiu sobre as palavras de Pedro. As hostes de espíritos desobedientes eram muito mais numerosas do que as de espíritos justos. Como poderia o Salvador, durante Sua breve visita ao mundo espiritual, pregar Seu evangelho a todos eles?27

Os olhos de Joseph foram abertos novamente e ele entendeu que o Salvador não foi pessoalmente aos espíritos desobedientes. Na verdade, Ele organizou o trabalho entre os espíritos justos, designando mensageiros e comissionando-os para levar a mensagem do evangelho aos espíritos que estavam nas trevas. Dessa forma, todas as pessoas que morreram em transgressão ou sem conhecimento da verdade poderiam aprender sobre a fé em Deus, o arrependimento, o batismo vicário para remissão de pecados, o dom do Espírito Santo e todos os outros princípios essenciais do evangelho.

Contemplando a vasta congregação de espíritos justos, Joseph viu Adão e seus filhos Abel e Sete. Viu Eva ao lado de suas filhas fiéis que haviam adorado a Deus ao longo dos séculos. Noé, Abraão, Isaque, Jacó e Moisés também estavam lá, com Isaías, Ezequiel, Daniel e outros profetas do Velho Testamento e do Livro de Mórmon. Ali estava igualmente o profeta Malaquias, que profetizou que Elias viria plantar no coração dos filhos as promessas feitas aos pais, preparando o caminho para o trabalho do templo e a redenção dos mortos nos últimos dias.28

Joseph F. Smith também viu Joseph Smith, Brigham Young, John Taylor, Wilford Woodruff e outros que haviam lançado os alicerces da Restauração. Entre eles estava seu pai mártir, Hyrum Smith, cujo rosto ele não via havia 74 anos. Eles faziam parte dos espíritos nobres e grandes que tinham sido escolhidos antes da mortalidade para vir à Terra nos últimos dias e trabalhar pela salvação de todos os filhos de Deus.

O profeta então percebeu que os élderes fiéis desta dispensação continuariam seu trabalho na vida vindoura pregando o evangelho aos espíritos que estavam nas trevas e sob o jugo do pecado.

“Os mortos que se arrependerem serão redimidos por meio da obediência às ordenanças da casa de Deus”, observou ele, “e depois de terem cumprido a pena por suas transgressões e de serem purificados, receberão uma recompensa de acordo com suas obras, porque são herdeiros da salvação”.29

Quando a visão se encerrou, Joseph ponderou sobre tudo o que tinha visto. Na manhã seguinte, surpreendeu os santos ao assistir à primeira sessão da conferência geral de outubro apesar de sua saúde debilitada. Determinado a se dirigir à congregação, tentou manter o equilíbrio ao púlpito, esforço que fez seu grande corpo tremer. “Trabalho há mais de 70 anos nesta causa com seus pais e progenitores”, disse ele, “e meu coração continua hoje tão comprometido com vocês quanto sempre esteve”.30

Sem forças para falar de sua visão sem ser dominado pela emoção, fez apenas alusões a ela. “Não vivi sozinho nestes últimos cinco meses”, disse ele à congregação. “Tenho vivido em espírito de oração, de súplica, de fé e de determinação, e tenho mantido minha comunicação com o Espírito do Senhor continuamente.”

“A reunião desta manhã me traz grande alegria”, afirmou. “Que o Deus Todo-Poderoso os abençoe.”31


Cerca de um mês após a conferência geral de outubro, Susa e Jacob Gates foram à Beehive House para pegar uma caixa de maçãs da família Smith. Quando chegaram, Joseph F. Smith chamou Susa para ir falar com ele em seu quarto, onde havia ficado acamado por semanas.

Susa fez o possível para confortá-lo, como ele havia confortado sua família no passado. Mas ela estava desanimada com seu serviço na Igreja.32 Com exceção de Elizabeth McCune, que havia doado um milhão de dólares para a Sociedade Genealógica de Utah no ano anterior, poucas mulheres da junta geral da Sociedade de Socorro demonstravam entusiasmo pela história da família ou pelo trabalho do templo. Algumas irmãs da junta até haviam proposto abandonar as aulas mensais de genealogia da Sociedade de Socorro, que tinham sido criticadas recentemente por líderes de estaca da Sociedade de Socorro por serem muito difíceis e não espirituais o suficiente.33

“Susa”, disse Joseph enquanto conversavam, “você está fazendo um ótimo trabalho”.

Encabulada, Susa respondeu: “Só sei que estou tentando”.34

“Você está fazendo um ótimo trabalho”, insistiu ele, “mais do que imagina”. Ele externou o amor que sentia por ela devido à sua fé e devoção à verdade. Em seguida, pediu a sua esposa Julina que lhe trouxesse um papel. Nesse ínterim, Jacob e algumas outras pessoas se juntaram a eles no quarto.

Com todos reunidos, Joseph pediu a Susa que lesse o papel. Ela o pegou e ficou surpresa com o que estava escrito. Como profeta, Joseph sempre tentara ser cauteloso ao falar sobre revelação e outros assuntos espirituais. Mas ali, em suas mãos, estava o relato de uma visão que ele tivera do mundo espiritual. Ele ditou a revelação a um de seus filhos, o apóstolo Joseph Fielding Smith, dez dias depois da conferência geral. Então, em 31 de outubro, a Primeira Presidência e o Quórum dos Doze leram a visão e endossaram totalmente seu conteúdo.

Ao ler a revelação, Susa se comoveu ao ver que mencionava Eva e outras mulheres que tinham servido ao lado dos profetas na mesma grande obra. Foi a primeira vez que qualquer revelação que ela conhecia falava de mulheres que trabalhavam com seus maridos e pais a serviço do Senhor.

Mais tarde, depois de se despedir de Joseph e sua família, Susa se sentiu abençoada por ter lido a revelação antes de se tornar pública. “Oh, que conforto ela me trouxe!”, escreveu em seu diário. “Saber que os céus ainda estão abertos, ver Eva e suas filhas serem lembradas e, acima de tudo, receber isso em um momento em que nosso trabalho do templo, nossos oficiantes e nossa genealogia tanto precisam de incentivo.”

Ela mal podia esperar que Elizabeth McCune a lesse. “É uma visão ou revelação sobre todos esses grandes seres que trabalham do outro lado do véu pela salvação dos espíritos em prisão”, disse ela a uma amiga em uma carta. “Pense no ímpeto que essa revelação dará ao trabalho do templo em toda a Igreja!”35


Em 11 de novembro de 1918, os exércitos da Europa assinaram um armistício, encerrando quatro anos de guerra. A pandemia de gripe espanhola, no entanto, continuava a se alastrar, deixando um rastro de milhões de vítimas. Em muitos lugares, o cotidiano se paralisou. As pessoas começaram a usar máscaras de pano sobre o nariz e a boca para se proteger e evitar a propagação do vírus. Os jornais publicavam regularmente o nome dos mortos.36

Uma semana após o cessar-fogo, Heber J. Grant decidiu visitar Joseph F. Smith na Beehive House. Na época, Heber era o presidente do Quórum dos Doze Apóstolos, o próximo homem a estar à frente da Igreja. Ele não tinha a menor pressa para assumir as responsabilidades de presidente da Igreja. Esperava e orava para que Joseph vivesse mais 12 anos — tempo suficiente para comemorar o centenário da Igreja. Mesmo então, não acreditava que Joseph morreria.

Na Beehive House, o filho de Joseph, David, encontrou-o na porta e o convidou para falar com o pai. Heber hesitou, porém, não querendo importunar o profeta.

“É melhor você vê-lo”, insistiu David. “Pode ser sua última chance.”37

Heber encontrou Joseph deitado na cama, acordado e com a respiração pesada. Joseph lhe tomou a mão e a apertou com firmeza. Heber lhe fitou os olhos e viu o amor do profeta por ele.

“O Senhor o abençoe, meu filho”, disse Joseph. “Você tem uma grande responsabilidade. Lembre-se sempre de que esta é a obra do Senhor e não do homem. O Senhor é maior do que qualquer homem. Ele sabe quem Ele deseja à frente de Sua Igreja e nunca Se equivoca.”38

Joseph soltou sua mão e Heber entrou em uma sala ao lado e chorou. Foi para casa, jantou e depois voltou para a Beehive House a fim de ver Joseph mais uma vez. Anthon Lund, conselheiro de Joseph na Primeira Presidência, estava lá com as esposas de Joseph e vários de seus filhos. Joseph estava com muita dor e pediu a Heber e Anthon que lhe dessem uma bênção.

“Irmãos”, pediu ele, “orem para que eu seja liberado”.

Com os filhos de Joseph, eles impuseram as mãos sobre a cabeça dele. Falaram da alegria e felicidade que compartilharam ao trabalharem com ele. E então pediram ao Senhor que o chamasse de volta para casa.39