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Sacrifícios e Bênçãos em Nauvoo


Capítulo cinco

Sacrifícios e Bênçãos em Nauvoo

Os santos dos últimos dias que partiram para Illinois desfrutaram não somente as calorosas boas-vindas dos cidadãos da cidade de Quincy, como também sua generosidade. Após o retorno do Profeta Joseph Smith de seu confinamento na cadeia de Liberty, os santos rumaram para um local ao norte, distante cerca de 55 km, às margens do rio Mississipi. Nesse local, drenaram os grandes pântanos da área e começaram a construir a cidade de Nauvoo junto a uma curva do rio. A cidade logo se encheu de atividades e comércio, com santos chegando de todas as partes dos Estados Unidos, Canadá e Inglaterra. Em quatro anos, Nauvoo tornou-se uma das maiores cidades de Illinois.

Os membros da Igreja viviam em relativa paz, sentindo segurança pelo fato de o Profeta morar e trabalhar entre eles. Centenas de missionários chamados pelo Profeta partiram de Nauvoo para pregar o evangelho. Foi construído um templo, e recebida a investidura do templo; criaram-se alas pela primeira vez e organizaram-se estacas; foi implantada a Sociedade de Socorro; o Livro de Abraão foi publicado e revelações significativas foram recebidas. Por mais de seis anos, os santos demonstraram notável união, fé e felicidade, enquanto sua cidade se tornava um exemplo de trabalho e um farol da verdade.

Os Sacrifícios dos Missionários de Nauvoo

Quando os santos começaram a construir casas e fazer plantações, muitos deles contraíram malária, uma doença infecciosa caracterizada por febres e calafrios intermitentes. Entre os doentes, encontravam-se a maioria dos Doze e o próprio Joseph Smith. Em 22 de julho de 1839, o Profeta levantou-se da cama com o poder de Deus sobre ele e, utilizando o sacerdócio, curou-se a si mesmo e curou os doentes em sua própria casa. Em seguida, ordenou às pessoas acampadas em barracas no seu jardim que ficassem curadas, o que aconteceu a muitas. O Profeta foi de barraca em barraca e de casa em casa, abençoando todos. Foi um dos grandiosos dias de fé e curas na história da Igreja.

Durante esse período, o Profeta chamou o Quórum dos Doze Apóstolos para uma missão na Inglaterra. O Élder Orson Hyde, membro do Quórum dos Doze, foi enviado a Jerusalém a fim de dedicar a Palestina para a coligação do povo judeu e de outros filhos de Abraão. Foram enviados missionários para pregar em todas as partes dos Estados Unidos, bem como no Canadá, enquanto Addison Pratt e outros receberam chamados para ir às Ilhas do Pacífico.

Esses irmãos fizeram grandes sacrifícios ao deixarem casa e família para atender ao chamado de servir o Senhor. Muitos membros do Quórum dos Doze pegaram malária quando se preparavam para partir para a Inglaterra. Wilford Woodruff, que estava muito doente, deixou a esposa, Phoebe, quase sem comida e outras coisas essenciais. George A. Smith, o Apóstolo mais jovem, estava tão doente que teve de ser carregado para o carroção, e um homem que o viu perguntou ao condutor se tinham assaltado o cemitério. Apenas Parley P. Pratt, que levou a esposa e os filhos com ele, seu irmão Orson Pratt e John Taylor não pegaram a doença quando saíram de Nauvoo, embora o Élder Taylor tivesse ficado, mais tarde, terrivelmente doente e quase tenha morrido quando viajavam para a cidade de Nova York.

Brigham estava tão doente que não conseguia andar sem auxílio, nem mesmo uma curta distância, e seu companheiro, Heber C. Kimball, não se encontrava em melhores condições. A esposa e as famílias também estavam de cama. Quando os Apóstolos atingiram o topo de uma colina a uma pequena distância de casa, estando ambos deitados no carroção, sentiram que não suportariam deixar as famílias numa condição tão penosa. Seguindo a sugestão de Heber, fizeram um esforço e colocaram-se de pé, acenaram com o chapéu e gritaram três vezes: “Viva, viva Israel”. As respectivas esposas, Mary Ann e Vilate, tiveram forças suficientes para erguerem-se e, apoiadas no batente da porta, gritaram: “Adeus, que Deus os abençoe”. Os dois homens voltaram para suas camas no carroção, cheios de alegria e satisfação por verem as esposas de pé, em vez de deitadas na cama, enfermas.

As famílias que ficaram para trás demonstraram fé, sacrificando-se para apoiar os que haviam aceitado chamados missionários. Quando Addison Pratt foi chamado para pregar nas Ilhas Sandwich, a esposa, Louisa Barnes Pratt, relatou: “Meus quatro filhos tinham que ir à escola, precisavam de roupas e eu não tinha dinheiro. ( … ) Fiquei desanimada a princípio, mas decidi confiar no Senhor e enfrentei corajosamente os desafios da vida, regozijando-me com o fato de que meu marido era digno de pregar o evangelho”.

Louisa foi ao cais despedir-se do marido e os filhos foram com ela para dar adeus ao pai. Após retornarem ao lar, Louisa contou: “A tristeza apoderou-se de [nossos] pensamentos. Logo começou a trovejar. A casa de uma família que morava do outro lado da rua era cheia de goteiras, frágil e sem segurança. Pouco depois, vieram para [nossa] casa para protegerem-se da tempestade. Ficamos felizes em vê-los, eles [nos] disseram palavras de consolo, cantaram hinos e o irmão orou conosco, permanecendo todos em nossa casa até passar a tempestade”.1

Não muito tempo depois da partida de Addison, sua filha mais nova contraiu varíola. A doença era tão contagiosa que havia realmente perigo de os portadores do sacerdócio que fossem à sua casa serem contagiados; por isso, Louisa orou com fé e “repreendeu a febre”. Surgiram onze pequenas erupções no corpo da filha, mas a doença nunca se desenvolveu. Em poucos dias, a febre sumiu. Louisa escreveu: “Mostrei a criança a uma pessoa que conhecia a doença; ela disse que fora um ataque; que eu vencera a enfermidade pela fé”.2

Os missionários que partiram de Nauvoo fazendo tais sacrifícios trouxeram milhares de pessoas para a Igreja. Muitos conversos demonstraram também fé e coragem extraordinárias. Mary Ann Weston morava na Inglaterra com a família de William Jenkins e aprendia o ofício de costureira. O irmão Jenkins converteu-se ao evangelho e Wilford Woodruff foi visitar a família. Apenas Mary Ann estava em casa na ocasião. Wilford sentou-se perto do fogo e cantou: “Negarei a inspiração que sinto, por temer o homem fraco?”Mary Ann observava-o enquanto cantava e lembrou-se de que ele “parecia tão calmo e feliz que achei que deveria ser um bom homem, e o evangelho que pregava devia ser verdadeiro”.3

Devido à sua amizade com os membros da Igreja, Mary Ann converteu-se logo e foi batizada – o único membro de sua família a aceitar a mensagem do evangelho restaurado. Ela casou-se com um membro da Igreja que morreu quatro meses depois, em parte por ter sido espancado por uma multidão hostil que tentava interromper uma reunião. Completamente sozinha, embarcou com outros santos dos últimos dias rumo a Nauvoo, abandonando sua casa, os amigos e os pais que não acreditavam na Igreja. Ela jamais voltou a ver a família.

Sua coragem e sua dedicação ao evangelho acabaram abençoando a vida de muitas pessoas. Mary Ann casou-se com Peter Maughan, viúvo, que se estabelecera no vale do rio Cache, no norte de Utah. Nesse local, criou uma grande família fiel ao evangelho, que honrou tanto a Igreja quanto o seu nome.

As Obras-padrão

Durante o período de Nauvoo, foram publicados alguns escritos que mais tarde passaram a integrar A Pérola de Grande Valor. Esse livro contém partes do Livro de Moisés, o Livro de Abraão, um extrato do testemunho de Mateus, trechos da história de Joseph Smith e as Regras de Fé. Esses documentos foram escritos ou traduzidos por Joseph Smith, sob a direção do Senhor.

Os santos tinham então as escrituras que se tornariam as obras-padrão da Igreja: a Bíblia, o Livro de Mórmon, Doutrina e Convênios e A Pérola de Grande Valor. Esses livros são de valor inestimável para os filhos de Deus, pois ensinam as verdades fundamentais do evangelho e levam o pesquisador honesto ao conhecimento de Deus, o Pai, e Seu Filho, Jesus Cristo. Outras revelações têm sido acrescentadas à escritura moderna, conforme orientação do Senhor a Seus profetas.

O Templo de Nauvoo

Apenas 15 meses após a fundação de Nauvoo, a Primeira Presidência, obediente à revelação, anunciou que chegara o momento de “construir uma casa de oração, uma casa de ordem, uma casa de adoração ao nosso Deus, onde as ordenanças [pudessem] ser recebidas conforme Sua vontade divina”.4 Embora fossem pobres e se esforçassem muito para sustentar a família, os santos dos últimos dias atenderam ao chamado dos líderes e começaram a doar tempo e recursos para a construção do templo. Mais de mil homens, a cada dez dias de trabalho, doavam um. Louisa Decker, uma jovem, ficou impressionada com o fato de a mãe ter vendido os pratos de porcelana e um belo acolchoado a fim de contribuir para a construção do templo.5 Outros santos dos últimos dias doaram cavalos, carroções, vacas, carne de porco e cereais. Foi pedido às mulheres de Nauvoo que contribuíssem com suas moedas para o fundo do templo.

Caroline Butler não tinha um centavo, mas queria muito dar alguma coisa. Um dia, enquanto se dirigia à cidade num carroção, viu dois búfalos mortos. De repente, soube qual seria sua dádiva ao templo. Ela e os filhos arrancaram a longa crina dos búfalos e levaram-na para casa. Lavaram e cardaram o pêlo dos animais, fiaram-no num fio grosso de lã e tricotaram oito pares de meias-luvas para os cortadores de pedra que trabalhavam no templo durante o rigoroso frio do inverno.6

Mary Fielding Smith, esposa de Hyrum Smith, escreveu às mulheres da Igreja na Inglaterra que, num período de um ano, juntaram 50.000 moedas, pesando aproximadamente 197 quilos. Essas moedas foram enviadas por navio a Nauvoo. Fazendeiros deram parelhas e carroções; outros venderam suas terras e doaram o dinheiro para o comitê de construção. Foram doados também muitos relógios e rifles. Os santos de Norway, Illinois, enviaram cem ovelhas para Nauvoo a fim de serem usadas pelo comitê do templo.

Brigham Young recordou: “Trabalhamos arduamente no templo de Nauvoo, sendo que durante essa época era difícil conseguir pão e outros alimentos para os trabalhadores”. Mesmo assim, o Presidente Young aconselhou as pessoas encarregadas dos fundos para o templo que dessem toda a farinha que tinham, confiando que o Senhor os proveria do necessário. Pouco tempo depois, Joseph Toronto, recém-converso, chegou a Nauvoo, vindo da Sicília, e colocou os 2.500 dólares que tinha consigo aos pés dos líderes.7 Essas economias em ouro do irmão Toronto foram usadas para repor a farinha e comprar outros suprimentos necessários.

Pouco tempo depois de os santos chegarem a Nauvoo, o Senhor revelou ao Profeta Joseph Smith que poderiam ser realizados batismos por antepassados falecidos que não tivessem ouvido o evangelho. (Ver D&C 124:29–39.) Muitos santos sentiram-se extremamente consolados com a promessa de que os mortos poderiam ter as mesmas bênçãos daqueles que aceitaram o evangelho na Terra.

O Profeta recebeu também uma importante revelação a respeito dos ensinamentos, convênios e bênçãos que hoje são chamados de investidura do templo. Essa ordenança sagrada deveria capacitar os santos a “assegurar a plenitude das bênçãos” que os prepararia para “subir ao céu e habitar na presença de ( … ) Eloim, nos mundos eternos”.8 Após receberem a investidura, marido e mulher poderiam ser selados, pelo poder do sacerdócio, para esta vida e para toda a eternidade. Joseph Smith sabia que sua vida na Terra seria curta, por isso, enquanto o templo ainda estava em construção, começou a dar a investidura a membros fiéis e escolhidos no andar superior de sua loja.

Mesmo após o assassinato do Profeta Joseph Smith, quando os santos perceberam que logo teriam de deixar Nauvoo, eles dedicaram-se mais ainda à tarefa de terminar o templo. O sótão do templo inacabado foi dedicado como parte do edifício onde a investidura seria administrada. Os santos estavam tão ansiosos para receber essa ordenança sagrada que Brigham Young, Heber C. Kimball e outros membros do Quórum dos Doze Apóstolos permaneciam no templo dia e noite, dormindo não mais do que quatro horas por noite. Mercy Fielding Thompson era encarregada de lavar e passar as roupas do templo, bem como de supervisionar a cozinha. Ela também morava no templo, às vezes trabalhando durante a madrugada, para que tudo estivesse pronto no dia seguinte. Outros membros mostraram também a mesma dedicação.

Por que esses santos trabalharam tão arduamente para terminar a construção de um edifício que logo teriam de deixar para trás? Quase seis mil santos receberam sua investidura antes de irem embora de Nauvoo. Ao voltarem os olhos para sua migração rumo ao oeste, eram sustentados pela fé e sentiam-se seguros com o conhecimento de que suas famílias estavam seladas para a eternidade. Com o rosto molhado de lágrimas, prontos para prosseguir após enterrar uma criança ou um cônjuge na vasta planície americana, os santos não vacilavam, devido às promessas contidas nas ordenanças que haviam recebido no templo.

A Sociedade de Socorro

Enquanto o templo de Nauvoo estava sendo construído, Sarah Granger Kimball, esposa de Hiram Kimball, um dos cidadãos mais ricos da cidade, contratou uma costureira chamada Margareth A. Cooke. Desejando acelerar a obra do Senhor, Sarah doou tecido para a confecção de camisas para os homens que trabalhavam na construção do templo, e Margareth aceitou costurá-las. Pouco tempo depois, algumas vizinhas de Sarah também tiveram o desejo de participar desse trabalho. As irmãs reuniram-se na sala de visitas dos Kimball e decidiram organizar-se oficialmente. Foi pedido a Eliza R. Snow que escrevesse os estatutos e os regulamentos da nova sociedade.

Eliza apresentou o documento completo ao Profeta Joseph Smith, que declarou serem aqueles os melhores estatutos que já vira. Sentiu-se, porém, inspirado a ampliar a visão das mulheres com respeito ao que poderiam realizar. O Profeta pediu às irmãs que comparecessem a uma nova reunião, na qual organizou a Sociedade de Socorro das Mulheres de Nauvoo. Emma Smith, a esposa do Profeta, tornou-se a primeira presidente da sociedade.

Joseph disse às irmãs: “Vocês receberão instruções através da ordem que Deus estabeleceu por meio dos que foram designados para liderar – e agora passo a chave a vocês, em nome de Deus, e esta Sociedade se regozijará, e conhecimento e inteligência fluirão daqui por diante – este é o início de dias melhores para esta Sociedade”.9

Pouco depois da organização da Sociedade, todos os pobres de Nauvoo foram visitados por um comitê, suas necessidades foram avaliadas e as irmãs solicitaram doações para ajudá-los. Doações em dinheiro e a renda resultante da venda de alimentos e roupas de cama proporcionaram escola para as crianças carentes. Fibra de linho, lã, fios diversos, ripas, sabão, velas, utensílios de ferro estanhado, jóias, cestas, acolchoados, cobertores, cebolas, maçãs, pães, biscoitos e carne foram doados para ajudar os necessitados.

Além de ajudar os pobres, as irmãs da Sociedade de Socorro adoravam juntas. Eliza R. Snow contou que numa reunião “quase todas as presentes se levantaram e falaram, e o Espírito do Senhor, como um rio purificador, refrescou-lhes o coração”.10 Essas irmãs oravam umas pelas outras, fortaleciam a fé umas das outras e consagravam sua vida e seus bens à causa de Sião.

O Martírio

Embora os anos passados em Nauvoo tivessem proporcionado aos santos muitos momentos felizes, a perseguição logo recomeçou, culminando com o assassinato de Joseph e Hyrum Smith. Essa foi uma época negra e fúnebre que jamais será esquecida. Recordando-se do que sentira ao saber do martírio do Profeta, Louisa Barnes Pratt escreveu: “Era uma noite calma de lua cheia. Parecia uma noite da morte, e tudo conspirou para fazê-la solene! Ouviram-se as vozes dos oficiais chamando os homens à distância, vozes essas que soaram no coração como um dobre fúnebre de sinos. As mulheres estavam reunidas em grupos, chorando e orando, algumas desejando que os assassinos fossem severamente punidos, outras reconhecendo a mão de Deus no acontecimento”.11

Como Louisa Barnes Pratt, muitos santos dos últimos dias lembravam-se dos eventos de 27 de junho de 1844 como momentos de lágrimas e corações partidos. O martírio foi o mais trágico episódio do início da história da Igreja. Entretanto, já era esperado.

Em pelo menos dezenove ocasiões diferentes, começando em 1829, Joseph Smith disse aos santos que ele provavelmente não viveria esta vida em paz.12 Embora sentisse que seus inimigos lhe tirariam a vida algum dia, ele não sabia quando. Com a chegada do verão de 1844, os inimigos, tanto dentro como fora da Igreja, trabalhavam pela destruição de Joseph. Thomas Sharp, redator de um jornal das redondezas e líder do partido político anti-mórmon no Condado de Hancock, exigia abertamente o assassinato do Profeta. Grupos de cidadãos, apóstatas e líderes civis conspiravam para destruir a Igreja, destruindo seu Profeta.

O governador de Illinois, Thomas Ford, escreveu a Joseph Smith, insistindo que os líderes civis da cidade fossem submetidos a julgamento por um juri não-mórmon, sob a acusação de sublevarem a ordem pública. Disse que somente um julgamento assim satisfaria o povo. Ele prometeu aos homens total proteção, embora o Profeta não acreditasse que ele fosse capaz de cumprir a promessa. Quando parecia não haver outra alternativa, o Profeta, seu irmão Hyrum, John Taylor e outros submeteram-se à prisão, totalmente cientes de que não eram culpados de crime algum.

Quando o Profeta se preparava para deixar Nauvoo, seguindo para a sede do Condado de Carthage, a cerca de 32 km, ele sabia que estava vendo a família e os amigos pela última vez; e profetizou: “Vou como um cordeiro ao matadouro, mas estou calmo como uma manhã de verão”.13

Quando o Profeta estava de partida, B. Rogers, que trabalhara na fazenda de Joseph por mais de três anos, e dois outros meninos atravessaram os campos e sentaram-se numa cerca, esperando a passagem do amigo e líder. Joseph parou o cavalo ao lado dos meninos e disse aos homens da milícia que estavam com ele: “Cavalheiros, esta é a minha fazenda e estes são os meus meninos. Eles gostam de mim, e eu, deles”. Após apertar a mão de cada um, montou no cavalo e seguiu caminho para seu encontro com a morte.14

Dan Jones, um converso do País de Gales, juntou-se ao Profeta na Cadeia de Carthage. Em 26 de junho de 1844, sua última noite de vida, Joseph ouviu um tiro de espingarda, saiu da cama, deitou-se no chão ao lado de Jones e sussurrou: “Está com medo de morrer?” “Trabalhando nesta causa, não acho que a morte traga muitos terrores”, foi a resposta de Jones. “Você, contudo, ainda verá o País de Gales e cumprirá, antes de morrer, a missão que lhe foi designada”, profetizou Joseph.15 Milhares de santos dos últimos dias desfrutam as bênçãos da Igreja hoje porque Dan Jones serviu, mais tarde, uma honrosa e bem-sucedida missão no País de Gales.

Pouco depois das cinco da tarde de 27 de junho de 1844, aproximadamente 200 homens com caras pintadas invadiram a Cadeia de Carthage, atiraram e mataram Joseph e seu irmão Hyrum e feriram seriamente John Taylor. Apenas Willard Richards não foi ferido. Ao ouvirem gritos de “os mórmons estão vindo”, a turba fugiu, como o fez a maioria dos moradores de Carthage. Willard Richards cuidou do ferimento de John Taylor enquanto ambos choravam a morte de seus líderes. O corpo de Hyrum estava dentro da prisão, enquanto Joseph, que caíra de uma janela, jazia ao lado de um poço.

Um dos primeiros santos dos últimos dias a chegar ao local foi o irmão dos mártires mortos, Samuel. Ele e outros ajudaram Willard Richards a preparar os corpos para a longa e triste jornada de volta a Nauvoo.

Enquanto isso, em Warsaw, Illinois, a família de James Cowley, que era membro da Igreja, preparava-se para jantar. Mathias, de quatorze anos, percebeu certo alvoroço incomum na cidade e juntou-se a uma multidão que se formava. O orador principal viu o jovem Cowley e ordenou-lhe que fosse para casa ficar com a mãe. Ele foi seguido por jovens que não eram membros da Igreja e que lhe atiraram lixo. Conseguiu escapar correndo pelo quintal de um vizinho.

Crendo que as coisas tivessem se acalmado, Mathias foi até o rio para pegar um balde d’água. Os integrantes da turba viram-no e pagaram um alfaiate bêbado para atirá-lo no rio. Quando Mathias acabou de encher o balde, o alfaiate pegou-o pela nuca e disse: “Você ( … ) mormonzinho, vou te afogar”. Mathias contou: “Perguntei-lhe por que ia me afogar e se eu acaso lhe fizera algum mal. ‘Não’, disse o homem, ‘não vou afogar você ( … ) Você é um bom garoto, pode ir para casa’”. Naquela noite, a multidão hostil tentou três vezes, sem sucesso, incendiar a casa dos Cowley, mas com fé e orações a família foi protegida.16 Mathias Cowley cresceu e permaneceu fiel à Igreja; seu filho, Mathias, e o neto, Matthew, serviram mais tarde no Quórum dos Doze Apóstolos.

O governador de Illinois, Thomas Ford, escreveu sobre o martírio: “O assassinato dos Smiths, em vez de pôr um fim ( … ) aos mórmons e dispersá-los, como muitos acreditavam que aconteceria, apenas uniu-os mais do que nunca, dando-lhes nova confiança em sua fé”.17 Ford escreveu também: “Algum homem talentoso como Paulo, algum esplêndido orador, capaz de, com sua eloqüência, atrair multidões de pessoas ( … ) pode ter sucesso em dar nova vida à [Igreja Mórmon] e fazer o nome do mártir Joseph ressoar ( … ) alto e tocar a alma dos homens”. Ford viveu, temendo que isso acontecesse e que seu próprio nome, como o de Pilatos e o de Herodes, fosse tido como infame na história”.18 O que Ford temia se tornou realidade.

O Presidente John Taylor recuperou-se dos ferimentos e escreveu, mais tarde, um tributo aos líderes assassinados, hoje conhecido como a seção 135 de Doutrina e Convênios. Disse ele: “Joseph Smith, o Profeta e Vidente do Senhor, com exceção apenas de Jesus, fez mais pela salvação dos homens neste mundo do que qualquer outro homem que jamais viveu nele ( … ) Eles viveram pela glória, eles morreram pela glória; e a glória é sua eterna recompensa”. (D&C 135:3,6)

A Sucessão na Presidência

Quando o Profeta Joseph e Hyrum Smith foram assassinados na Cadeia de Carthage, muitos membros do Quórum dos Doze e outros líderes da Igreja estavam fora de Nauvoo, servindo como missionários. Passaram-se vários dias até que esses homens tivessem notícia das mortes. Quando Brigham Young ouviu a notícia, ele sabia que as chaves da liderança do sacerdócio ainda estavam na Igreja, pois essas chaves haviam sido dadas ao Quórum dos Doze. Nem todos os membros da Igreja, contudo, sabiam quem deveria tomar o lugar de Joseph Smith como profeta do Senhor, vidente e revelador.

Sidney Rigdon, Primeiro Conselheiro na Primeira Presidência, chegou de Pittsburgh, Pensilvânia, em 3 de agosto de 1844. No ano anterior, ele começara a tomar um rumo contrário aos conselhos do Profeta Joseph Smith e afastara-se da Igreja. Recusara-se a reunir-se com os três membros do Quórum dos Doze já em Nauvoo e, em vez disso, falara a um grande grupo de santos na reunião de domingo. Falou-lhes acerca de uma visão que recebera, na qual soube que ninguém poderia substituir Joseph Smith. Disse que deveria ser designado um guardião para a Igreja e que esse guardião deveria ser Sidney Rigdon. Poucos santos o apoiaram.

Brigham Young, Presidente do Quórum dos Doze Apóstolos, não retornou a Nauvoo antes de 6 de agosto de 1844. Ele declarou que desejava apenas saber “o que Deus [tinha] a dizer” a respeito de quem deveria liderar a Igreja.19 Os Doze marcaram uma reunião para terça-feira, 8 de agosto de 1844. Sidney Rigdon falou na sessão matutina por mais de uma hora. Praticamente ninguém o apoiou.

Brigham Young falou depois, brevemente, confortando os santos. Quando Brigham falou, recordou George Q. Cannon, “foi com a voz do próprio Joseph”, e “pareceu aos olhos do povo que era a pessoa do Profeta que estava diante deles”.20 William C. Staines testificou que Brigham Young falara com a voz do Profeta Joseph. “Pensei que fosse ele”, disse Staines, “e milhares de pessoas que o ouviram pensaram o mesmo”.21 Wilford Woodruff recordou-se também desse momento maravilhoso e escreveu: “Se não o tivesse visto com meus próprios olhos, ninguém poderia convencer-me de que não era Joseph Smith, e qualquer pessoa que conhecesse esses dois homens afirmaria a mesma coisa”.22 Essa manifestação miraculosa, presenciada por muitos, deixou claro aos santos que o Senhor havia escolhido Brigham Young para ser o sucessor de Joseph Smith como líder da Igreja.

Na sessão vespertina, Brigham Young falou novamente, testificando que o Profeta Joseph ordenara os Apóstolos como portadores das chaves do reino de Deus em todo o mundo. Ele profetizou que aqueles que não seguissem os Doze não prosperariam, e que apenas os Apóstolos conseguiriam edificar o reino de Deus.

Após seu discurso, o Presidente Young pediu a Sidney Rigdon que falasse, mas ele não quis. Depois de algumas palavras de William W. Phelps e Parley P. Pratt, Brigham Young tornou a ocupar o púlpito. Ele falou a respeito de se terminar a construção do Templo de Nauvoo, de se receber a investidura antes da partida para o deserto e da importância das escrituras. Falou de seu amor por Joseph Smith e seu afeto pela família do Profeta. Os santos votaram unanimemente a favor dos Doze Apóstolos como líderes da Igreja.

Embora alguns reivindicassem o direito à Presidência da Igreja, para a maioria dos santos dos últimos dias a crise da sucessão havia terminado. Brigham Young, o Apóstolo sênior e Presidente do Quórum dos Doze, era o homem que Deus escolhera para liderar Seu povo, e o povo uniu-se para apoiá-lo.

Notas

  1. “Journal of Louisa Barnes Pratt”, Heart Throbs of the West, comp. Kate B. Carter, 12 vols. (1939-1951), 8:229.

  2. “Journal of Louisa Barnes Pratt”, 8:233.

  3. “Journal of Mary Ann Weston Maughan”, Our Pioneer Heritage, comp. Kate B. Carter, 9 vols. (1958-1966), 2:353-354.

  4. History of the Church, 4:186.

  5. Louisa Decker, “Reminiscenses of Nauvoo”, Woman’s Exponent, mar. 1909, p. 41.

  6. “The Mormons and Indians”, Heart Throbs of the West, 7:385.

  7. B. H. Roberts, A Comprehensive History of the Church, 2:472.

  8. History of the Church, 5:2.

  9. Minutes of the Female Relief Society of Nauvoo, 28 abr. 1842, p. 40.

  10. Minutes of the Female Relief Society of Nauvoo, 28 abr. 1842, p. 33.

  11. “Journal of Louisa Barnes Pratt”, 8:231.

  12. History of the Church, 4:587, 604; 6:558.

  13. History of the Church, 6:555.

  14. Kenneth W. Godfrey, “A Time, a Season, When Murder Was in the Air”, Mormon Heritage, jul./ago. 1994, pp. 35-36.

  15. History of the Church, 6:601.

  16. Mathias Cowley, “Reminiscenses” (1856), p. 3; LDS Church Archives.

  17. Thomas Ford, A History of Illinois, ed. Milo Milton Quaife, 2 vols. (1946), 2:217.

  18. Thomas Ford, A History of Illinois, 2:221-23.

  19. History of the Church, 7:230.

  20. Citado em History of the Church, 7:236; Meu Reino Avançará [São Paulo, A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, s/d], p. 12.

  21. Citado em History of the Church, 7:236.

  22. Citado em History of the Church, 7:236.