Jesus Cristo
Capítulo 28: O Último Inverno


Capítulo 28

O Último Inverno

Na Festa da Dedicaçaoa

Jesus retornou a Jerusalém, a tempo de assistir à Festa da Dedicação, durante o último inverno de Sua vida terrena. Essa festa, como a dos Tabernáculos, tinha caráter de júbilo nacional, e era celebrada anualmente por um período de oito dias, começando no dia do Quisleu,b que corresponde, em parte, ao nosso dezembro. Esta não era uma das grandes festas prescritas pelo estatuto mosaico, mas fora estabelecida em 164 ou 163 a.C., por ocasião da rededicação do Templo de Zorobabel, após a restauração da estrutura sagrada, realizada depois de ser profanado por Antíoco Epífanes, o rei pagão da Siria.c Durante o festival, Jesus esteve no templo e foi visto andando na parte conhecida como Pórtico de Salomão.d Sua presença tornou-se conhecida dos judeus, que o rodearam com espírito hostil, e ostensivamente para inquiri-lo. E assim o interpelaram: “Até quando terás a nossa alma suspensa? Se tu és o Cristo, dize-no-lo abertamente.” O simples fato de formularem tal pergunta evidencia a impressão profunda e perturbadora que o ministério de Cristo havia produzido entre as classes oficiais e o povo em geral. Em sua estimativa, as obras que Ele realizara pareciam dignas do Messias.

A resposta do Senhor foi dada de forma indireta, embora a sua substância e o seu efeito fossem penetrantes e inequívocos. Ele referiu-se às Suas declarações anteriores e às Suas inúmeras obras. “Já vo-lo tenho dito”, afirmou, “e não o credes. As obras que eu faço, em nome de meu Pai, essas testificam de mim. Mas vós não credes porque não sois das minhas ovelhas, como já vo-lo tenho dito. As minhas ovelhas ouvem a minha voz; e eu conheço-as, e elas me seguem; e dou-lhes a vida eterna, e nunca hão de perecer, e ninguém as arrebatará da minha mão. Meu Pai que mas deu, é maior do que todos; e ninguém pode arrebatá-las da mão de meu Pai. Eu e o Pai somos um.” A referência ao que fora dito antes foi um lembrete de Seus ensinamentos por época de uma permanência anterior entre eles, quando proclamara ser o Eu Sou, que era mais velho e maior do que Abraão, e de Sua outra proclamação de que era o Bom Pastor.e

Ele não podia responder à pergunta deles com uma simples afirmação absoluta, pois, dessa forma, entenderiam que Ele clamava ser o Messias de acordo com Sua concepção — o rei e conquistador terreno a quem professavam esperar. Ele não era o tipo de Cristo que eles imaginavam, mas ainda, na verdade, era Pastor e Rei de todos aqueles que ouvissem Suas palavras e fizessem Suas obras. E a esses renovou a promessa de vida eterna e a garantia de que nenhum homem poderia arrancá-los de Suas mãos, ou das mãos do Pai. Os casuísticos judeus não podiam refutar esta doutrina, de escopo elevado e profundo, nem podiam encontrar nela a desculpa tão desejada para uma acusação frontal. A frase conclusiva de nosso Senhor, entretanto, enfureceu a turba hostil. “Eu e o Pai somos um”, foi a declaração solene que fez.f Em sua raiva, procuraram pedras para atirar-Lhe. Como os edifícios do templo ainda não estavam terminados, provavelmente havia muitos blocos e fragmentos de rocha à mão. E este foi o segundo atentado assassino à vida de nosso Senhor dentro dos limites da Casa de Seu Pai.g

Sem temor, e com a calma imponente de Sua majestade mais que humana, Jesus disse: “Tenho-vos mostrado muitas obras procedentes de meu Pai; por qual destas obras me apedrejais?” Raivosamente responderam: “Não te apedrejamos por alguma obra boa, mas pela blasfêmia; porque, sendo tu homem, te fazes Deus a ti mesmo.”h É óbvio que não haviam encontrado ambigüidade em Suas palavras. Ele citou-lhes então as escrituras, onde até mesmo juizes investidos de autoridade divina são chamados deuses,i e perguntou: “Não está escrito na vossa lei: Eu disse: Sois deuses? Pois se a lei chamou deuses àqueles a quem a palavra de Deus foi dirigida, e a Escritura não pode ser anulada:, àquele a quem o Pai santificou, e enviou ao mundo, vós dizeis: Blasfemas, porque disse: Sou Filho de Deus?” E então, revertendo à primeira confirmação de que havia sido comissionado pelo Pai que é maior do que todos, acrescentou: “Se não faço as obras de meu Pai, não me acrediteis; mas, se as faço, e não credes em mim, crede nas obras; para que conheçais e acrediteis que o Pai está em mim e eu nele”. j Novamente os judeus procuraram prendêlo, mas foram frustrados em seu propósito por meios não mencionados. Ele saiu do seu alcance e afastou-Se do templo.

O Retiro de Nosso Senhor na Peréiak

A violenta hostilidade dos judeus em Jerusalém, quartel-general da teocracia, era tal, que Jesus Se retirou da cidade e de seus arredores. o dia de Seu sacrifício ainda não chegara, e embora Seus inimigos não O pudessem matar até que Ele permitisse ser apanhado por eles, Seu trabalho seria retardado por maiores distúrbios hostis. Retirou-Se para o local em que João Batista iniciara seu ministério público, que é provavelmente o lugar em que nosso Senhor foi batizado. O local exato não é especificado. Era, sem dúvida alguma, além do Jordão, e portanto na Peréia. Lemos que Jesus ali permaneceu, e assim deduzimos que Ele Se fixou em uma localidade, em vez de viajar de cidade em cidade, como era Seu costume. O povo procurou-O até lá, entretanto, e muitos acreditaram Nele. O lugar era caro àqueles que tinham ido ouvir João e ser batizados por ele.l E lembrando-se dos veementes chamados ao arrependimento, da emocionante proclamação do reino pelo lamentado Batista, que fora assassinado, recordavam-se de sua afirmação de que Um maior do que ele viria, e viam em Jesus a realização daquele testemunho. “João”, diziam eles, “não fez sinal algum, porém tudo quanto disse a respeito deste era verdade.”

A duração dessa estada na Peréia não é registrada em qualquer lugar das escrituras. Não pode ter sido de mais de algumas semanas, no máximo. Possivelmente alguns dos discursos, instruções e parábolas já tratados, que colocamos após a partida de nosso Senhor de Jerusalém depois da Festa dos Tabernáculos, no outono anterior, pertencem cronologicamente a este intervalo. Desse retiro de calma relativa Jesus voltou à Judéia, atendendo a um apelo ansioso de alguém a quem amava. Partiu de Betânia, na Peréia, para a Betânia da Judéia, onde moravam Marta e Maria.m

Lázaro Restaurado à Vidan

Lázaro, irmão de Maria e Marta, estava doente em sua casa, na Betânia da Judéia. Suas devotadas irmãs enviaram um mensageiro a Jesus, com um simples anúncio, no qual, entretanto, não podemos deixar de reconhecer um apelo angustiado: “Senhor, eis que está enfermo aquele que tu amas.” Quando Jesus recebeu a mensagem, comentou: “Esta enfermidade não é para morte, mas para glória de Deus; para que o Filho de Deus seja glorificado por ela.” Este foi provavelmente o recado levado às irmãs a quem Jesus amava. Entrementes, Lázaro morreu. Na verdade, ele deve ter expirado logo após a partida do mensageiro que levara a notícia de sua enfermidade. O Senhor sabia que Lázaro estava morto; entretanto, ainda se demorou onde estava por dois dias, após receber a mensagem. E então, surpreendeu os discípulos, dizendo: “Vamos outra vez para a Judeia.” Eles tentaram dissuadi-Lo, lembrando-Lhe o recente atentado que sofrera em Jerusalém, e perguntaram admirados: “Tornas para lá?” Jesus deixou claro que não seria afastado do dever quando era tempo de executá-lo, e nem os outros o deviam ser; pois, conforme ilustrou, a jornada de trabalho tem doze horas, e durante esse tempo, um homem pode andar sem tropeçar, pois anda na luz; mas se deixa que as horas passem e tenta andar ou trabalhar no escuro, tropeça. Aquele era o Seu período de trabalho, e Ele não estava cometendo um erro, voltando à Judéia.

E acrescentou: “Nosso amigo Lázaro dorme, mas vou despertá-lo do sono.” A comparação da morte com o sono era comum entre os judeus, como o é entre nós;o mas os discípulos interpretaram o que Ele disse literalmente, e comentaram que se o doente dormia, é porque estava bem. Jesus esclareceu: “Lázaro está morto.” E acrescentou: “E folgo, por amor de vós, de que eu lá não estivesse, para que acrediteis; mas vamos ter com ele.” E evidente que Jesus já havia resolvido trazer Lázaro de volta à vida. E, como veremos, o milagre seria um testemunho de que nosso Senhor era o Messias, e seria convincente para todos que O aceitassem. Uma volta à Judéia naquela ocasião era considerada, pelo menos por alguns dos apóstolos, com séria apreensão. Temiam pela segurança de seu Mestre, e achavam que suas próprias vidas corriam perigo. Entretanto, não hesitaram em ir. Tomé corajosamente disse aos outros: “Vamos nós também, para morrermos com ele.”

Chegando aos arredores de Betânia, Jesus soube que Lázaro “já havia quatro dias que estava na sepultura”.p As irmãs, consternadas, estavam em casa, onde, segundo o costume, se haviam reunido seus amigos para consolá-las em sua dor. Entre estes, encontravam-se muitas pessoas preeminentes, algumas das quais haviam chegado de Jerusalém. Marta foi a primeira a receber a notícia da aproximação do Mestre, e correu para encontrá-Lo. Suas primeiras palavras foram: “Senhor, se tu estivesses aqui, meu irmão não teria morrido.” Essas palavras foram uma combinação de angústia e de fé; mas, temendo que parecessem uma expressão de falta de confiança, apressou-se a acrescentar: “Mas também agora sei que tudo quanto pedires a Deus, Deus to concederá.” Então pronunciou Jesus palavras de ternura, infundindo-lhe confiança: “Teu irmão há de ressuscitar.” Talvez alguns dos judeus que a tinham confortado houvessem afirmado a mesma coisa, pois eles, com exceção dos saduceus, acreditavam na ressurreição. E Marta não encontrou nas palavras do Senhor mais do que uma promessa generalizada de que o irmão que havia partido, se ergueria com o resto dos mortos. Assentindo naturalmente e num tom aparentemente casual, ela replicou: “Eu sei que há de ressuscitar na ressurreição do último dia.” Então disse Jesus: “Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá; e todo aquele que vive, e crê em mim, nunca morrerá. Crês tu isto?”

A fé da mulher precisava ser elevada e centralizada no Senhor da Vida, com quem estava falando. Ela já confessara sua convicção de que, o que quer que Jesus pedisse a Deus, Lhe seria concedido. Precisava saber que a Jesus já havia sido consignado o poder sobre a vida e a morte. Esperava ansiosamente alguma intervenção sobre-humana do Senhor Jesus em seu favor, entretanto não sabia como poderia ser. Aparentemente, não tinha uma idéia bem definida, ou mesmo esperança de que ele chamaria seu irmão da tumba.

À pergunta do Senhor — se ela acreditava no que Ele acabara de dizer — respondeu com franqueza e simplicidade; ela não podia compreender tudo, mas acreditava naquele que falava, embora incapaz de apreender plenamente Suas palavras. “Sim, Senhor”, disse ela, “creio que tu és o Cristo, o Filho de Deus, que havia de vir ao mundo.”

Voltou então para casa, e discretamente, por causa da presença de alguns que sabia terem sentimentos inamistosos para com Jesus, disse a Maria: “O Mestre chegou e te chama.” Maria saiu apressadamente. Os judeus que estavam com ela acharam que a dor a impelia novamente para junto do túmulo, e a seguiram. Quando encontrou o Mestre, ajoelhou-se a Seus pés, e desabafou sua mágoa com as mesmas palavras usadas por Marta: “Senhor, se tu estivesses aqui, meu irmão não teria morrido.” Não podemos ter dúvidas de que esta convicção havia sido motivo de comentários e lamentações entre as duas irmãs — se Jesus tivesse estado com elas, não teriam sofrido a perda do irmão.

A visão das duas mulheres tão dominadas pela dor, e do povo chorando com elas, fez Jesus sofrer de tal forma, que ficou com o espírito conturbado e profundamente comovido. “Onde o sepultastes?” perguntou. E Jesus chorou. Alguns do grupo, aproximando-se do túmulo e observando a emoção e as lágrimas do Senhor, disseram: “Vede quanto o amava!” mas outros, menos solidários em conseqüência de seu preconceito contra Cristo, perguntaram em tom de crítica e de reprovação: “Não podia ele, que abriu os olhos ao cego, fazer também com que este não morresse?” O milagre pelo qual um cego de nascimento passara a enxergar era muito conhecido, especialmente por causa da investigação oficial que seguira a cura.q Os judeus haviam sido obrigados a admitir a realidade da extraordinária ocorrência. E a questão agora suscitada — se ou por que alguém que podia realizar tal maravilha não poderia ter preservado da morte um homem atacado de uma enfermidade comum, especialmente sendo esse homem alguém que Ele parecia ter amado tanto, era uma insinuação de que o poder de Jesus era afinal de contas limitado, e de operação incerta ou caprichosa. Esta manifestação de descrença malévola fez com que Jesus novamente gemesse com tristeza, senão com indignação.r

O corpo de Lázaro havia sido enterrado em uma gruta, cuja entrada fora fechada com um grande bloco de pedra. Tais túmulos eram comuns naquela região, grutas naturais ou abóbadas cavadas na rocha sólida, usadas como sepulcros pelas classes mais altas. Jesus ordenou que a tumba fosse aberta. Marta, ainda despreparada para o que iria acontecer, aventurou-se a protestar, dizendo a Jesus que o corpo já estava enterrado havia quatro dias, e que a decomposição devia ter-se iniciado.s Jesus tratou assim sua objeção: “Não te hei dito que, se creres, verás a glória de Deus?” Esta pergunta pode ter sido feita em referência tanto a Sua promessa a Maria, pessoalmente, de que seu irmão se ergueria novamente, quanto à mensagem que enviara da Peréia — de que a doença de Lázaro não o levaria à morte naquela época, mas que era para a glória de Deus, e para que o Filho de Deus pudesse ser glorificado por ela.

A rocha foi removida. Em pé, junto ao portal da tumba, Jesus levantou os olhos para o céu e orou: “Pai, graças te dou por me haveres ouvido. Eu bem sei que sempre me ouves, mas eu disse isto por causa da multidão que está em redor, para que creiam que tu me enviaste.” Ele não pediu poder ou autoridade ao Pai; isso já Lhe fora dado. Mas deu graças e, de forma que todos que ali se encontravam pudessem ouvir, reconheceu o Pai e expressou a unidade de Seus próprios propósitos e dos propósitos do Pai. E então, em voz alta, ordenou: “Lázaro, sai para fora.” O morto ouviu a voz de comando autoritativo; o espírito imediatamente reentrou no tabernáculo de carne, e os processos físicos da vida foram reiniciados. E Lázaro, novamente vivo, ergueu-se. Sua liberdade de movimentos era limitada, pois a indumentária dos mortos tolhia-lhe os passos, e seu rosto estava ainda preso pelo lenço que segurara o maxilar sem vida. E Jesus disse àqueles que estavam perto: “Desligai-o e deixai-o ir.”

Todo esse processo foi caracterizado por uma solenidade profunda e por uma ausência total de qualquer elemento de exibição desnecessária. Jesus, que estando a milhas de distância, e não possuindo qualquer meio comum para receber a informação, soube que Lázaro estava morto, certamente poderia ter encontrado o túmulo. Mas perguntou: “Onde o sepultastes?” Ele, que podia acalmar as ondas do mar com uma palavra, poderia, milagrosamente, ter removido a rocha que selava a entrada do sepulcro. Mas ordenou: “Tirai a pedra. Aquele que podia reunir o espírito e o corpo, poderia ter removido sem mãos a mortalha que prendia Lázaro reanimado. Mas Ele disse: “Desligai-o e deixai-o ir.” Tudo aquilo que podia ser realizado por meios humanos foi deixado ao homem. Em nenhum caso encontramos Jesus usando desnecessariamente os poderes sobre-humanos que possuía, como Deus. A energia divina jamais foi desperdiçada. Até mesmo a criação material, resultante do Seu exercício foi conservada, como o testificam Suas instruções de que fossem recolhidos os fragmentos de pão e peixe, depois que as multidões haviam sido milagrosamente alimentadas.t

O reavivamento de Lázaro é o terceiro caso de restauração à vida efetuado por Jesus, de que temos registro.u Em cada um deles, o milagre resultou em um recomeço da existência mortal, não constituindo, de forma alguma, uma ressurreição da morte para a imortalidade. No reavivamento da filha de Jairo, o espírito foi chamado de volta logo após sua partida; o reavivamento do filho da viúva nos dá um exemplo de restauração quando o corpo estava pronto para a sepultura; o milagre máximo dos três foi o de chamar um espírito para reentrar em seu corpo dias após a morte, e quando, seguindo os processos naturais, o corpo estaria já nos primeiros estágios de decomposição. Lázaro foi erguido dentre os mortos não simplesmente para mitigar a dor de seus parentes; miríades têm chorado seus mortos, e miríades ainda terão que fazê-lo. Um dos propósitos do Senhor era demonstrar a realidade do poder de Deus como manifestado nas obras de Jesus, o Cristo, e Lázaro foi o objeto da manifestação; da mesma forma que o homem que sofria de cegueira congênita havia sido escolhido para ser um através de quem “se manifestem as obras de Deus.”v

Que a restauração da vida de Lázaro teve grande efeito, testificando quanto à qualidade messiânica de nosso Senhor, é declarado explicitamente.w Todas as circunstâncias que culminaram no milagre, contribuíram para sua confirmação. Não podia ser suscitada qualquer dúvida quanto à morte real de Lázaro pois ela fora testemunhada, seu corpo preparado e enterrado da forma costumeira, e ele jazera no túmulo durante quatro dias. Junto à tumba, quando foi chamado de volta, havia muitas testemunhas, algumas delas judeus preeminentes, muitos dos quais alimentavam sentimentos inamistosos por Jesus, e que teriam prontamente negado o milagre, caso pudessem fazê-lo. Deus foi glorificado, e a divindade do Filho do Homem confirmada.

A Hierarquia Grandemente Agitada pelo Milagrex

Como aconteceu com a maioria dos atos públicos de nosso Senhor — enquanto alguns que viam e ouviam eram levados a acreditar Nele, outros rejeitavam a lição oferecida e injuriavam o Mestre — também aconteceu com esta obra poderosa—alguns passaram a crer e outros partiram com a mente obscurecida e o espírito mais maligno do que nunca. Alguns daqueles que haviam visto o morto ser reavivado foram imediatamente relatar o acontecido às autoridades, que sabiam ser intensamente hostis em relação a Jesus. Na parábola que estudamos recentemente, o espírito do rico suplicou, de onde estava padecendo, que Lázaro, o antigo mendigo, fosse enviado do paraíso à Terra para avisar os outros sobre o destino que esperava os iníquos, ao que Abraão replicou: “Se não ouvem a Moisés e aos profetas, tampouco se deixarão persuadir, ainda que ressuscite alguém dentre os mortos.”y Agora um Lázaro havia realmente levantado dentre os mortos, e muitos dos judeus rejeitaram o testemunho de sua volta e recusaram-se a acreditar em Cristo, somente por meio de quem a morte é sobrepujada. Os judeus tentaram apoderar-se de Lázaro para matá-lo e, segundo esperavam, silenciar para sempre seu testemunho do poder do Senhor sobre a morte.z

Os principais sacerdotes, na maioria saduceus, e os fariseus reuniram-se em conselho para considerar a situação criada pela última das grandes obras do Senhor. A questão que discutiram foi: “Que estamos fazendo, uma vez que este homem opera muitos sinais? Se O deixarmos assim, todos crerão Nele; depois virão os romanos e tomarão não só o nosso lugar, mas a própria nação.” Como eles próprios afirmaram, não havia possibilidade de negar o fato dos muitos milagres realizados por Jesus; mas, ao invés de cuidadosamente e em espírito de oração investigar se essas obras poderosas não estavam entre as características preditas do Messias, pensaram apenas no possível efeito da influência de Cristo, alienando o povo da teocracia estabelecida, e no medo de que os romanos, tirando vantagem da situação, privassem os hierarcas de seu “lugar” e a nação da pouca aparência de autonomia que ainda lhe restava. Caifás, o sumo sacerdote,a encurtou a discussão dizendo: “Vós nada sabeis.” Esta acusação esmagadora de ignorância foi provavelmente dirigida aos fariseus do Sinédrio. Caifás era um saduceu. Sua afirmação seguinte foi de maior significação do que ele próprio imaginou: “Nem considerais que vos convém que morra um só homem pelo povo, e que não venha a perecer toda a nação.” João afirma solenemente que Caifás não falou por si mesmo, mas pelo espírito da profecia, o qual, apesar de sua iniqüidade, lhe foi concedido em virtude de seu cargo, e que: “Ele profetizou que Jesus estava para morrer pela nação, e não somente pela nação, mas também para reunir em um só corpo os filhos de Deus, que andam dispersos.” Poucos anos após ter sido morto o Cristo, pela salvação dos judeus e de todas as outras nações, as calamidades que Caifás e o Sinédrio tinham a esperança de evitar, aconteceram de maneira total. A hierarquia foi deposta, o templo destruído, Jerusalém demolida e a nação despedaçada. A partir do dia daquela memorável sessão do Sinédrio, as autoridades aumentaram seus esforços para levar Jesus à morte, por quaisquer meios que pudessem encontrar. Emitiram uma ordem de que, quem quer que conhecesse o Seu paradeiro, o fornecesse aos oficiais, para que pudesse ser imediatamente preso.b

O Retiro de Jesus em Efraimc

A hostilidade das autoridades eclesiásticas tornou-se tão grande, que Jesus mais uma vez procurou retiro em uma região longe de Jerusalém o suficiente para garantir-Lhe segurança contra os olhos atentos e malignos de Seus poderosos e públicos inimigos. Restavam-Lhe apenas algumas semanas de vida mortal, e a maior parte desse breve período precisava ser devotada a novas instruções aos apóstolos. Prudentemente, afastou-Se das cercanias de Betânia e “retirou-se para uma região vizinha ao deserto, para uma cidade chamada Efraim; e ali permaneceu com os discípulos.” Assim passou nosso Senhor o resto do inverno, e provavelmente os primeiros dias da primavera seguinte. Que Seu retiro era confidencial, senão praticamente secreto, é sugerido pela declaração de João de que “Jesus já não andava publicamente entre os judeus”; outra indicação disto é encontrada no fato de que, embora os principais sacerdotes e fariseus tivessem virtualmente estabelecido um preço pela Sua cabeça, ninguém forneceu qualquer informação sobre o Seu paradeiro. O local deste último retiro não é conhecido de forma definitiva; e é geralmente considerado como uma localidade chamada Efraim ou Efrom,d que ficava a pouco menos de vinte milhas ao norte de Jerusalém. Igualmente incerta é a duração da permanência de nosso Senhor nesse local. Quando surgiu novamente em público, foi para iniciar Sua marcha solene em direção a Jerusalém e à cruz.

NOTAS DO CAPÍTULO 28

  1. Origem da Festa da Dedicação. — A respeito do segundo templo, conhecido como o Templo de Zorobabel, o autor escreveu em outro livro: “Sobre a história posterior deste templo, o registro bíblico nos dá apenas alguns detalhes; mas, por outras fontes, sabemos de suas vicissitudes. Por ocasião da perseguição dos macabeus, a Casa do Senhor foi profanada. Um rei sírio, Antíoco Epífanes, capturou Jerusalém (168 a 165 A.C.) e perpetrou ultrajes blasfemos contra a religião do povo. Saqueou o templo e tirou seus candelabros de ouro, o altar de incenso de ouro, a mesa do pão da proposição, e até rasgou os véus sagrados, feitos de fino linho escarlate. Sua malignidade foi levada tão longe, a ponto de propositadamente profanar o altar do sacrifício oferecendo ali porcos, e erigindo um altar idólatra dentro do recinto sagrado. Não satisfeito com a violação do templo, este iníquo monarca fez com que fossem edificados altares nas cidades, e ordenou a oferta de animais impuros nos mesmos. O rito da circuncisão foi proibido sob pena de morte, e a adoração de Jeová foi declarada crime. Como resultado desta perseguição, muitos judeus apostataram, e declararam que pertenciam aos medos e persas — as nações de cujo domínio tinham sido libertados pelo poder de Deus..’ Posteriormente, no ano 163 A.C., a Casa foi rededicada; e a ocasião era lembrada no festival anual realizado desde essa época, com o nome de Festa da Dedicação.” — “A Casa do Senhor”, pp. 45–47. De acordo com Josefo (Ant. xii, 7:7), o festival tornou-se conhecido como As Luzes; e uma iluminação brilhante, tanto do templo quanto das moradias, era uma característica da comemoração. Registros tradicionais dizem que foi estabelecido um período de oito dias para a duração da festa, celebrando um milagre legendário pelo qual o óleo consagrado existente no único jarro encontrado intacto, que trazia o selo do sumo sacerdote inviolado, fora usado de maneira a servir aos propósitos do templo durante oito dias, tempo esse requerido para a preparação cerimonial de um novo suprimento.

  2. O Pórtico de Salomão. — Este nome havia sido aplicado à colunata leste ou fila de pórticos dentro dos limites do templo, em reconhecimento a uma tradição de que o pórtico cobria e incluía uma porção da muralha original do Templo de Salomão. Ver “A Casa do Senhor”, pp. 49–51.

  3. A Unidade de Cristo e do Pai. — Aversão revisada apresenta João 10:30 da seguinte forma: “Eu e o Pai somos um”, ao invés de “Eu e meu Pai somos um.” Pela expressão “o Pai” os judeus corretamente compreendiam o Pai Eterno, Deus. No original grego, “um” aparece no gênero neutro, expressando assim unidade de atributos, poder ou propósitos, e não uma unidade de personalidade que requereria a forma masculina. Para estudo da unidade da Trindade e da personalidade separada de cada Membro, ver Regras de Fé, cap. 2.

  4. O Local do Retiro de Nosso Senhor. — Jesus foi “para além do Jordão, para o lugar onde João batizava no princípio” (João 10:40). Era provavelmente em Betabara (1:28), que é chamada de Betânia em alguns dos manuscritos mais antigos, sendo assim designada na última versão revisada.

    Deve-se ter cuidado para não confundir esta Betânia da Peréia com a Betânia na Judéia, lar de Marta e Maria, que ficava a duas milhas de Jerusalém.

  5. Lázaro no Túmulo Durante Quatro Dias. — Supondo-se, já que é muito provável, que a viagem da Betânia da Judéia para o lugar onde Jesus estava, na Peréia, levasse um dia, Lázaro deve ter morrido no dia da partida do mensageiro; pois este dia e os dois dias que se passaram antes que Jesus iniciasse Sua viagem para a Judéia, e o dia requerido para a volta, cobririam os quatro dias especificados. Era e ainda é costume na Palestina, como em outros países orientais, enterrar a pessoa no dia da morte.

    Era crença popular que no quarto dia após a morte, o espírito tinha finalmente abandonado as proximidades do corpo, e que daí por diante a decomposição prosseguia sem obstáculos. Isso pode explicar a objeção impulsiva, embora dócil de Marta, a que se abrisse o túmulo de seu irmão quatro dias após sua morte (João 11:39). E possível que o consentimento do parente mais próximo fosse requerido para a abertura legal de uma tumba. Tanto Marta quanto Maria estavam presentes, e diante de inúmeras testemunhas consentiram que se abrisse o túmulo em que se encontrava seu irmão.

  6. Jesus Gemeu em Espírito. — As traduções marginais de “ele gemeu no espírito” (João 11:33), e “novamente gemendo em si mesmo” (v. 38), na versão revisada são: “agitou-se com indignação no espírito” e “agitando-se com indignação em si mesmo”. Todas as autoridades filológicas concordam que as palavras no original grego expressam indignação pesarosa, ou, como afirmam alguns, ira, e não somente uma compassiva emoção de dor. Qualquer indignação que o Senhor possa ter sentido, como sugerido no versículo 33, pode ser atribuída por desaprovar as costumeiras lamentações pela morte, as quais, da maneira expressa pelos judeus nessa hora, profanavam a dor real e profunda de Marta e Maria; e Sua indignação, expressa por gemidos, como mencionado no versículo 38, pode ter sido devida às criticas queixosas externadas por alguns judeus, como registrado no versículo 37.

  7. Caifás, Sumo Sacerdote Daquele Ano. — A afirmação de João de que Caifás era sumo sacerdote “naquele ano” não deve ser interpretada como indicativa de que o cargo de sumo sacerdote tinha um período de posse de um ano apenas. Segundo a lei judaica, o sacerdote presidente, que era conhecido como sumo sacerdote, permanecia no cargo indefinidamente. Mas o governo romano havia usurpado o poder de fazer designações, no que concernia a este cargo; e mudanças freqüentes eram feitas. Este Caifás, cujo nome completo era Josefo Caifás, foi sumo sacerdote por designação romana, durante um período de onze anos. Os judeus tinham de submeter-se a tais designações, embora freqüentemente reconhecessem como sumo sacerdote segundo sua lei, algum outro que não o “sumo sacerdote civil” designado pela autoridade romana. assim encontramos Anás e Caifás com a autoridade do cargo na época da prisão de nosso Senhor e depois. (João 18:13, 24; Atos 4:6; comparar com Lucas 3:2) Farrar (p. 484, nota) diz: “Há quem encontre uma ironia óbvia na expressão de São João (11:49) de que Caifás era sumo sacerdote naquele ano’, como se os judeus se tivessem acostumado a falar desta maneira insolente durante a rápida sucessão de sacerdotes — meras sombras colocadas e tiradas pela sanção romana — que nos últimos anos haviam-se sucedido. Pelo menos cinco sumos sacerdotes e ex-sumos sacerdotes devem ter comparecido a este conselho — Anás, Ismael Ben Phabi, Eleazar Ben Haman, Simon Ben Kamhith, e Caifás, que chegou ao posto através de suborno.

  8. Juizes Divinamente Designados Chamados de “deuses”. — Em Salmos 82:6, juizes investidos por designação divina, são chamados de “deuses.” A essa escritura referiu-Se o Salvador em Sua resposta aos judeus no Pórtico de Salomão. Os juizes assim autorizados oficiam como representantes de Deus e são honrados pelo título exaltado de “deuses”. Compare a designação semelhante aplicada a Moisés (Êxodo 4:16; 7:1). Jesus Cristo possuía autorização divina, não por meio da palavra de Deus a ele transmitida pelo homem, mas como atributo inerente. A incongruência de chamar juizes humanos de “deuses”, e de atribuir blasfêmia ao Cristo por chamar-Se a Si próprio de Filho de Deus, teria sido óbvia aos judeus, não fosse por sua mente obscurecida pelo pecado.