Jesus Cristo
Capítulo 27: Continuação do Ministério na Peréia e na Judéia


Capítulo 27

Continuação do Ministério na Peréia e na Judéia

Na Casa de Um dos Principais Fariseusa

Em certo sábado, Jesus foi convidado para ir à casa de preeminente fariseu. Um homem atacado de hidropisia encontrava-se lá; talvez tenha comparecido na esperança de receber uma bênção, ou possivelmente sua presença fora planejada pelo anfitrião ou por outros, como meio de tentar Jesus, para que realizasse um milagre no dia santo. O poder de cura de nosso Senhor estava na mente dos convidados, mesmo que não o tenham insinuado ou sugerido abertamente, pois lemos que “Jesus, tomando a palavra, falou aos doutores da lei, e aos fariseus, dizendo: E lícito curar no sábado?”b Ninguém se aventurou a responder. Jesus imediatamente curou o homem; depois, voltando-Se para os presentes, perguntou: “Qual será de vós o que caindo-lhe num poço, em dia de sábado, o jumento ou o boi, não tire logo?”c Os eruditos expositores da lei permaneceram prudentemente silenciosos.

Observando a ansiedade dos convivas que tentavam conseguir os melhores lugares à mesa, Jesus instruíu-os quanto a uma questão de boas maneiras, ressaltando não somente a propriedade mas também a vantagem do autodomínio. Um convidado não deve escolher para si mesmo o lugar de honra, pois, se chegar alguém mais importante do que ele, o anfitrião poderá dizer: “Dá o lugar a este”. É melhor tomar um lugar mais modesto, e então, possivelmente, o dono da festa dirá: “Amigo, senta-te mais para cima”. Segue-se a moral: “Pois todo o que se exalta será humilhado; e o que se humilha, será exaltado.”d

Esta reunião festiva em casa do chefe fariseu contava com a presença de pessoas preeminentes, homens ricos e oficiais, líderes fariseus, eruditos renomados, rabis famosos, e outros da mesma categoria. Observando o distinto grupo, Jesus disse: “Quando deres um jantar ou uma ceia, não chames os teus amigos, nem os teus irmãos, nem os teus parentes, nem vizinhos ricos para que não suceda que também eles te tornem a convidar, e te seja isso recompensado. Mas, quando fizeres convite, chama os pobres, aleijados, mancos e cegos, e serás bem-aventurado; porque eles não têm com que to recompensar; mas recompensado te será na ressurreição dos justos”. Este conselho foi interpretado como uma reprovação; e alguém tentou aliviar o embaraço da situação, exclamando: “Bem-aventurado o que comer pãQ no reino de Deus”.e O comentário era uma alusão ao grande festival que, segundo o tradicionalismo judeu, devia ser um acontecimento de extraordinária importância na dispensação messiânica. Jesus aproveitou prontamente a circunstância para basear nela a “Parábola da Grande Ceia,” profundamente significativa:

“Um certo homem fez uma grande ceia, e convidou a muitos. E à hora da ceia mandou o seu servo dizer aos convidados: Vinde, que já tudo está preparado. E todos à uma começaram a escusar-se. Disse-lhe o primeiro: Comprei um campo, e importa ir vê-lo; rogo-te que me hajas por escusado. E outro disse: Comprei cinco juntas de bois, e vou experimentá-los; rogo-te que me hajas por escusado. E outro disse: Casei, e portanto não posso ir. E voltando aquele servo, anunciou estas coisas ao seu senhor. Então o pai de família, indignado, disse ao seu servo: Sai depressa pelas ruas e bairros da cidade, e traze aqui os pobres, e aleijados, e mancos, e cegos. E disse o servo: Senhor, feito está como mandaste; e ainda há lugar. E disse o Senhor ao servo: Sai pelos caminhos e valados e força-os a entrar, para que a minha casa se encha. Porque eu vos digo que nenhum daqueles homens que foram convidados provará a minha ceia.”f

A narrativa indica que os convites haviam sido feitos com bastante antecedência; e, no dia da festa, um mensageiro novamente notificou os convidados, como era o costume da época. Embora chamada de ceia, a refeição ia ser suntuosa; ademais, a refeição principal do dia era comumente chamada de ceia. Convidado após convidado declinou de comparecer, dizendo um: “Rogo-te que me tenhas por escusado”; outro: “Não posso ir”. Os assuntos que requeriam o tempo e a atenção daqueles que haviam sido convidados para a festa não eram desonrosos e muito menos pecaminosos; mas permitir, arbitrariamente, que questões pessoais anulassem um compromisso respeitável já aceito era descortesia, desrespeito e até mesmo insulto dirigido àquele que dava a festa. O homem que comprara um campo poderia ter transferido a inspeção; o que acabara de adquirir animais poderia ter esperado um dia para experimentá-los, e o recém-casado poderia ter deixado sua noiva e amigos durante o período da ceia a que prometera comparecer. E óbvio que nenhuma dessas pessoas desejava comparecer. O dono da casa zangou-se justamente. Sua ordem para que fossem trazidos os pobres e os aleijados, os coxos e os cegos das ruas da cidade, deve ter soado para aqueles que ouviam a narrativa do Senhor como uma reminiscência do conselho que Ele dera alguns minutos antes a respeito da espécie de hóspedes que um rico deveria convidar, com proveito para a sua alma. A segunda ordem para a saída do servo, desta vez por estradas e atalhos fora da cidade, para trazer até mesmo os pobres do campo, indica benevolência infinita e firme determinação por parte do anfitrião.

A explicação da parábola foi deixada aos eruditos a quem a história foi dirigida. Certamente, alguns deles iriam perceber seu significado, pelo menos em parte. Os hóspedes, especialmente convidados, eram o povo do convênio, Israel. Haviam sido convidados com antecedência suficiente, e por sua própria profissão de fé, de que pertenciam ao Senhor, haviam concordado em participar da festa. Quando tudo estava pronto, no dia designado, foram individualmente convocados pelo Mensageiro enviado pelo Pai. Ele estava, naquele momento, no meio deles. Mas o zelo pelas riquezas, a sedução das coisas materiais, e os prazeres da vida social e doméstica os haviam absorvido; e pediam para ser dispensados, ou irreverentemente declaravam que não compareceriam, que não podiam ir. E então, o alegre convite deveria ser levado aos gentios, que eram considerados espiritualmente pobres, aleijados, coxos e cegos. E mais tarde, até os pagãos de além fronteiras, estranhos aos portões da cidade santa, seriam convidados para a ceia. Estes, surpresos diante da convocação inesperada, hesitaram, até que, através de uma insistência bondosa, e de uma demonstração eficiente de que estavam realmente incluídos entre os convidados, se sentiriam constrangidos ou compelidos a comparecer. A possibilidade de alguns convidados descorteses chegarem atrasados, após terem atendido a afazeres mais absorventes, é indicada nas palavras finais do Senhor: “Porque eu vos digo que nenhum daqueles homens que foram convidados provará a minha ceia.”

O Preçog

Como acontecera na Galiléia, assim também na Peréia e na Judéia — grandes multidões acorriam logo que Ele aparecia publicamente. Quando certa vez um escriba se havia apresentado para ser Seu discípulo, oferecendo-se para ir aonde quer que o Mestre indicasse, Jesus citara a abnegação, a privação e o sofrimento como inerentes ao serviço devotado. O resultado foi que o entusiasmo do homem logo se desvaneceu.h E assim, agora, Jesus aplicava um teste de sinceridade à multidão ansiosa. Ele teria somente discípulos genuínos, não entusiastas de um dia, prontos para desertar a sua causa quando mais necessários fossem os esforços e os sacrifícios. Assim ele separou o povo: “Se alguém vier a mim, e não aborrece a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs e ainda a sua própria vida, não pode ser meu discípulo.” O ódio literal pela própria família não foi especificado como condição essencial do discípulo, e, sem dúvida, o homem que se entrega à ira ou qualquer outra paixão maligna, precisa de arrependimento e transformação. O princípio básico era a preeminência do dever para com Deus sobre as exigências pessoais ou familiares por parte daqueles que assumiam as obrigações de discípulo.i

Como indicou Jesus, é uma questão de bom senso considerar-se o custo antes de se entrar em um grande empreendimento, mesmo em questões comuns. Um homem que deseja construir, digamos, uma torre ou uma casa, tenta determinar, antes de iniciar o trabalho, quais serão as despesas; caso contrário, ele poderá não ter condições para ir além do alicerce; e então, não apenas ele sofrerá prejuízo, pois a estrutura inacabada não terá qualquer utilidade, mas também o povo se rirá dele pela sua falta de previsão. Assim também um rei, encontrando seu reino ameaçado por invasores hostis, não corre ao combate temerariamente; primeiro tenta certificar-se da força do inimigo, e depois, se as chances contra ele forem muito grandes, envia mensageiros para negociar a paz. “Assim pois”, disse Jesus ao povo que O rodeava, “todo aquele que dentre vós não renuncia a tudo quanto tem, não pode ser meu discípulo.” Ele esperava de todos os que entrassem para o Seu serviço uma devoção abnegada. Não queria que qualquer de Seus discípulos se tornasse como o sal que se estraga, sem sabor e inútil. “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça.”j

Salvação para “Publicanos e Pecadores”—Parábolas Ilustrativask

Os fariseus da Galiléia haviam intolerantemente criticado Jesus pelo Seu ministério amigável e útil entre os publicanos e os que se lhes associavam, e que eram depreciativamente classificados em conjunto como “publicanos e pecadores”.l Ele replicara a estas maledicências inclementes dizendo que um médico é mais necessitado por aqueles que estão doentes, e que Ele próprio viera para chamar os pecadores ao arrependimento. Os fariseus da Judéia fizeram uma queixa semelhante, e tornaram-se particularmente virulentos, quando viram que “todos os publicanos e pecadores” se aproximavam para ouvi-Lo. O Senhor enfrentou essas murmurações apresentando um número de parábolas, que tinham por fim demonstrar o dever de tentar-se recuperar os perdidos, e a alegria do sucesso em tal esforço divino. A primeira da série foi a da Ovelha Perdida, que foi por nós considerada em relação a um discurso anterior de instrução aos discípulos na Galiléia.m Sua aplicação no caso presente, entretanto, é um pouco diferente daquela de Sua primeira apresentação. A lição, nessa ocasião posterior, foi dirigida aos fariseus e escribas egoístas, que personificavam a teocracia, e cujo dever obrigatório deveria ter sido cuidar dos desviados e perdidos. Se os “publicanos e pecadores”, que esses eclesiásticos desprezavam de maneira tão geral, fossem tão ruins quanto afirmavam, se tivessem rompido os caminhos estreitos da lei e se tornado, de certa forma, apóstatas, seriam justamente aqueles em direção a quem as mãos auxiliadoras do serviço missionário deveriam ser estendidas em primeiro lugar. Em nenhum caso de crítica farisaica, ou denúncia aberta a esses “publicanos e pecadores”, encontramos Jesus defendendo seus supostos caminhos iníquos; Sua atitude em relação a esses enfermos espirituais era a de um médico devotado. Sua preocupação por essas ovelhas desviadas era a de um pastor amoroso, cujo principal desejo era encontrá-las e leválas de volta ao redil. E isso, nem a teoria como sistema, nem seus oficiais, como ministros individuais, chegaram ao menos a tentar. O pastor, ao encontrar a ovelha que estava perdida, não pensa, no momento, em reprimenda ou punição — ao contrário, “achando-a, a põe sobre os ombros, gostoso. E, chegando a casa, convoca os amigos e vizinhos, dizendo-lhes: Alegrai-vos comigo, porque já achei a minha ovelha perdida.”

Uma aplicação direta da parábola aparece na declaração concisa do Senhor aos fariseus e escribas: “Digo-vos que assim haverá alegria no céu por um pecador que se arrepende, mais do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento.” Eram eles os noventa e nove que presumiam não se ter desviado, sendo “justos que não necessitam de arrependimento?” Alguns leitores parecem apreender esta ponta de justo sarcasmo nas palavras conclusivas do Mestre. Na primeira parte da história, o próprio Senhor aparece como o Pastor solícito, e é clara a implicação de que o exemplo que dá deveria ser imitado pelos líderes teocráticos. Tal concepção coloca os fariseus e escribas na posição de pastores, em vez de ovelhas. Ambas as explicações são sustentáveis, e as duas têm valor por retratar o status e o dever dos servos confessos do Mestre em todas as épocas.

Sem interromper a narrativa, o Senhor passou da história da ovelha perdida para a Parábola da Dracma Perdida.

“Ou qual a mulher que, tendo dez dracmas, se perder uma dracma, não acende a candeia, e varre a casa, e busca com diligência até a achar? E, achando-a, convoca as amigas e vizinhas, dizendo: Alegrai-vos comigo, porque achei a dracma perdida. Assim vos digo que há alegria diante dos anjos de Deus por um pecador que se arrepende.”

Entre esta parábola e a da ovelha perdida existem certas diferenças notáveis, embora a lição de cada uma seja, de forma geral, a mesma. A ovelha desgarrara-se por sua própria vontade; a moedan havia sido derrubada, e portanto fora perdida em conseqüência de desatenção ou descuido culposo por parte de seu possuidor. A mulher, descobrindo sua perda, enceta uma busca diligente; varre a casa, e talvez descubra cantos sujos, recessos empoeirados, teias de aranha, que havia ignorado em sua autocomplacência como dona de casa convencional, aparentemente limpa. A busca é recompensada pela recuperação da moeda perdida, e é incidentalmente benéfica para a limpeza de sua casa. A alegria que sente é como a do pastor que volta para casa com a ovelha uma vez perdida, mas agora recuperada, sobre os ombros.

A mulher que, por falta de cuidado, perdeu a moeda preciosa, pode representar a teocracia da época, e a Igreja como instituição, em qualquer época; e as moedas de prata, todas genuínas peças do reino, contendo a imagem do grande Rei, são as almas entregues aos cuidados da Igreja. As peças perdidas simbolizam as almas que são negligenciadas e, pelo menos por algum tempo, perdidas de vista pelos ministros autorizados do Evangelho de Cristo. Essas convincentes ilustrações foram seguidas por outra ainda mais rica em imagem, e mais impressionantemente elaborada em detalhes. É a inesquecível Parábola do Filho Pródigo.o

“E disse: Certo homem tinha dois filhos; e o mais moço deles disse ao pai: Pai, dá-me a parte da fazenda que me pertence. E ele repartiu por eles a fazenda. E poucos dias depois, o filho mais novo, ajuntando tudo, partiu para uma terra longínqua e ali desperdiçou a sua fazenda, vivendo dissolutamente.

E, havendo ele gastado tudo, houve naquela terra uma grande fome, e começou a padecer necessidades. E foi, e chegou-se a um dos cidadãos daquela terra, o qual o mandou para os seus campos a apascentar porcos. E desejava encher o seu estômago com as bolotas que os porcos comiam, e ninguém lhe dava nada. E, tornando em si, disse: Quantos jornaleiros de meu pai têm abundância de pão, e eu aqui pereço de fome! Levantar-me-ei, e irei ter com meu pai, e dirlhe-ei: Pai, pequei contra o céu e perante ti; já não sou digno de ser chamado teu filho; faze-me como um dos teus jornaleiros. E, levantando-se, foi para seu pai; e, quando ainda estava longe, viu-o seu pai, e se moveu de íntima compaixão e, correndo, lançou-se-lhe ao pescoço e o beijou. E o filho lhe disse: Pai, pequei contra o céu e perante ti; e já não sou digno de ser chamado teu filho. Mas o pai disse aos seus servos: Trazei depressa a melhor roupa, e vesti-lho, e ponde-lhe um anel na mão e alparcas nos pés; e trazei o bezerro cevado, e matai-o; e comamos, e alegremo-nos; porque este meu filho estava morto, e reviveu, tinha-se perdido, e foi achado. E começaram a alegrar-se. E o seu filho mais velho estava no campo; e quando veio, e chegou perto de casa, ouviu a música e as danças. E chamando um dos servos, perguntou-lhe que era aquilo. E ele lhe disse: Veio teu irmão; e teu pai matou o bezerro cevado, porque o recebeu são e salvo. Mas ele se indignou, e não queria entrar. E, saindo o pai, instava com ele. Mas, respondendo ele, disse ao pai: Eis que te sirvo há tantos anos, sem nunca transgredir o teu mandamento, e nunca me deste um cabrito para alegrar-me com os meus amigos; vindo, porém, este teu filho, que desperdiçou os teus bens com as meretrizes, mataste-lhe o bezerro cevado. E ele lhe disse: Filho, tu sempre estás comigo, e todas as minhas coisas são tuas; Mas era justo alegrarmonos e folgarmos, porque este teu irmão estava morto, e reviveu; e tinha-se perdido, e achou-se.”

A exigência do filho mais jovem, de que lhe fosse entregue uma parte do patrimônio enquanto seu pai ainda vivia, é um exemplo de deserção deliberada e pouco filial; os deveres de cooperação familiar se lhe haviam tornado desagradáveis, e a sadia disciplina do lar passara a ser fatigante. Ele estava determinado a quebrar todos os laços familiares, esquecido daquilo que o lar havia feito por si, e da dívida de gratidão, e do dever a que estava moralmente obrigado. Dirigiu-se a um país distante, e, como pensava, fora do alcance da influência disciplinar do pai. Teve sua dose de vida luxuriante, de indulgência desenfreada e de prazer pecaminoso, e em tudo isso gastava as forças do corpo e da mente, esbanjando os recursos do pai, pois o que recebera, lhe fora dado como concessão e não como atendimento de qualquer exigência legal ou justa. A adversidade alcançou-o e provou ser um veículo do bem mais eficiente do que o tinha sido o prazer. Viu-se reduzido à condição mais baixa e mais desprezível, como guardador de porcos, trabalho esse que, para um judeu, era o extremo da degradação. O sofrimento fez com que voltasse a si. Ele, o filho de pais honrados, estava alimentando porcos e comendo com eles, enquanto os servos de sua casa tinham boa comida em abundância, e até de sobra. Compreendeu não apenas sua tolice abjeta, abandonando a mesa farta de seu pai para comer com porcos, mas também o erro de sua deserção egoísta — ele não sentia apenas remorsos, mas também arrependimento. Pecara contra o pai e contra Deus. Retornaria, confessaria seu pecado e pediria — não para ser readmitido como filho, mas que lhe fosse permitido trabalhar como empregado. Tendo tomado essa resolução, não se deteve, mas imediatamente começou a empreender a longa viagem de volta ao lar e ao pai.

O pai teve conhecimento da aproximação do filho pródigo, e correu ao seu encontro. Sem uma palavra de reprovação, o pai amante abraçou e beijou o filho transviado — agora arrependido — que, dominado por essa afeição imerecida, humildemente admitiu seu erro, e tristemente confessou que não era digno de ser conhecido como filho de seu pai. É digno de nota o fato de que nesta confissão contrita, não pediu para ser aceito como empregado como resolvera fazer. A alegria do pai era demasiado sagrada para ser estragada dessa forma; agradaria mais ao pai colocando-se de maneira irrestrita à sua disposição. O traje áspero da pobreza foi substituído pelo melhor manto; um anel foi colocado em seu dedo, como marca de readmissão. Os sapatos mostravam a restauração do lugar de filho, e não de empregado. O coração rejubilante do pai podia exprimir-se apenas em atos de bondade abundante; uma festa foi preparada, pois não era ele o filho, uma vez considerado morto, e agora vivo? O perdido não havia sido novamente encontrado?

Até aqui, a história apresenta uma relação de íntima analogia com as duas parábolas que a precederam no mesmo discurso; a parte seguinte introduz um outro simbolismo importante. Ninguém havia reclamado quando da recuperação da ovelha transviada e da moeda perdida. Os amigos se haviam regozijado com os proprietários, em cada caso. Mas a felicidade do pai pelo retorno do filho pródigo foi interrompida pelos protestos queixosos do primogênito. Este, aproximando-se da casa, observara as evidências de alegria festiva; e, ao invés de entrar, como era seu direito, perguntara a um dos servos a causa daquele júbilo incomum. Ao ter conhecimento de que seu irmão voltara e de que o pai preparara uma festa para celebrar o acontecimento, o filho mais velho zangou-se, e, com maus modos, recusou-se a entrar, mesmo depois de seu pai ir ter com ele e lhe pedir que o fizesse. Citou sua própria fidelidade e devoção ao trabalho rotineiro da fazenda, cuja excelência o pai não contestou; mas o herdeiro repreendeu o pai por nunca lhe ter dado ao menos um cabrito para alegrar-se com seus amigos, enquanto agora que o filho transviado e gastador retornara, o pai até matara para ele um novilho cevado. É significativo o fato de o filho mais velho designar o penitente como “esse teu filho”, e não como “meu irmão”. O primogênito, ensurdecido pela ira egoísta, recusou-se a entender a garantia afetuosa: “Filho, tu sempre estás comigo; tudo o que é meu é teu”, e com o coração endurecido pelo ressentimento, permaneceu impassível diante da emocionada explosão de amor: “esse teu irmão estava morto e reviveu, estava perdido e foi achado”.

Não existe justificativa para exaltarmos a virtude do arrependimento por parte do filho pródigo acima dos serviços fiéis e constantes de seu irmão, que permanecera em casa, atento aos deveres dele requeridos. O filho devotado era o herdeiro; o pai não menoscabou seu valor, nem lhe negou seus méritos. O desagrado pelo regozijo causado pela volta do irmão foi uma exibição de falta de liberalidade e mesquinhez. Mas, dos dois irmãos, o mais velho era o mais fiel, fossem quais fossem seus pequenos defeitos. O ponto especial ressaltado pelo Senhor em Sua lição, ligava-se às suas fraquezas egoístas e descaridosas.

Os fariseus e escribas, a quem foi dirigida esta obra-prima de incidente ilustrativo, devem ter tomado para si sua aplicação pessoal. Eles haviam sido tipificados pelo filho mais velho, laboriosamente atento à rotina, trabalhando dura, metódica e automaticamente nos multifários serviços do campo, sem qualquer interesse que não fosse o seu próprio, e relutantes em receber de braços abertos um publicano ou um pecador arrependido. De tais, apartavam-se; esses poderiam ser para o Pai indulgente e magnânimo “esse teu filho”, mas para eles, nunca um irmão. Não lhes importava quem, ou quantos se perdessem, desde que o retorno de pródigos penitentes não perturbasse sua herança e posse. Mas a parábola não era apenas para eles. Ela constitui, para todas as épocas, uma dádiva viva e perene de doutrinação sadia e alimento para a alma. Nem uma palavra aparece para justificar ou desculpar o pecado do filho pródigo, pois quanto a isto, o Pai não podia encarar o pecado com o mínimo grau de tolerância;p mas pelo arrependimento do pecador e contrição de sua alma, Deus e as hostes celestiais Se rejubilaram.

As três parábolas que aparecem no registro escriturístico como partes de um discurso contínuo são unânimes em retratar a alegria reinante nos céus com a recuperação de uma alma que era contada entre as perdidas — seja essa alma simbolizada por uma ovelha que se transvia, uma moeda que cai, sem ser vista, em conseqüência de incúria da dona, ou um filho que, deliberadamente se aparta do lar e do céu. Não há justificativa para a suposição de que um pecador arrependido deve ter precedência sobre uma alma justa que resistiu ao pecado; se tal fosse o procedimento de Deus, então Cristo, o único Homem sem pecado, seria sobrepujado na estima do Pai pelos ofensores regenerados. Embora seja indefensavelmente ofensivo como é o pecado, o pecador ainda é precioso aos olhos do Pai, pela possibilidade de seu arrependimento e volta à retidão. A perda de uma alma é algo muito real e muito grande para Deus. Ele sofre e Se aflige por ela, pois Sua vontade é que ninguém pereça.q

Os Discípulos Instruídos por meio de Parábolas

Dirigindo-se mais diretamente aos discípulos presentes, que nesta ocasião provavelmente abrangiam, além dos apóstolos, muitos crentes, inclusive mesmo alguns publicanos, Jesus proferiu a Parábola do Mordomo Infiel.r

“E dizia também aos seus discípulos: Havia um certo homem rico, o qual tinha um mordomo; e este foi acusado perante ele de dissipar os seus bens. E ele, chamando-o, disse-lhe: Que é isto que ouço de ti? Dá contas da tua mordomia, porque já não poderás ser mais meu mordomo. E o mordomo desse consigo: Que farei, pois que o meu senhor me tira a mordomia? Cavar, não posso; de mendigar, tenho vergonha. Eu sei o que hei de fazer, para que, quando for desapossado da mordomia, me recebam em suas casas. E, chamando a si cada um dos devedores do seu senhor, disse ao primeiro: Quanto deves ao meu senhor? E ele respondeu: Cem medidas de azeite. E disse-lhe: Toma a tua obrigação, e assentando-te já escreve cinqüenta. Disse depois a outro: E tu quanto deves? E ele respondeu: Cem alqueires de trigo. E disse-lhe: Toma a tua obrigação, e escreve oitenta. E louvou aquele senhor o injusto mordomo por haver procedido prudentemente, porque os filhos deste mundo são mais prudentes na sua geração do que os filhos da luz.”

As três parábolas precedentes apresentam suas lições por meio de íntima analogia e similaridades; esta ensina por meio de contraste de situações. O administrador da história era o agente autorizado de seu empregador, possuindo o que chamaríamos de documento legal para agir em nome do patrão.s Ele foi chamado para prestar contas em conseqüência de uma denúncia sobre seu desperdício e falta de cuidado. O administrador não negou sua culpa e imediatamente foi notificado de que seria despedido. Um tempo considerável seria requerido para preparar as contas antes de passar o cargo ao seu sucessor. Nesse intervalo, durante o qual ainda possuía autoridade, resolveu usar tanto quanto possível para seu próprio proveito, embora prejudicando ainda mais os interesses de seu amo. Ele considerou o estado de dependência em que logo ficaria. Sendo gastador e extravagante, não economizara nada de seus rendimentos; esbanjara o próprio dinheiro e o de seu senhor. Sentia que não estava apto para o trabalho braçal; e se envergonharia de pedir, especialmente na comunidade onde havia sido um gastador pródigo e uma pessoa de influência. Com o fim de colocar outros em posição de lhe dever uma obrigação, de forma que quando desempregado pudesse mais efetivamente apelar para eles, chamou os devedores de seu senhor e autorizou-os a mudarem suas cauções, escrituras de venda ou promissórias, de maneira a mostrar uma dívida grandemente diminuída. Defraudou seu empregador e enriqueceu os devedores através dos quais esperava ser beneficiado. Muitos de nós nos surpreendemos ao saber que o amo, tendo conhecimento do que o seu previdente, embora egoísta e desonesto administrador havia feito, lhe perdoou a ofensa e o elogiou pelo seu planejamento, “porque se houvera atiladamente”, como diz nosso texto, ou “porque agira prudentemente” como vários estudiosos afirmam ser a melhor tradução.

Definindo a moral da parábola, Jesus disse:t “porque os filhos deste mundo são mais prudentes na sua geração do que os filhos da luz. E eu vos digo: Granjeai amigos com as riquezas da injustiça; para que, quando estas vos faltarem, vos recebam eles nos tabernáculos eternos”. O propósito de nosso Senhor era mostrar o contraste entre o cuidado, consideração e devoção de homens ocupados em afazeres terrenos lucrativos, e o pouco entusiasmo de muitos que afirmam estar buscando as riquezas espirituais. Homens preocupados com as coisas do mundo não negligenciam as provisões para o futuro, e freqüentemente se esforçam, de maneira pecaminosa, para acumular em abundância, enquanto os “filhos da luz”, ou aqueles que acreditam que a riqueza espiritual está acima de todas as possessões mundanas, são menos vigorosos, prudentes, ou sábios. Por “riquezas da injustiça”, ou “mamom da iniqüidade”, como aparece na versão inglesa, podemos entender riquezas materiais e coisas mundanas. Embora muito inferior aos tesouros do céu, o dinheiro, ou o que ele representa, pode ser o meio de realizar o bem, e de ajudar a cumprir os propósitos de Deus. O conselho de nosso Senhor foi utilizar “mamom” em boas obras, enquanto ele durar, pois algum dia poderá faltar, e somente os resultados alcançados pelo seu uso perdurarão.u Se o administrador iníquo, quando expulso da casa de seu patrão por causa de sua desonestidade, pode esperar ser recebido nos lares daqueles a quem favoreceu, quão mais confiantemente aqueles que se dedicam genuinamente ao bem, podem esperar ser recebidos nas mansões eternas de Deus! Isto parece ser parte da lição.

Não foi a desonestidade do administrador que a lição exaltou; entretanto, sua prudência e previsão foram elogiadas, pois, embora aplicando mal o dinheiro do patrão, aliviou os devedores. E, fazendo-o, não ultrapassou seus poderes legais, pois ainda era o administrador, embora fosse moralmente culpado de malfeitoria. A lição pode ser resumida desta forma: Faça uso de sua riqueza de maneira a garantir amigos no futuro. Seja diligente, pois o dia em que pode fazer uso de suas riquezas terrenas logo passará. Aprenda até mesmo com os desonestos e com os iníquos. Se eles são tão prudentes, de forma a armazenar provisões para o único futuro de que cogitam, quanto mais vós, que acreditais em um futuro eterno, deveis armazenar provisões para esse futuro. Se não aprenderdes a aplicar sabedoria e prudência no uso de “iníquo mamom”, como vos poderão ser confiadas riquezas mais duradouras? Se não aprenderdes a usar apropriadamente a riqueza de outra pessoa, que está sob vossa administração, como podeis esperar alcançar sucesso no cuidado de uma grande riqueza que poderá vir a pertencer-vos? Imitai o administrador injusto e os amantes de mamom, não em sua desonestidade, cupidez e acúmulo ávaro de riquezas que são apenas transitórias, mas no seu zelo, previdência, e previsão para o futuro. Ademais, não deixeis que a riqueza se transforme em vosso senhor; mantende-a no seu devido lugar, como servo, pois “Nenhum servo pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer um e amar o outro, ou se há de chegar a um e desprezar o outro. Não podeis servir a Deus e a Mamom.”

Enfrentando o Escárnio dos Fariseus; Outra Parábola Ilustrativav

Os fariseus, que eram gananciosos, ou mais precisamente amantes do dinheiro,w ouviram as instruções que acabamos de considerar, dadas aos discípulos e abertamente zombaram do Mestre e da lição. Que sabia esse galileu, que nada possuía além das roupas que usava, a respeito de dinheiro e da melhor maneira de administrá-lo? A resposta de nosso Senhor às suas palavras de escárnio foi uma condenação ainda maior. Eles conheciam todos os truques do mundo de negócios, e podiam superar o mordomo infiel em manipulações astuciosas; e ainda com tanto sucesso se justificavam diante dos homens, que davam a todos a impressão de que eram honestos e íntegros. Também ostentavam um certo tipo de simplicidade, franqueza e abnegação, exteriormente declarando sua superioridade sobre os saduceus, amantes da luxúria. Haviam-se tornado arrogantemente orgulhosos de sua humildade, mas Deus conhecia o seu coração; e as características de personalidade, e as práticas das quais mais se ufanavam, eram uma abominação à Sua vista. Eles se apresentavam como guardiães da lei e expositores dos profetas. A “lei e os profetas” haviam vigorado até o tempo de João Batista, a partir de quando o evangelho do reino fora pregado, ansiando o povo por entrar nele, embora a teocracia lutasse fortemente para evitá-lo. A lei não fora invalidada, seria mais fácil que o céu e a Terra passassem, do que um til da lei deixasse de ser cumprido;y mas aqueles fariseus e escribas haviam tentado anular a lei. Na questão do divórcio, por exemplo, eles, com suas adições ilegais, e falsas interpretações, passaram a tolerar até mesmo o adultério.

Como lição adicional, o Mestre proferiu a Parábola do Rico e de Lázaro.

“Ora, havia um homem rico, e vestia-se de púrpura e de linho finíssimo, e vivia todos os dias regalada e esplendidamente. Havia também um certo mendigo, chamado Lázaro, que jazia cheio de chagas, à porta daquele; e desejava alimentar-se com as migalhas que caíam da mesa do rico; e os próprios cães vinham lamber-lhe as chagas. E aconteceu que o mendigo morreu, e foi levado pelos anjos para o seio de Abraão; e morreu também o rico, e foi sepultado. E no hades, ergueu os olhos estando em tormentos, e viu ao longe Abraão, e Lázaro no seu seio. E, clamando, disse: Pai Abraão, tem misericórdia de mim, e manda a Lázaro que molhe na água a ponta do seu dedo e me refresque a língua, porque estou atormentado nesta chama. Disse, porém, Abraão: Filho, lembra-te de que recebeste os teus bens em tua vida, e Lázaro somente males; e agora este é consolado e tu atormentado. E, além disso, está posto um grande abismo entre nós e vós, de sorte que os que quisessem passar daqui para vós não poderiam, nem tampouco os de lá passar para cá. E disse ele: Rogo-te pois, ó pai, que o mandes à casa de meu pai, pois tenho cinco irmãos; para que lhes dê testemunho, a fim de que não venham também para este lugar de tormento. Disse-lhe Abraão: Têm Moisés e os profetas; ouçam-nos. E disse ele: Não, pai Abraão; mas, se algum dos mortos fosse ter com eles, arrepender-se-iam. Porém, Abraão, lhe disse: Se não ouvem a Moisés e aos profetas, tampouco acreditarão, ainda que algum dos mortos ressuscite.”z

O mendigo enfermo é honrado com um nome; o outro é simplesmente designado de “certo homem rico”.a Os dois são apresentados como extremos de contraste entre a riqueza e a penúria. O rico estava vestido com as roupas mais luxuosas: púrpura e linho finíssimo, e seu alimento diário era uma festa suntuosa. Lázaro fora levado aos portões do palácio do rico, e deixado lá, um mendigo desamparado, com o corpo coberto de feridas. O rico era servido por empregados prontos a atender ao seu menor desejo; o pobre, junto ao portão, não tinha companheiros nem servos, exceto os cães que, como ele próprio, esperavam pelos restos da mesa do rico. Tal era a situação dos dois na vida. Uma mudança abrupta de cena mostra os mesmos dois do outro lado do véu, que paira entre esta vida e o além-túmulo. Lázaro morrera; não é feita menção do seu enterro; seu corpo ferido provavelmente fora atirado numa vala comum; mas anjos levaram seu espírito imortal ao Paraíso, o lugar de descanso dos abençoados e comumente conhecido, na linguagem figurativa dos rabis, como o seio de Abraão. O rico também morrera; seu enterro, sem dúvida alguma, fora suntuoso, mas não lemos sobre quaisquer anjos recebendo seu espírito. No inferno, levantou os olhos e viu à distância Lázaro, em paz, na morada de Abraão.

Como judeu, o homem freqüentemente se vangloriara de ter Abraão por pai; e agora, o espírito infeliz apelava para o patriarca da sua raça, chamando-o de “Pai Abraão”, e pedia-lhe apenas a graça de uma simples gota d’água sobre os lábios crestados; e suplicou que Lázaro, o antigo mendigo, lha trouxesse. A resposta elucidou certas condições existentes no mundo espiritual, embora, como geralmente acontece no uso das parábolas, a apresentação seja grandemente figurativa. Chamando o pobre espírito atormentado de “Filho”, Abraão fê-lo recordar todas as coisas que guardara para si na Terra, enquanto Lázaro era um mendigo negligenciado e sofredor, junto aos portões de seu palácio. Agora, pela aplicação da lei divina, Lázaro recebera a recompensa, e ele, a retribuição. Ademais, era impossível atender ao seu pedido, pois entre a morada dos justos, onde descansava Lázaro, e a dos iníquos, onde ele sofria, “está posto um grande abismo”, e a passagem entre os dois é interditada. O pedido seguinte, do miserável sofredor, não foi totalmente egoísta — em sua angustia, lembrou-se daqueles de quem se separara pela morte, ansioso de salvar seus irmãos do destino que encontrara; e suplicou que Lázaro fosse mandado de volta à Terra para visitar o lar ancestral, e avisar os irmãos egoístas, luxuriosos, e ainda mortais, sobre o terrível fim que os esperava, caso não se arrependessem e se reformassem. Talvez houvesse nesse pedido uma insinuação de que, se ele tivesse sido suficientemente avisado, teria agido melhor e escapado ao tormento. Quando lhe foi dito que tinham as palavras de Moisés e dos profetas, às quais deveriam obedecer, replicou que se alguém do mundo dos mortos os visitasse, certamente se arrependeriam. Abraão respondeu que, se não davam ouvidos a Moisés e aos profetas, “tampouco acreditarão, ainda que algum dos mortos ressuscite”.

Em qualquer tentativa para interpretar a parábola como um todo, ou para aplicar definitivamente qualquer de suas partes, devemo-nos lembrar de que a mesma foi dirigida aos fariseus como repreensão instrutiva pelo escárnio e mofa com que haviam recebido o aviso do Senhor a respeito dos perigos que acompanhavam a servidão a Mamom. Jesus empregou na parábola metáforas judaicas, e uma tal imagem retórica, que atingiria os expositores oficiais de Moisés e dos profetas da maneira mais direta. Embora, como prática, seja extremamente parcial deduzir princípios doutrinários de incidentes parabólicos, não podemos admitir que Cristo ensinasse algo falso mesmo em parábola; e, portanto, aceitamos como verdadeiro o retrato das condições no mundo dos espíritos. Que os justos e os injustos habitam separadamente durante o intervalo entre a morte e a ressurreição, é claro. O paraíso, ou, como os judeus gostam de designar o local abençoado, “seio de Abraão”, não é o lugar da glória final, assim como o inferno ao qual foi confiado o espírito do homem rico, não é a habitação última dos condenados.b As obras dos homens, entretanto, seguem-nos nesse estado preliminar ou intermediário;c e os mortos certamente descobrirão que sua morada é aquela para a qual se qualificaram quando estavam na carne.

O destino do rico não foi uma conseqüência da riqueza, nem o descanso concedido a Lázaro o resultado de sua pobreza. A falha em usar sua fortuna dignamente, e a satisfação egoísta pelos prazeres sensuais das coisas terrenas, de forma a excluir qualquer preocupação pelas necessidades ou privações de seus semelhantes, fez com que um fosse condenado; ao passo que a paciência no sofrer, a fé em Deus e uma vida íntegra, que está subentendida, embora não expressada, garantiu a felicidade do outro. A auto-suficiência orgulhosa do rico, que não sentia falta de nada que o dinheiro pudesse fornecer, e que se conservava alheio às necessidades e sofrimentos do próximo, foi o seu pecado dominante. A indiferença dos fariseus, da qual na verdade se orgulhavam, como indica seu próprio nome que significa “separatistas”, foi dessa maneira condenada. A parábola ensina a continuação da existência individual após a morte, e a relação de causa e efeito entre a vida que a pessoa leva na mortalidade e o estado que a espera na vida futura.

Servos Inúteisd

Dos fariseus, Jesus voltou-Se para Seus discípulos e exortou-os à diligência. Tendo-os acautelado contra as afirmações ou ações imprudentes, com as quais outros poderiam ofender-se, continuou ressaltando a absoluta necessidade da devoção abnegada, da tolerância e do perdão. Os apóstolos, compreendendo a dedicação integral requerida deles, imploraram ao Senhor, dizendo: “Aumenta-nos a fé”. Foi-lhes mostrado que a fé era computada mais em termos de qualidade do que de quantidade; e a analogia do grão de mostarda foi novamente lembrada. “E disse o Senhor: Se tivésseis fé como um grão de mostarda, diríeis a esta amoreira: Desarraiga-te daqui, e planta-te no mar; e ela vos obedeceria”e Sua fé poderia ser melhor avaliada pela obediência e pelo serviço incansável.

Isto foi ressaltado pela Parábola dos Servos Inúteis.

“E qual de vós terá um servo a lavrar ou a apascentar gado, a quem, voltando ele do campo, diga: Chega-te, e assenta-te à mesa? E não lhè diga antes: Prepara-me a ceia, e cinge-te, e serve-me, até que tenha comido e bebido, e depois comerás e beberás tu? Porventura dá graças ao tal servo porque fez o que lhe foi mandado? Creio que não. Assim também vós, quando fizerdes tudo o que vos for mandado, dizei: Somos servos inúteis, porque fizemos somente o que devíamos fazer.”

O servo pode sentir que após um dia de trabalho no campo tem direito de descansar. Mas, chegando à casa, encontra outras tarefas esperando por ele. O patrão tem direito ao tempo e à atenção do servo — esta é uma das condições do seu contrato de trabalho. E embora o empregador possa agradecer-lhe ou recompensá-lo de alguma forma, o servo não pode exigir tal recompensa. Assim também os apóstolos, que se haviam entregue totalmente ao serviço do Mestre, não deviam hesitar ou levantar objeções, fosse qual fosse o esforço ou sacrifício requerido. O melhor que conseguissem fazer não seria mais do que o seu dever. E, sem levar em conta a estimativa do seu valor por parte do Mestre, deviam considerar-se servos inúteis.f

Dez Leprosos Curadosg

Em sua viagem para Jerusalém, Jesus “passou pelo meio de Samaria e da Galiléia”. Dez homens atacados de lepra aproximaram-se, provavelmente chegando tão perto quanto o permitia a lei, o que ainda os conservava bem distantes. Estes homens eram de nacionalidades diversas; a praga que sofriam em comum, fê-los companheiros no infortúnio. Gritaram eles: “Jesus, Mestre, tem misericórdia de nós!” O Senhor respondeu: “Ide, e mostrai-vos aos sacerdotes.”h Esta ordem subentendia a sua cura final; a obediência seria o teste da fé. Ninguém que houvesse sido leproso podia legalmente voltar à vida da comunidade até ser declarado limpo por um sacerdote. Os enfermos apressaram-se em obedecer à ordem do Senhor,“e aconteceu que, indo eles, ficaram limpos”i Um dos dez retornou, e em altos brados glorificou a Deus; e depois, prostrou-se aos pés de Cristo, dando graças. E-nos dito que o homem agradecido era um samaritano, pelo que inferimos que alguns dos outros seriam judeus. Magoado pela falta de gratidão dos outros nove, Jesus exclamou: “Não foram dez os limpos? E onde estão os nove? Não houve quem voltasse para dar glória a Deus senão este estrangeiro?” E ao samaritano que ainda rendia graças aos Seus pés, o Senhor disse: “Levantate, e vai; a tua fé te salvou.” Indubitavelmente, os nove que não retornaram, obedeceram estritamente à letra da ordem do Senhor — pois Ele lhes dissera que se dirigissem aos sacerdotes. Mas sua falta de gratidão e o fato de não terem reconhecido o poder de Deus na sua cura, contrasta desfavoravelmente com o espírito do décimo — e ele era samaritano. A ocorrência deve ter impressionado os apóstolos como outra evidência de aceitação e possível superioridade por parte dos estrangeiros, para descrédito das afirmações judaicas de superioridade independente de mérito.

O Fariseu e o Publicanoj

“E disse também esta parábola a uns que confiavam em si mesmos, crendo que eram justos, e desprezavam os outros: Dois homens subiram ao templo, para orar; um, fariseu, e o outro, publicano. O fariseu, estando em pé, orava consigo desta maneira: Ó Deus, graças te dou, porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros; nem ainda como este publicano. Jejuo duas vezes na semana, e dou os dízimos de tudo quanto possuo. O publicano, porém, estando em pé, de longe, nem ainda queria levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: Ó Deus, tem misericórdia de mim, pecador! Digo-vos que este desceu justificado para sua casa, e não aquele; porque qualquer que a si mesmo se exalta será humilhado e qualquer que a si mesmo se humilha será exaltado.”

E-nos dito expressamente que esta parábola foi dada para o benefício de certas pessoas que confiavam em sua pseudo-retidão como garantia de justificativa perante Deus. Não foi dirigida aos fariseus e nem aos publicanos especificamente. Os dois personagens são tipos de classes grandemente distintas. Devia existir uma grande dose do espírito farisaico de autocomplacência entre os discípulos, e um pouco entre os próprios Apóstolos. Um fariseu e um publicano foram ao templo orar. O fariseu orou “para si mesmo”; suas palavras dificilmente poderiam ser interpretadas como uma oração a Deus. Ter ele permanecido de pé enquanto orava não foi uma atitude imprópria, pois isso era costume — o publicano também ficou de pé. O fariseu agradeceu a Deus por ser tão melhor que outros homens. Ele era fiel à sua classe, um separatista que olhava com desprezo todos aqueles que não eram como ele. Não ser como “este publicano” foi motivo de agradecimento especial. Gabar-se de jejuar duas vezes na semana e de pagar os dízimos de tudo o que possuía, foi uma especificação de valor acima do que era requerido pela lei então vigente; assim, sugeria que Deus era seu devedor.k O publicano, em lugar afastado, estava tão oprimido pela consciência do pecado, e por sua necessidade absoluta de auxílio divino, que abaixou os olhos e bateu no peito, suplicando piedade como pecador penitente. O fariseu partiu, justificado diante de sua própria consciência e diante dos homens, mais orgulhoso do que nunca. O outro foi para casa justificado perante Deus, embora ainda fosse um desprezado publicano. A parábola aplica-se a todos os homens. Sua moral foi resumida em uma repetição das palavras de nosso Senhor, pronunciadas na casa do chefe fariseu: “Porque todo o que se exalta, será humilhado; mas o que se humilha, será exaltado.”l

Sobre o Casamento e o Divórciom

Ao dirigir-se para Jerusalém, em pequenas etapas, e enquanto ainda “além do Jordão” e, portanto, em território da Peréia, Jesus foi procurado por um grupo de fariseus que o buscavam com a intenção de levá-lo a dizef ou fazer algo em que pudessem basear uma acusação. A pergunta que haviam concordado em submeter, relacionava-se ao casamento e divórcio, e nenhum assunto havia sido mais veementemente contestado em suas próprias escolas e entre seus próprios rabis.n Os astuciosos argüidores devem ter esperado que Jesus denunciasse o adultério em que vivia Herodes Antipas, chamando assim sobre si a fiiria de Herodias, a quem João Batista devia a sua morte. E lícito ao homem repudiar a sua mulher por qualquer motivo?” perguntaram. Jesus citou a lei original e eterna de. Deus sobre a questão; e indicou a única conclusão racional a ser tirada da mesma: “Não tendes lido que aquele que os fez no princípio macho e fêmea os fez, e disse: Portanto deixará o homem pai e mãe, e se unirá a sua mulher, e serão dois numa só carne? Assim não são mais dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem.”o Deus havia provido o casamento honroso e feito a relação entre marido e mulher superior à relação dos filhos para com os pais. O rompimento de tal união era idéia do homem, não um mandamento de Deus. Os fariseus replicaram prontamente: “Então por que mandou Moisés dar carta de divórcio e repudiá-la?” Seja aqui lembrado que Moisés não ordenara o divórcio, mas estabelecera que no caso de um homem separar-se de sua esposa, deveria darlhe carta de divórcio.p Jesus deixou isso claro, dizendo: “Moisés por causa da dureza dos vossos corações vos permitiu repudiar vossas mulheres: mas no princípio não foi assim.”

Seguiu-se um requisito mais elevado do evangelho: “Eu, porém, vos digo, qualquer que repudiar sua mulher, a não ser por causa de prostituição, faz que ela cometa adultério, e qualquer que casar com a repudiada comete adultério.”q A cláusula mosaica tinha sido apenas permissível e justificável em conseqüência da iniqüidade existente. Fidelidade estrita à doutrina enunciada por Jesus Cristo é o único meio pelo qual uma ordem social perfeita pode ser mantida. E importante notar-se, entretanto, que em sua resposta aos casuísticos fariseus, Jesus não anunciou qualquer regra específica ou obrigatória, relativa a divórcios legais; o abandono de uma esposa, como considerado pelo costume mosaico, não envolvia qualquer investigação ou ato judicial por parte de uma corte estabelecida. Nos dias de nosso Senhor, a ausência de energia sobre o assunto das obrigações maritais produzira um estado de espantosa corrupção em Israel. E a mulher, que pela lei de Deus fora dada por companheira e associada do homem, tornara-se sua escrava. Jesus Cristo foi o maior defensor do sexo feminino, no mundo.r

Os fariseus retiraram-se, frustrados em seu propósito e condenados em sua consciência. A interpretação rigorosa do Senhor sobre os laços matrimoniais, espantou até mesmo alguns dos discípulos; estes O procuraram particularmente, dizendo que se um homem ficava assim tão comprometido, seria melhor jamais casar-se. O Senhor desaprovou tão ampla generalização, a não ser quando em casos especiais. Existiam alguns que eram fisicamente incapacitados para o casamento; outros devotavam-se voluntariamente ao celibato, e alguns o adotavam “por causa do reino dos céus”, para que assim pudessem estar livres para dedicar todo o seu tempo e energia ao serviço do Senhor. Mas a conclusão dos discípulos de que “não convém casar-se” era válida somente nos casos excepcionais citados. O matrimônio é nobre,s pois nem o homem sem a mulher, nem a mulher sem o homem podem ser perfeitos à vista do Senhor.t

Jesus e os Pequeninosu

O acontecimento registrado a seguir é de extraordinária doçura, rico em ensinamento e inestimável como exemplo. Algumas mães levaram seus filhos a Jesus, desejando, reverentemente, que a vida dos pequeninos fosse iluminada pela visão do Mestre, e abençoada por um toque de Sua mão ou uma palavra de Seus lábios. O fato aparece, numa seqüência apropriada, após as instruções do Senhor concernentes à santidade do matrimônio e do lar. Os discípulos, cuidando que Seu Mestre não fosse perturbado desnecessariamente, e conscientes das exigências continuas com respeito ao Seu tempo e atenção, repreenderam aquelas que assim se aventuravam a importuná-Lo. Até mesmo os discípulos pareciam estar sob a influência do conceito tradicional de que as mulheres e as crianças eram de posição inferior, e que procurar a atenção do Senhor constituía para elas um ato presunçoso. Jesus aborreceu-Se com o zelo mal empregado de Seus seguidores, e repreendeu-os. E então pronunciou aquela frase memorável, de infinita ternura e divina afeição: “Deixai vir a mim os meninos, não os impeçaisy porque dos tais é o reino de Deus” Tomando as crianças uma por uma nos braços, impôs-lhes as mãos e as abençoouv Depois, disse Ele: “Em verdade vos digo: Que qualquer que não receber o reino de Deus como menino, não entrará nele.”w

“Só uma Coisa Te Falta”x

No caminho, Jesus foi abordado por um jovem que correra para encontrá-Lo ou alcançá-Lo, e que se ajoelhou aos Seus pés, perguntando: “Bom Mestre, que bem farei para conseguir a vida eterna?” A pergunta foi feita com ansiedade — o rapaz estava com um espírito muito diferente daquele do doutor da lei que fez a mesma pergunta com o intuito de tentar o Mestre.y Jesus disse: “Por que me chamas bom? Não há bom senão um só que é Deus.” Este comentário não foi uma negação do fato de que não existia pecado no Salvador; o jovem O havia chamado de “bom” por uma questão de polidez, e não em reconhecimento a Sua Divindade, e Jesus declinou reconhecer a distinção aplicada nesse sentido. As palavras do Senhor devem ter aprofundado a concepção do jovem quanto à seriedade de sua pergunta. Então disse Jesus: “Se queres, porém, entrar na vida, guarda os mandamentos.” Em resposta à pergunta seguinte, sobre quais eram esses mandamentos, Jesus citou a proibição do assassínio, do adultério, do roubo, e do falso testemunho, e a recomendação de honrar os pais e amar o próximo como a si mesmo. Com simplicidade e sem orgulho, o jovem disse: “Tudo isso tenho guardado desde a minha mocidade. Que me falta ainda?” Sua sinceridade evidente agradou a Jesus, que o olhou com amor e disse: “Falta-te uma coisa: vai, vende tudo quanto tens, e dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; e vem, toma a cruz e segue-me.”z

O rapaz ficou desapontado e entristecido. Provavelmente, esperava ouvir do grande Mestre a prescrição de uma certa observância especial, pela qual podia ser alcançada a excelência. Lucas nos diz que o jovem era uma autoridade; isso pode significar que ele era um oficial presidente na sinagoga local, ou possivelmente membro do Sinédrio. Era bem versado na lei, e obedecia a ela estritamente. Desejava progredir com boas obras e garantir seu direito a uma herança eterna. Mas o Mestre prescrevera o que ele menos esperava, e “pesaroso desta palavra, retirou-se triste; porque possuía muitas propriedades”. A seu modo, ansiava pelo reino de Deus, mas amava suas grandes propriedades com maior devoção. Renunciar à riqueza, posição social e importância oficial, era sacrifício demasiado grande; e a abnegação necessária era uma cruz pesada demais para ele, embora um tesouro celestial e a vida eterna lhe fossem oferecidos. O amor às coisas mundanas era a fraqueza dominante deste homem. Jesus diagnosticou seu caso e prescreveu um remédio adequado. Não podemos dizer que o mesmo tratamento seja o melhor em todos os casos de enfermidade espiritual, mas quando os sintomas indicarem a necessidade, poderá ser empregado com toda confiança na cura.

Olhando tristemente para a figura do rapaz que se retirava, Jesus disse aos discípulos: “Em verdade vos digo que é difícil entrar um rico no reino dos céus.” Para que a lição fosse gravada mais profundamente, Ele aplicou um dos provérbios figurativos da época, e disse: “E mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha, do que entrar um rico no reino de Deus.”a Os discípulos maravilharam-se diante desta declaração. “Sendo assim, quem pode ser salvo?” indagaram. Jesus compreendeu sua perplexidade, e encorajou-os, dizendo que para Deus todas as coisas são possíveis. Assim lhes foi dado compreender que, embora a riqueza seja um meio de tentação ao qual muitos sucumbem, não é um obstáculo insuperável, ou barreira intransponível que impeça a entrada no reino. Tivesse o jovem seguido o conselho que pediu, suas riquezas lhe teriam possibilitado prestar serviços meritórios como poucos têm a oportunidade de fazer. O desejo de colocar o reino de Deus acima de todas as posses materiais, era a única coisa que lhe faltavab Cada um de nós pode, igualmente, perguntar: “Que me falta?”

Os Primeiros Poderão Ser Últimos, e os Últimos, Primeirosc

A triste partida do jovem, cujas grandes riquezas eram parte tão importante de sua vida que a elas não podia na ocasião renunciar, embora possamos ter esperança de que o tenha feito posteriormente, provocou em Pedro uma pergunta abrupta, que revela o curso de seus pensamentos e aspirações: “Eis que nós tudo deixamos e te seguimos: que será, pois, de nós?” Se ele falou apenas por si mesmo, ou se o uso do plural “nós” implicava na inclusão de todos os Doze, é incerto e de importância secundária. Ele estava pensando no lar e na família que deixara, e a saudade que sentia deles era perdoável; estava também pensando nos barcos e redes, anzóis e linhas, e o negócio lucrativo que tais coisas representavam. A tudo isso renunciara. Qual seria sua recompensa? Jesus respondeu: “Em verdade vos digo que vós, que me seguistes, quando, na regeneração, o Filho do Homem se assentar no trono da sua glória, também vos assentareis sobre doze tronos, para julgar as doze tribos de Israel.” É duvidoso que Pedro ou qualquer dos outros membros dos Doze jamais tivesse concebido tão grande distinção. O dia da regeneração, quando o Filho do Homem se assentar no trono de sua glória, como Juiz e Rei, é ainda futuro, mas nesse dia, aqueles dentre os Doze do Senhor, que permaneceram fiéis até o fim, serão entronizados como juízes de Israel. Foi-lhes garantido ainda que “todo aquele que tiver deixado casas, ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou mulher, ou filhos, ou terras, por amor do meu nome, receberá cem vezes tanto, e herdará a vida eterna.” Recompensas de valor tão transcendental podiam ser bem pouco imaginadas ou compreendidas. E para que aqueles a quem essas promessas foram feitas não contassem demasiadamente certo com o sucesso, de forma a negligenciar o esforço, e a se tornarem também orgulhosos, o Senhor acautelou-os com este preceito profundo: “Porém muitos primeiros serão os derradeiros, e muitos derradeiros serão os primeiros.”

Foi o texto do sermão que conhecemos como Parábola dos Trabalhadores na Vinha.d Ei-lo:

“Porque o reino dos céus é semelhante a um homem, pai de família, que saiu de madrugada a assalariar trabalhadores para a sua vinha. E, ajustando com os trabalhadores a um dinheiro por dia, mandou-os para a sua vinha. E, saindo perto da hora terceira, viu outros que estavam ociosos na praça, e disse-lhes: Ide vós também para a vinha, e dar-vos-ei o que for justo. E eles foram. Saindo outra vez, perto da hora sexta e nona, fez o mesmo, e, saindo perto da hora undécima, encontrou outros que estavam ociosos, e perguntou-lhes: Por que estais ociosos todo o dia? Disseram-lhe eles: Por que ninguém nos assalariou. Diz-lhes ele: Ide vós também para a vinha, e recebereis o que for justo. E aproximando-se a noite, diz o senhor da vinha ao seu mordomo: Chama os trabalhadores e paga-lhes o jornal, começando pelos derradeiros até os primeiros. E chegando os que tinham ido perto da hora undécima, receberam um dinheiro cada um; vindo, porém, os primeiros, cuidaram que haviam de receber mais; mas do mesmo modo receberam um dinheiro cada um; e, recebendo-o, murmuravam contra o pai de família, dizendo: Estes derradeiros trabalharam só uma hora, e tu os igualaste conosco, que suportamos a fadiga e a calma do dia. Mas ele, respondendo, disse a um deles: Amigo, não te faço agravo; não ajustaste tu comigo um dinheiro? Toma o que é teu, e retira-te; eu quero dar a este derradeiro, tanto como a ti. Ou não me é lícito fazer o que quiser do que é meu? Ou é mau o teu olho porque eu sou bom? Assim, os derradeiros serão primeiros, e os primeiros derradeiros, porque muitos são chamados, mas poucos escolhidos.”

O fato de um proprietário ir ao mercado para contratar trabalhadores era comum na época e no lugar, e ainda acontece em muitas terras. Os primeiros a serem contratados, no curso da narrativa, sem dúvida alguma discutiram o salário. Aqueles que foram contratados às nove, doze e três horas, respectivamente, aceitaram o trabalho sem estipular a quantia a receber. Tão felizes ficaram com a oportunidade de encontrar trabalho, que não perderam tempo especificando termos. As cinco horas da tarde, quando restava apenas uma hora de trabalho, o último grupo foi para a vinha, confiando na palavra do patrão de que receberia um salário adequado. Não era sua culpa se não tinham encontrado trabalho mais cedo; estavam prontos e à espera, no lugar onde era mais fácil encontrá-lo. No fim do dia, os trabalhadores foram receber seus salários. Esse procedimento estava de acordo com a lei e o costume, pois fora estabelecido, por estatuto, em Israel, que o empregador devia pagar ao empregado contratado por dia, antes do pôr-do-sol.e Segundo instruções, o mordomo que agia como pagador começou por aqueles que haviam sido contratados na décima primeira hora; e a cada um deles deu um dinheiro ou centavo romano, equivalente a cerca de quinze centavos de dólar, e o salário costumeiro por um dia de trabalho. Era essa a quantia pedida individualmente por aqueles que haviam iniciado mais cedo; e ao verem que seus companheiros de trabalho que haviam servido somente por uma hora estavam recebendo um centavo cada, provavelmente exultaram na expectativa de receber um salário proporcionalmente maior, a despeito do que haviam combinado. Mas cada um deles recebeu um centavo e nada mais. E então reclamaram—não porque haviam sido mal pagos, mas porque os outros haviam recebido a quantia equivalente a um dia de trabalho por apenas uma hora de serviço. O patrão respondeu com toda a bondade, fazendo-os lembrarem-se do acordo que haviam feito. Não podia ser justo com eles e caridoso com os outros, se essa era a sua vontade? Seu dinheiro lhe pertencia, e podia distribuí-lo como lhe aprouvesse. Havia justificativa para as reclamações que faziam quanto à bondade e caridade do seu senhor? “Assim”, disse Jesus, passando diretamente da história para uma das lições que pretendia ensinar, “os primeiros serão os últimos, porque muitos são chamados, mas poucos escolhidos.”f

A parábola era claramente destinada à edificação dos Doze. Foi provocada pela pergunta de Pedro: “Que será, pois, de nós?” Ela é tão válida hoje quanto o era quando dada pelo Mestre como repreensão ao espírito de barganha no trabalho do Senhor. Deus precisa de trabalhadores, e aqueles que trabalharem fiel e eficientemente serão bem-vindos à vinha. Se, antes de iniciarem, insistirem em estipular o salário, e conseguirem um acordo, cada um receberá seu centavo, desde que não tenha perdido o lugar por indolência ou transgressão. Mas aqueles que trabalharem diligentemente, sabendo que o Mestre lhes dará o que for direito, e pensando mais no trabalho do que no seu salário, serão mais abundantemente enriquecidos. Um homem pode trabalhar por um salário e ainda não ser um mercenário. Entre o digno trabalhador contratado e o mercenário, existe a mesma diferença que distingue o pastor do guardador de ovelhas remunerado.g Não existia uma sugestão de espírito mercenário mesmo na pergunta de um dos apóstolos, “Que será, pois, de nós?” Os Doze haviam sido chamados bem cedo para o serviço no ministério do Salvador; haviam respondido ao chamado, sem promessa de um centavo sequer. Iriam ainda sentir a carga e o calor dos dias, mas foram solenemente acautelados contra tentativas ou desejo de fixar uma recompensa. O Mestre julgará de acordo com o merecimento de cada servo — o salário é na verdade uma dádiva. Pois, com base em um cálculo estrito, qual de nós não está em débito com Deus? Os últimos chamados poderão, como os primeiros, mostrar-se indignos. Nenhuma inversão generalizada é sugerida, pela qual todos os últimos serão avançados e todos os primeiros trabalhadores serão rebaixados. “Muitos primeiros serão últimos”, foi a declaração do Senhor, e conseqüentemente, podemos deduzir que nem todos os últimos, embora alguns deles possam ser contados entre os primeiros. Dos muitos chamados, ou a quem foi permitido trabalhar na vinha do Senhor, poucos se desenvolverão de tal modo a serem escolhidos para a exaltação acima de seus irmãos. Nem mesmo o chamado e ordenação no Santo Apostolado é garantia de eventual exaltação no reino celestial. Iscariotes foi chamado e colocado entre os primeiros; agora, verdadeiramente ele está muito abaixo do último no reino de Deus.

Notas do Capítulo 27

  1. Homens Ricos e Seus Administradores — “‘Certo homem rico tinha um administrador.’ Incidentalmente, aprendemos aqui quão equilibradas são as várias condições de vida em uma comunidade, e quão poucas vantagens a riqueza pode conferir ao seu possuidor. A medida que suas propriedades aumentam, seu controle pessoal das mesmas diminui — quanto mais se possui, tanto mais se precisa confiar a outros. Aqueles que fazem seu próprio trabalho não são perturbados por servos desobedientes; os que cuidam de seus próprios interesses não têm trabalho com superintendentes infiéis.” - Parables of our Lord, de Arnot, pág. 454.

  2. O Mamom da iniqüidade. — A versão revisado de Lucas 16:9, diz: “E eu vos recomendo: Fazei amigos por meio do Mamom da iniqüidade, para que, quando este vos faltar, eles vos recebam nos tabernáculos eternos.” O conselho do Senhor aos discípulos, foi que usassem as riquezas do mundo de forma a realizarem com elas o bem, pois quando o “mamom”, isto é, todas as posses mundanas talhassem, teriam amigos para recebê-los nos “eternos tabernáculos” ou mansões celestiais. Ao estudar uma parábola baseada em contrastes, como é o caso desta, deve-se ter cuidado para não levar muito longe qualquer um dos pontos de analogia. Assim, não podemos racionalmente supor que Jesus pretendia ensinar que a prerrogativa de receber qualquer alma nos “eternos tabernáculos”, ou de lá excluí-la, é daqueles que na Terra foram beneficiados ou injuriados pelos atos da pessoa, a não ser do ponto de vista de que o testemunho que prestem sobre seus atos possa ser levado em consideração no julgamento final. Toda a parábola é cheia de sabedoria para aqueles que buscam sabedoria; para os hipócritas, pode parecer inconsistente, como aconteceu com os fariseus que escarneceram de Jesus por causa da parábola que Ele contou. Lucas 16:14 aparece assim na versão revisada: “E os fariseus, que eram amantes do dinheiro, ouviram todas essas coisas; e o ridicularizavam.”

  3. Lázaro e Divo. — De todas as parábolas de nosso Senhor que foram registradas, esta é a única na qual um nome pessoal é aplicado a algum dos personagens. O nome “Lázaro” usado na parábola era também o nome verdadeiro de um homem a quem Jesus amava, e que, em ocasião subseqüente à apresentação desta parábola, teve a vida restaurada depois de jazer na tumbá vários dias. O nome, variante grego de Eleazar, significa “Deus é meu auxílio”. Em muitos escritos teológicos, o rico desta parábola é chamado de Divo, mas o nome não é usado nas escrituras. “Divo” é um adjetivo latino que significa “rico”. Lázaro, irmão de Marta e Maria (João 11:1, 2, 5) é um dos três homens mencionados pelo nome como receptores de benefícios milagrosos de nosso Senhor; os outros dois são Bartimeu (Marcos 10:46) e Malco (João 18:10). Comentando o fato de que nosso Senhor deu um nome ao mendigo e não o deu ao rico, Agostinho (no Sermão xli) pergunta sugestivamente: “Não vos parece que ele esteve lendo um livro onde encontrou escrito o nome do pobre, mas não o nome do rico: por ser aquele o Livro da Vida?”

  4. Opiniões Divergentes Acerca do Divórcio. — Em relação às diferentes opiniões sobre esse assunto, encontradas entre as autoridades judaicas no tempo de Cristo, Geikie (vol. ii, pp. 347–8) diz: “Dos assuntos da época mais fortemente debatidos entre as grandes escolas rivais de Hillel e Shammai, nenhum o foi mais do que o divórcio. A escola de Hillel afirmava que o homem tinha o direito de divorciar-se de sua esposa por qualquer motivo que pudesse apresentar, fosse pelo fato de não a amar mais, ou de ter visto outra que lhe agradasse mais, ou de ter a esposa preparado um mau almoço. A escola de Shammai, ao contrário, afirmava que o divórcio só podia ser concedido em caso de adultério e ofensas contra a castidade. Se fosse possível fazer com que Jesus Se pronunciasse a favor de qualquer dessas escolas, a hostilidade da outra seria suscitada e, portanto, parecia uma chance favorável para comprometê-Lo.” O seguinte extrato do Commentary de Dummelow, que trata de Mateus 5:32 é ilustrativo: “O rabi Akiba (Hillelita) disse: ‘Se um homem encontra uma mulher mais bela que sua própria esposa, ele pode abandoná-la (a esposa), porque é dito — Se ela não encontrar favor em seu olhos.’ A escola de Hillel dizia ‘Se a esposa prepara mal a comida do marido, salgando-a demais ou assando-a em demasia, ela deve ser abandonada.’ Por outro lado, o rabi Jochanan (um Shammaita) disse ‘Abandonar a esposa é odioso.’ Ambas as escolas concordavam que uma esposa divorciada não podia ser tomada de volta (…) O rabi Chananiah disse que ‘Deus não apôs Seu nome aos divórcios, exceto entre os israelitas, como se tivesse dito: Concedi aos israelitas o direito de despedir suas esposas; mas não o concedi aos gentios.’ Jesus replica que não é privilégio de Israel, mas para infâmia e o opróbrio de Israel, que Moisés tenha achado necessário tolerar o divórcio.

  5. Jesus, o Enobrecedor da Mulher. — Geikie assim parafraseia parte da resposta de Cristo à pergunta dos fariseus a respeito do divórcio, e comenta-a: “‘Eu digo, portanto, que quem quer que abandone sua esposa, exceto por causa de fornicação, que destrói a própria essência do matrimônio, dissolvendo a unidade que o mesmo formara, e se case com outra, comete adultério, e quem quer que se case com aquela que é abandonada por qualquer outra causa, comete adultério, porque a mulher é ainda, à vista de Deus, esposa daquele que a divorciou.’ Esta declaração teve uma importância muito mais profunda do que simplesmente silenciar espiões maliciosos. Foi destinada a estabelecer para todos os tempos a lei de Seu Novo Reino, na questão suprema da vida familiar. Baniu completamente de Sua sociedade o conceito da mulher como mero brinquedo, ou como escrava do homem, e fundamentou as verdadeiras relações dos sexos na base eterna da verdade, direito, honra e amor. Enobrecer a Casa e a Família, elevando a mulher à sua verdadeira posição, era essencial para a futura estabilidade do Seu Reino como reino de pureza e valor espiritual. Fazendo o casamento indissolúvel, Ele proclamou os direitos iguais do homem e da mulher dentro dos limites da família e, assim, deu a patente de nobreza às mães do mundo. Pela sua posição de maior nobreza na era cristã, comparada àquela que lhe foi dada na antigüidade, a mulher está em dívida com Jesus Cristo.” — Life & Words of Christ, vol. ii, pp. 349.

  6. A Bênção das Crianças. — Quando Cristo, como ser ressuscitado, apareceu aos nefitas no continente ocidental, tomou as criancinhas, uma por uma, e as abençoou; e a multidão viu os pequeninos, cercados como que por fogo, enquanto anjos lhes administravam. (3 Néfi 17:11-25.) Por meio de revelação moderna, o Senhor ordenou que todas as criancinhas nascidas na Igreja sejam levadas para serem abençoadas, àqueles que estão autorizados para administrar esta ordenança do Santo Sacerdócio. O mandamento é o seguinte: “Todo membro da Igreja de Cristo que tiver crianças deverá trazê-las aos élderes diante da Igreja, e estes deverão impor as suas mãos sobre elas em nome de Jesus Cristo, e em Seu nome abençoá-las.” Conseqüentemente, é agora costume da Igreja levar as criancinhas à reunião de jejum, nas diversas alas, onde são recebidas — uma por uma — nos braços dos élderes, e abençoadas, sendo-lhes dado o nome, ao mesmo tempo. O pai da criança, se for um élder, deverá participar da ordenança.

    A bênção das crianças não é, de qualquer forma, análoga, e muito menos é um substituto da ordenança do batismo, que deverá ser administrado somente àqueles que alcançam a idade de compreensão, e que são capazes de arrependimento. Como já escreveu o autor, “Alguns se referem à ocasião em que Cristo abençoou as criancinhas, e repreendeu os que queriam impedir que os pequeninos se achegassem, como evidência a favor do batismo das criancinhas (Mat. 19:13; Marcos 10:13; Lucas 18:15); mas, como foi dito de forma concisa: — “Deduzir que se deve batizar as criancinhas pelo fato de que Cristo as bendisse, nada prova além da falta de um argumento melhor; porque a conclusão mais provável seria esta: Cristo bendisse as criancinhas e então as despediu, mas não as batizou; por conseguinte, as criancinhas não precisam ser batizadas.” — Regras de Fé, do autor, cap. 6.

  7. O Camelo e o Fundo da Agulha. — Comparando a dificuldade de um rico entrar no reino com a de um camelo passar pelo fundo de uma agulha, Jesus usou uma figura retórica que, forte e proibitória quanto o pareça em nossa tradução, era de um tipo familiar àqueles que ouviram o comentário. Havia um “provérbio judeu comum, que dizia que um homem nem mesmo em sonhos via um elefante passar pelo fundo de uma agulha” (Edersheim). Alguns intérpretes insistem que uma corda, e não um camelo, foi mencionada por Jesus, e estes baseiam sua concepção no fato de que a palavra grega kamelos (camelo) difere da palavra kamilos (corda) em apenas uma letra, e que o suposto erro de substituição de corda por camelo, no texto escriturístico, é devido aos primeiros copistas. Farrar (p. 476) rejeita esta possível interpretação, com base em que provérbios que tratavam de comparações do tipo desta, de um camelo passando pelo fundo de uma agulha, são comuns no Talmud.

    Tem-se afirmado que o termo “fundo de agulha” era aplicado a uma pequena porta ou cancela nos grandes portões ou ao lado dos mesmos, nos muros das cidades; e levantou-se a suposição de que Jesus tinha tal portinhola em mente quando falou sobre a impossibilidade aparente de um camelo passar pelo fundo de uma agulha. Seria possível, embora muito difícil para um camelo, passar pelo pequeno portão, e ele não poderia de forma alguma fazê-lo, a não ser que se livrasse de sua carga e de todos os seus arreios. Se esta idéia for correta, podemos encontrar semelhança adicional entre o fato de que o camelo precisa primeiro livrar-se de tudo, não importa quão preciosa a sua carga ou quão caros os seus arreios, e a necessidade do jovem, e de qualquer outro homem, de despojar-se da carga e dos adornos da riqueza, se quiser entrar pelo caminho estreito que leva ao reino. A exposição que o Senhor fez de Sua história é suficiente para os propósitos da lição: “Isto é impossível aos homens, mas para Deus tudo é possível.” (Mat. 19:26.)

  8. Preocupação Indevida Quanto ao Salário Quando Se Está a Serviço do Senhor. — A instrutiva e inspiradora Parábola dos Trabalhadores foi provocada pela pergunta interesseira de Pedro: “Que será, pois, de nós?” Com terna misericórdia, o Senhor evitou repreender diretamente Seu servo impulsivo pela preocupação indevida quanto ao pagamento que devia esperar; mas usou o incidente para um excelente propósito, transformando-o no texto de uma valorosa lição. O seguinte comentário de Edersheim é digno de consideração (vol. ii, p. 416): “Existia aqui um profundo perigo para os discípulos: perigo de que abrigassem sentimentos semelhantes àqueles que os fariseus nutriam pelos publicanos perdoados, ou o filho mais velho pelo irmão mais jovem da parábola; perigo de má interpretação das relações certas, e com isso, do próprio caráter do reino e do trabalho feito nele e por ele. É a isto que a Parábola dos Trabalhadores da Vinha se refere. O princípio que Cristo estabelece é que, conquanto nada que fizermos por Ele deixará de ser recompensado, ainda assim, por uma razão ou por outra, nenhum prognóstico pode ser feito, nenhuma conclusão de auto-retidão pode ser tirada. Não está estabelecido, de forma alguma, que a maior parte do trabalho feito — pelo menos segundo os nossos conceitos e julgamentos — trará uma recompensa maior. Ao contrário, muitos primeiros serão últimos, e os últimos serão primeiros.’ Não todos e nem sempre e necessariamente, mas muitos.’ E em tais casos, nenhum mal foi feito. Não existe qualquer reivindicação, nem mesmo em vista das promessas de reconhecimento devido pelo trabalho. Orgulho espiritual e âuto-exaltação só podem ser fruto, ou de má interpretação da relação de Deus para conosco, ou de um estado de espírito errôneo em relação a nosso próximo — isto é, indicam inaptidão mental ou moral. Disto a Parábola dos Trabalhadores é uma ilustração (…) Mas, enquanto ilustra o fato de que alguns que eram primeiros poderão ser últimos, e quão profundamente errada é a idéia de que os que aparentemente fizeram mais devem necessariamente receber mais que os outros, — ou seja, que o trabalho para Cristo não é uma quantidade ponderável, à base de tanto por tanto; e também que não podemos ser juízes de quando e por que um trabalhador se inicia na obra — ela também transmite muita coisa nova, e, sob muitos aspectos, profundamente confortante.