2002
Consagrar a Vossa Ação
Julho de 2002


Consagrar a Vossa Ação

Ao ponderarmos e buscarmos a consagração, é compreensível que as exigências nos deixem atemorizados. Mas o Senhor nos reconfortou, dizendo: “Minha graça vos basta”. (D&C 17:8)

Dirijo meu discurso aos membros da Igreja que são imperfeitos mas têm consciência disso e se esforçam por melhorar. Como sempre, a pessoa que mais se beneficiará com meus conselhos sou eu mesmo.

Temos a tendência de pensar na consagração somente como a doação de bens materiais, quando Deus assim nos ordena. Mas a consagração final é a entrega de si mesmo a Deus. Coração, mente e alma foram as abrangentes palavras de Cristo ao descrever o primeiro mandamento, que deve ser cumprido constantemente e não apenas de modo esporádico. (Ver Mateus 22:37.) Se o cumprirmos, nossas ações serão então plenamente consagradas para o bem-estar eterno de nossa alma. (Ver 2 Néfi 32:9.) Essa consagração plena envolve uma convergência submissa de pensamentos, palavras e ações, que é exatamente o oposto do afastamento: “Pois como conhece um homem o mestre a quem não serviu e que lhe é estranho e que está longe dos pensamentos e desígnios de seu coração?” (Mosias 5:13)

Muitos ignoram a consagração por parecer algo muito abstrato ou desanimador. Contudo, a pessoa cônscia de suas imperfeições sente o descontentamento divino em relação a seu pequeno progresso associado à procrastinação. Seguem-se, portanto, alguns conselhos para os membros da Igreja, confirmando essa orientação, incentivando-os a prosseguirem a jornada e consolando-os ao encontrarem algumas dificuldades.

A disposição de sermos espiritualmente submissos não é algo que desenvolvemos instantaneamente, mas, sim, gradualmente, subindo os degraus que, afinal de contas, foram feitos mesmo para serem galgados um a cada vez. Nossa vontade pode chegar a ser “absorvida pela vontade do Pai” e estaremos “dispostos a submeter-[nos] (…) como uma criança se submete a seu pai”. (Ver Mosias 15:7; Mosias 3:19.) Caso contrário, embora nos esforcemos, continuaremos sendo fustigados pela turbulência do mundo por estarmos parcialmente afastados do rumo.

Seria útil analisarmos alguns exemplos de consagração temporal. Quando “Ananias e Safira venderam suas propriedades, eles “[retiveram] parte do preço”. (Ver Atos 5:1–11.) Muitos de nós nos apegamos firmemente a uma “parte” específica de nós mesmos, tratando nossas obsessões como se fossem propriedades. Assim sendo, não importa quanto já tenhamos dado, a última porção é a mais difícil de ser ofertada. É claro que uma oferta parcial continua sendo louvável, mas se assemelha muito a uma desculpa do tipo “já contribuí no ano passado”. (Ver Tiago 1:7–8.)

Podemos ter, por exemplo, um conjunto específico de habilidades e talentos que, sem dúvida alguma, são nossos. Se continuarmos a apegar-nos a eles mais do que a Deus, estaremos deixando de obedecer plenamente ao primeiro mandamento. Como Deus está nos “apoiando de momento a momento”, o excesso de apego e devoção a essas coisas não são recomendáveis! (Mosias 2:21)

Outra pedra de tropeço surge quando servimos a Deus generosamente com nosso tempo e dinheiro, mas continuamos retendo parte de nosso eu interior, o que implica que ainda não somos inteiramente Seus!

Alguns encontram muita dificuldade quando determinadas tarefas chegam ao fim. João Batista, porém, foi um grande exemplo, ao declarar o seguinte acerca do crescente número de seguidores de Jesus: “É necessário que ele cresça e que eu diminua”. (João 3:30) A falsa noção de que nossas designações são o único indicador de quanto Deus nos ama aumenta nossa relutância em desapegar-nos delas. Irmãos e irmãs, nosso valor individual já foi divinamente determinado como sendo “grande”, e não varia com as oscilações da bolsa de valores.

Outros degraus ficam sem ser galgados, como no caso do jovem rico, pois não estamos dispostos a encarar o que ainda nos falta. (Ver Marcos 10:21.) Um certo resquício de egoísmo torna-se assim evidente.

Existem muitas maneiras pelas quais podemos diminuir. O Reino Terrestre, por exemplo, incluirá pessoas “honradas”, que certamente não prestaram falso testemunho. Contudo, elas não foram “valentes no testemunho de Jesus”. (D&C 76:75, 79) A melhor forma de prestarmos um valente testemunho de Cristo é tornar-nos mais semelhantes a Ele, e é a consagração que molda nosso caráter para seguirmos Seus passos. (Ver 3 Néfi 27:27.)

Ao enfrentarmos os mencionados desafios, a disposição de submeter-nos espiritualmente muito nos ajuda, às vezes auxiliando-nos a ceder ou oferecer alguma coisa, até mesmo a vida mortal, em outras ocasiões a “apegar-nos firmemente” ou, em outros momentos, a galgar o próximo degrau. (1 Néfi 8:30)

Mas se não mantivermos a perspectiva correta, os próximos passos podem parecer extraordinariamente difíceis. Embora tivessem conhecimento de que Deus abençoara Israel para que escapasse do poderoso Faraó e seus exércitos, Lamã e Lemuel, por sua falta de visão, não tiveram fé na capacidade de Deus de ajudá-los a lidar com um mero líder local, como Labão.

Também podemos ser desviados do caminho por ficarmos demasiadamente ansiosos por agradar nossos superiores no ambiente de trabalho ou emprego. Colocar “outros deuses” à frente do Deus verdadeiro é algo que também viola o primeiro mandamento. (Êxodo 20:3)

Muitas vezes até defendemos nossas manias ou hábitos, como se essas coisas de certa forma fizessem parte de nossa personalidade. Ser um discípulo é, de certo modo, um “esporte de contato”, como testificou o Profeta Joseph:

“Sou como uma enorme pedra bruta que vem descendo de uma alta montanha, que vai-se polindo à medida que suas arestas se alisam ao esfregar em alguma coisa. (…) E assim, chegarei a ser um dardo polido na aljava do Todo-Poderoso”. [Ensinamentos do Profeta Joseph Smith, pp. 295-296]

Como freqüentemente os joelhos dobram-se bem antes da mente, a retenção de uma “parte” priva a obra de Deus de alguns dos melhores intelectos da humanidade. Seria bem melhor que fôssemos humildes como Moisés, que aprendeu coisas “que nunca havia imaginado”. (Moisés 1:10) Infelizmente, porém, no sutil interrelacionamento entre arbítrio e personalidade, há muita relutância. A desistência de certas atitudes e idéias, na verdade, é uma vitória, porque nos leva aos caminhos mais elevados de Deus. (Ver Isaías 55:9.)

Ironicamente, uma dedicação demasiada, inclusive para coisas boas, pode diminuir nossa devoção a Deus. Podemos, por exemplo, envolver-nos demasiadamente nos esportes e na adoração do corpo físico. Uma pessoa pode reverenciar a natureza, mas negligenciar o Deus que a criou. Outro pode dar atenção exclusiva à boa música ou a uma profissão digna. Nessas circunstâncias, as “coisas mais importantes” são freqüentemente negligenciadas. (Ver I Coríntios 2:16; Mateus 23:23.) Só o Altíssimo pode guiar-nos plenamente para o melhor que podemos fazer de bom.

Todas as coisas dependem dos dois grandes mandamentos, declarou Jesus, e não vice versa! (Ver Mateus 22:40.) O primeiro mandamento não é cancelado simplesmente por causa da vigorosa busca de um bem menor, porque não adoramos um deus menor.

Antes de desfrutarmos a colheita do trabalho digno, devemos primeiro reconhecer a mão de Deus. Caso contrário, estaremos racionalizando: “A minha força, e a fortaleza da minha mão, me adquiriu este poder”. (Deuteronômio 8:17) Ou “gloriando-nos”, como a antiga Israel teria feito (se não fosse pelo deliberadamente pequeno exército de Gideão), dizendo: “A minha mão me livrou”. (Juízes 7:2) Valorizar a nossa própria “mão” faz com que seja duplamente difícil confessarmos a mão de Deus em todas as coisas! (Ver Alma 14:11; D&C 59:21.)

Num lugar chamado Meribá, um dos maiores homens que já existiu, Moisés, ficou cansado do clamor do povo pedindo água. Por um momento, Moisés “falou imprudentemente”, dizendo: “Porventura tiraremos água desta rocha para vós?” (Salmos 106:33; Números 20:10; ver também Deuteronômio 4:21.) O Senhor chamou a atenção de Moisés por ter usado a segunda pessoa do plural, “tiraremos”, em vez da terceira pessoa, “Ele tirará”, e depois o magnificou ainda mais. Bem faríamos em ser tão humildes quanto Moisés. (Ver Números 12:3.)

Jesus jamais perdeu a perspectiva correta das coisas! Embora fizesse muito de bom, Ele sabia o tempo todo que a Expiação O aguardava, implorando com compreensão: “Pai salva-me desta hora; mas para isto vim a esta hora”. (João 12:27; ver também João 5:30; João 6:38.)

Quanto mais desenvolvermos o amor, paciência e humildade, mais teremos a ofertar a Deus e à humanidade. Além disso, ninguém possui os mesmos talentos ou se encontra em nossa oportuna esfera de ação em meio às pessoas.

É evidente que os degraus nos levam para um território novo, o qual talvez estejamos relutantes em explorar. Assim sendo, as pessoas que conseguem ter sucesso em galgar esses degraus são uma vigorosa motivação para o restante de nós. Geralmente damos mais atenção às pessoas que admiramos. O faminto filho pródigo lembrou-se das boas refeições que tinha em sua casa, mas também foi mais motivado por outras lembranças ao decidir: “Levantar-me-ei e irei ter com meu pai”. (TJS Lucas 15:18)

Ao esforçar-nos para tornar-nos plenamente submissos, nossa vontade, no final das contas, é tudo que realmente temos a oferecer a Deus. As dádivas usuais que oferecemos a Ele e seus resultados poderiam muito bem levar o carimbo “Devolver ao Remetente”, com ‘R’ maiúsculo. Mesmo quando Deus recebe essa única dádiva, aqueles que são plenamente fiéis receberão em troca “tudo o que Ele possui”. (D&C 84:38) Que imensa vantagem levamos!

Até lá, as seguintes verdades continuam válidas: Deus nos deu nossa vida, nosso arbítrio, nossos talentos e oportunidades, Ele nos deu nossas propriedades, Ele nos deu o tempo de vida mortal que nos foi designado com todas as coisas necessárias para chegarmos até o fim dele. (Ver D&C 64:32.) Orientados por essa perspectiva, evitaremos graves erros de proporção. Alguns deles podem ser bem menos divertidos do que ouvir um grupo de oito pessoas cantando e confundi-los com o Coro do Tabernáculo!

Não admira que o Presidente Hinckley tenha enfatizado nossa condição de povo do convênio, salientando os convênios do sacramento, dízimo, templo e referindo-se ao sacrifício como “a própria essência da Expiação”. (Teachings of Gordon B. Hinckley, 1997, p. 147.)

O Salvador alcançou um nível extraordinário de submissão, ao enfrentar a angústia e agonia da Expiação e “[desejar] não ter de beber a amarga taça e recuar”. (D&C 19:18) Em nossa pequena e imperfeita escala, enfrentamos coisas que precisamos superar e desejamos que elas sejam de alguma forma removidas de nossa vida.

Pensem nisto. O que seria do ministério de Jesus se Ele tivesse realizado muitos outros milagres mas não o milagre transcendental do Getsêmani e do Calvário? Seus outros milagres ampliaram a vida de alguns e diminuíram os sofrimentos de outros. Mas como esses milagres poderiam se comparar ao milagre, maior de todos, a ressurreição universal? (Ver I Coríntios 15:22.) A multiplicação de pães e peixes alimentou uma multidão faminta. Mesmo assim, as pessoas logo ficaram com fome novamente, ao passo que aqueles que recebem o Pão da Vida jamais terão fome novamente. (João 6:51, 58)

Ao ponderarmos e buscarmos a consagração, é compreensível que as exigências nos deixem atemorizados. Mas o Senhor nos reconfortou, dizendo: “Minha graça vos basta”. (D&C 17:8) Será que cremos realmente Nele? Ele também prometeu que tornaria fortes as coisas fracas. (Éter 12:27) Será que estamos realmente dispostos a submeter-nos a esse processo? Mas se desejamos a plenitude, não podemos reter uma parte!

Deixarmos que nossa vontade seja cada vez mais absorvida pela vontade do Pai, na verdade, significa uma personalidade ampliada e mais capaz de receber “tudo o que [Deus] possui”. (D&C 84:38) Além disso, como poderemos receber “tudo” que Ele possui enquanto nossa vontade não for muito mais semelhante à Dele? E o Seu “tudo” não pode ser plenamente compreendido por aqueles que estão apenas parcialmente comprometidos.

Na verdade, estaremos traindo nosso “eu” futuro ao retermos qualquer “parte” agora. Não precisamos perguntar: “Por ventura sou eu, Senhor?” (Mateus 26:22) Em vez disso, deveríamos perguntar quais são nossas pedras de tropeço: “Senhor, que parte de minha vida preciso melhorar?” Talvez já há muito tempo saibamos qual é a resposta e precisamos mais de determinação do que de Sua resposta.

A maior felicidade no generoso plano de Deus é reservada no final para aqueles que estão dispostos a se empenhar ao máximo e pagar o preço da jornada até Seu glorioso reino. Irmãos e irmãs, prossigamos sempre nesta jornada. (“Come, Let Us Anew”, Hymns, n.o 217.)

Em nome do Senhor que está de braços abertos (ver D&C 103:17; 136:22), sim, Jesus Cristo. Amém!