Conferência Geral
A paz de Cristo desfaz a inimizade
Conferência Geral de Outubro de 2021


A paz de Cristo desfaz a inimizade

Quando o amor a Cristo envolve nossa vida, abordamos as divergências com mansidão, paciência e bondade.

Meus queridos irmãos e irmãs, durante um teste ergométrico, a carga de trabalho do coração é aumentada. Corações que aguentam a carga de uma caminhada podem ter dificuldade em suportar as exigências de uma corrida na subida. Dessa maneira, o teste ergométrico pode apresentar resultados de doenças subjacentes que, de outro modo, não seriam aparentes. Quaisquer problemas identificados podem então ser tratados antes que causem problemas graves na vida diária.

A pandemia da Covid-19 certamente foi um teste ergométrico mundial! O teste mostrou resultados variados. Vacinas seguras e eficazes foram desenvolvidas.1 Profissionais médicos, professores, cuidadores e outras pessoas se sacrificaram de maneira heroica — e continuam se sacrificando. Muitas pessoas demonstraram generosidade e bondade — e continuam demonstrando. No entanto, desvantagens não aparentes têm sido manifestadas. Pessoas vulneráveis sofreram — e continuam sofrendo. As pessoas que trabalham para abordar essas desigualdades não aparentes devem ser incentivadas e merecem nossa gratidão.

A pandemia também é um teste ergométrico espiritual para a Igreja do Salvador e para seus membros. Os resultados são igualmente variados. Nossa vida tem sido abençoada pela ministração de maneira mais sagrada e elevada,2 pelo currículo Vem, e Segue-Me e pelo aprendizado do evangelho centralizado no lar e apoiado pela Igreja. Muitas pessoas ofereceram ajuda e consolo compassivos durante esses momentos difíceis e continuam oferecendo.3

Ainda assim, em alguns casos, o teste ergométrico espiritual mostrou tendências relacionadas à contenda e divisão. Isso sugere que temos trabalho a fazer a fim de mudarmos nosso coração e de nos tornarmos unidos assim como os verdadeiros discípulos do Salvador. Esse não é um desafio novo, mas é um desafio crucial.4

Quando o Salvador visitou os nefitas, Ele ensinou: “Não haverá disputas entre vós. (…) Aquele que tem o espírito de discórdia não é meu, mas é do diabo, que é o pai da discórdia e leva a cólera ao coração dos homens, para contenderem uns com os outros”.5 Quando contendemos, levando cólera ao coração das pessoas, Satanás ri e o Deus do céu chora.6

Satanás ri, e Deus chora por pelo menos dois motivos. Primeiro, a contenda enfraquece nosso testemunho coletivo de Jesus Cristo ao mundo e a redenção que advém por meio de Seus “méritos (…) misericórdia e graça”.7 O Salvador disse: “Um novo mandamento vos dou: Que vos ameis uns aos outros. (…) Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros”.8 O contrário também é verdadeiro — todos sabem que não somos Seus discípulos quando não demonstramos amor uns pelos outros. Sua obra nos últimos dias é comprometida quando há contenda ou inimizade9 entre Seus discípulos.10 Segundo, a contenda é espiritualmente nociva para nós como indivíduos. Nossa paz, nossa alegria e nosso descanso são retirados de nós, e nossa capacidade de sentir o Espírito é comprometida.

Jesus Cristo explica que Sua doutrina não deve levar “a cólera ao coração dos homens, uns contra os outros; esta, porém, é [Sua] doutrina: que estas coisas devem cessar”.11 Se sou rápido em me sentir ofendido ou rápido em responder com raiva ou julgamentos às diferenças de opinião, sou “reprovado” no teste ergométrico espiritual. Essa reprovação no teste não significa que devo perder a esperança. Em vez disso, a reprovação significa que preciso mudar. E é bom que saibamos disso.

Após a visita do Salvador às Américas, o povo estava unido; “não havia contendas em toda a terra”.12 Vocês acham que o povo estava unido porque eram todos iguais ou porque não tinham diferenças de opinião? Duvido que sejam esses os motivos. Em vez disso, a contenda e a inimizade desapareceram porque eles colocaram seu discipulado ao Salvador acima de tudo. Suas diferenças perderam importância quando comparadas ao amor que tinham pelo Salvador, e estavam unidos como “herdeiros do reino de Deus”.13 O resultado foi que “não poderia haver povo mais feliz (…) [criado] pela mão de Deus”.14

A união exige esforço.15 Ela é desenvolvida quando cultivamos o amor a Deus em nosso coração16 e quando nos concentramos em nosso destino eterno.17 Somos unidos por nossa identidade primária comum como filhos de Deus18 e por nosso comprometimento às verdades do evangelho restaurado. Por sua vez, nosso amor a Deus e nosso discipulado a Jesus Cristo promovem uma preocupação genuína pelas outras pessoas. Valorizamos o caleidoscópio das características, das perspectivas e dos talentos dos outros.19 Se somos incapazes de colocar nosso discipulado a Jesus Cristo acima de interesses e opiniões pessoais, devemos reexaminar nossas prioridades e mudar.

Talvez estejamos inclinados a dizer: “É claro que podemos ter união — se você pelo menos concordasse comigo!” Uma melhor abordagem seria perguntar: “O que posso fazer para promover união? Como posso responder a fim de ajudar essa pessoa a se achegar a Cristo? O que posso fazer para diminuir a contenda e edificar uma comunidade da Igreja que seja compassiva e cuidadosa?”

Quando o amor a Cristo envolve nossa vida,20 abordamos as divergências com mansidão, paciência e bondade.21 Preocupamo-nos menos com nossas vulnerabilidades e mais com as vulnerabilidades de nosso próximo. Buscamos “a moderação e a união”.22 Não nos envolvemos em “contendas de opiniões”, não julgamos aqueles de quem discordamos e nem tentamos fazer com que eles tropecem.23 Em vez disso, partimos do princípio de que aqueles de quem discordamos estão fazendo o melhor que podem de acordo com as experiências de vida que eles têm.

Minha esposa exerceu a advocacia por mais de 20 anos. Como advogada, ela com frequência trabalhava com outras pessoas que defendiam explicitamente pontos de vista opostos. Contudo, ela aprendeu a discordar sem ser rude ou sem se zangar. Ela dizia ao advogado da oposição: “Vejo que não vamos concordar com essa questão. Gosto de você. Respeito sua opinião. Espero que você possa me conceder a mesma cortesia”. Muitas vezes, esse tipo de atitude gerou respeito mútuo e também amizade apesar das diferenças.

Até mesmo antigos inimigos podem se tornar unidos em seu discipulado ao Salvador.24 Em 2006, participei da dedicação do Templo de Helsinque Finlândia a fim de homenagear meu pai e meus avós, que haviam se convertido à Igreja na Finlândia. Os finlandeses, inclusive meu pai, haviam sonhado com um templo na Finlândia por décadas. Na época, o distrito do templo abrangia a Finlândia, a Estônia, a Letônia, a Lituânia, a Bielo-Rússia e a Rússia.

Na dedicação, descobri algo surpreendente. O primeiro dia de funcionamento geral foi reservado para os membros russos realizarem as ordenanças do templo. É difícil explicar como isso foi impressionante. A Rússia e a Finlândia travaram muitas guerras ao longo dos séculos. Meu pai não confiava nos russos e não gostava da Rússia, nem dos russos. Ele já havia expressado esses sentimentos de maneira acalorada, e seus sentimentos eram típicos da inimizade finlandesa pela Rússia. Também havia memorizado poemas épicos que narravam a guerra do século 19 entre finlandeses e russos. Suas experiências durante a Segunda Guerra Mundial, quando a Finlândia e a Rússia foram novamente antagonistas, não fizeram com que ele mudasse suas opiniões.

Um ano antes da dedicação do Templo de Helsinque Finlândia, o comitê do templo, formado exclusivamente por membros finlandeses, reuniu-se para falar a respeito dos planos para a dedicação. Durante a reunião, alguém notou que os santos russos viajariam vários dias para assistir à dedicação e talvez tivessem a expectativa de receber as bênçãos do templo antes de voltar para casa. O presidente do comitê, o irmão Sven Eklund, sugeriu que os finlandeses esperassem um pouco mais e que os russos fossem os primeiros membros a realizar as ordenanças no templo. Todos os membros do comitê concordaram. Os fiéis santos dos últimos dias finlandeses adiaram as bênçãos do templo para acomodar os santos russos.

O presidente da área que estava presente na reunião do comitê do templo, o élder Dennis B. Neuenschwander, posteriormente escreveu: “Nunca estive mais orgulhoso dos finlandeses do que nesse momento. A difícil história da Finlândia com seu vizinho oriental (…) e sua empolgação por finalmente ter [um templo] construído em seu próprio solo foram deixadas de lado. Permitir que os russos entrassem no templo primeiro [foi] uma declaração de amor e sacrifício”.25

Quando relatei essa gentileza a meu pai, seu coração foi tocado, e ele chorou, uma ocorrência muito rara para aquele finlandês implacável. Daquela época até sua morte, três anos depois, ele nunca expressou outro sentimento negativo sobre a Rússia. Inspirado pelo exemplo de seus companheiros finlandeses, meu pai escolheu colocar seu discipulado a Jesus Cristo acima de todas as outras questões de sua vida. Os finlandeses não eram menos finlandeses; os russos não eram menos russos; nenhum dos grupos abandonou sua cultura, sua história ou suas experiências para banir a inimizade. Eles não precisaram fazer isso. Na realidade, eles escolheram fazer com que seu discipulado a Jesus Cristo fosse a questão mais importante de sua vida.26

Se eles conseguem fazer isso, nós também conseguimos. Podemos trazer nosso legado, nossa cultura e nossas experiências à Igreja de Jesus Cristo. Samuel não negou seu legado como lamanita,27 nem Mórmon negou o seu como nefita.28 Mas cada um deles colocou seu discipulado ao Salvador em primeiro lugar.

Se não somos um, não somos Dele.29 Meu convite é para que sejamos valentes ao colocarmos nosso amor a Deus e nosso discipulado ao Salvador acima de todas as outras questões de nossa vida.30 Que defendamos o convênio inerente ao nosso discipulado — o convênio de sermos um.

Que sigamos o exemplo dos santos de todo o mundo que eficazmente estão se tornando discípulos de Cristo. Podemos confiar em Jesus Cristo, que “é nossa paz, o qual (…) derrubando a parede de separação que estava no meio, [em Seu sacrifício expiatório] desfez a inimizade”.31 Nosso testemunho de Jesus Cristo ao mundo será fortalecido, e nós nos manteremos espiritualmente saudáveis.32 Presto testemunho que, à medida que evitarmos a discórdia e nos tornarmos semelhantes ao Senhor em amor e com Ele unidos na fé, sentiremos Sua paz.33 Em nome de Jesus Cristo, amém.

Notas

  1. Ver “The First Presidency Urges Latter-day Saints to Wear Face Masks When Needed and Get Vaccinated Against COVID-19”, Newsroom, 12 de agosto de 2021, newsroom.ChurchofJesusChrist.org; “Vaccines Explained”, World Health Organization, who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/covid-19-vaccines/explainers; “Safety of COVID-19 Vaccines”, Centros de Controle e Prevenção de Doenças, 27 de setembro de 2021, cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/vaccines/safety/safety-of-vaccines.html; “COVID-19 Vaccine Effectiveness and Safety”, Morbidity and Mortality Weekly Report, Centros de Controle e Prevenção de Doenças, cdc.gov/mmwr/covid19_vaccine_safety.html.

  2. Russell M. Nelson, “A participação das irmãs na coligação de Israel”, Liahona, novembro de 2018, p. 69.

  3. Ver Doutrina e Convênios 81:5.

  4. Muitos apóstolos e profetas falaram a respeito de união e de contenda ao longo dos anos. Ver, por exemplo: Marvin J. Ashton, “Não há tempo para contendas”, A Liahona, outubro de 1978, pp. 7–9; Marion G. Romney, “Unidade”, A Liahona, julho de 1983, pp. 31–33; Russell M. Nelson, “O cancro da discórdia”, A Liahona, julho de 1989, pp. 74–77; Russell M. Nelson, “Filhos do convênio”, A Liahona, julho de 1995, pp. 33–37; Henry B. Eyring, “Para que sejamos um”, A Liahona, julho de 1998, pp. 73–76; D. Todd Christofferson, “A Sião vem, pois, depressa”, A Liahona, novembro de 2008, pp. 37–40; Jeffrey R. Holland, “O ministério da reconciliação”, Liahona, novembro de 2018, p. 77–79; Quentin L. Cook, “Corações entrelaçados em retidão e união”, Liahona, novembro de 2020, pp. 18–21; Gary E. Stevenson, “Corações entrelaçados”, Liahona, maio de 2021, pp. 19–23.

  5. 3 Néfi 11:28–29.

  6. Ver Moisés 7:26, 28, 33. Isso não sugere que o sacrifício expiatório do Salvador seja contínuo ou que Ele continue a sofrer; Jesus Cristo já realizou a Expiação. Contudo, Sua empatia e compaixão infinitas e perfeitas, as quais Ele adquiriu como resultado de Seu sacrifício expiatório, permitem que Ele sinta decepção e tristeza.

  7. 2 Néfi 2:8.

  8. João 13:34, 35.

  9. Inimizade é o estado ou sentimento de se opor ativamente a alguém ou a algo; significa hostilidade, antagonismo, animosidade, rancor e antipatia profunda ou má vontade. A palavra grega traduzida como “inimizade” também é traduzida como ódio. É o oposto da palavra ágape, que é traduzida como “amor”. Ver James Strong, The New Strong’s Expanded Exhaustive Concordance of the Bible, 2010, Seção do dicionário grego, número 2189.

  10. Ver João 17:21, 23.

  11. 3 Néfi 11:30.

  12. 4 Néfi 1:18.

  13. 4 Néfi 1:17.

  14. 4 Néfi 1:16.

  15. O presidente Russell M. Nelson disse: “O Senhor ama o esforço”, em Joy D. Jones, “Um chamado particularmente nobre”, Liahona, maio de 2020, p. 16.

  16. Ver 4 Néfi 1:15. Há pessoas que alcançaram esse tipo de união. Nos dias de Enoque, “o Senhor chamou seu povo Sião, porque eram unos de coração e vontade e viviam em retidão; e não havia pobres entre eles” (Moisés 7:18).

  17. Ver Mosias 18:21.

  18. Ver Atos 17:29; Salmos 82:6.

  19. Ver 1 Coríntios 12:12–27.

  20. Ver Morôni 7:47–48.

  21. Ver Doutrina e Convênios 107:30–31.

  22. Dallin H. Oaks, “Defender a constituição inspirada por Deus”, Liahona, maio de 2021, p. 107.

  23. Ver Romanos 14:1–3, 13, 21.

  24. O Salvador criticou Seus “discípulos, nos dias antigos, [que] procuraram pretextos uns contra os outros e em seu coração não se perdoaram; e por esse mal foram afligidos e severamente repreendidos. Portanto”, Jesus admoestou Seus discípulos dos últimos dias, “digo-vos que vos deveis perdoar uns aos outros” (Doutrina e Convênios 64:8–9).

  25. Élder Dennis B. Neuenschwander, correspondência pessoal.

  26. No típico estilo finlandês, quando o irmão Eklund falou sobre essa decisão, ele disse que era simplesmente lógico. Em vez de elogiar a magnanimidade dos finlandeses, ele expressou apreço pelos russos. Os finlandeses ficaram gratos pela contribuição significativa dos russos ao trabalho que está sendo feito no Templo de Helsinque Finlândia. (Irmão Sven Eklund, correspondência pessoal.)

  27. Ver Helamã 13:2, 5.

  28. Ver 3 Néfi 5:13, 20.

  29. Ver Doutrina e Convênios 38:27.

  30. Ver Lucas 14:25–33.

  31. Efésios 2:14–15.

  32. Ver Efésios 2:19.

  33. Ver Russell M. Nelson, “O cancro da discórdia”, A Liahona, julho de 1989, p. 74.

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