1990–1999
A Língua Pode Ser uma Espada Afiada
April 1992


A Língua Pode Ser uma Espada Afiada

“Sede alguém que edifica e apoia. Sede alguém que possui um coração compreensivo e clemente e que procura o que há de melhor nas pessoas.”

Orei Davi clamou, ao suplicar misericórdia no Salmo 57: “A minha alma está entre leões, e eu estou entre aqueles que estão abrasados, filhos dos homens, cujos dentes são lanças e frechas, e cuja língua é espada afiada” (Salmos 57:4).

No mundo de hoje, somos vítimas de muitas pessoas que usam a língua como espada afiada. O uso indevido da língua aumenta a intriga e a destruição, quando certas pessoas e os meios de comunicação se entregam a este passatempo. No vernáculo atual, esta atividade destrutiva se chama língua ferina.

A língua ferina é comum, e com ela, muitos atingem vizinhos, membros da família, servidores públicos, a comunidade, o país, a igreja. Também é alarmante a freqüência com que vemos filhos atingindo pais e vice-versa.

Como membros da Igreja, precisamos lembrar-nos de que as palavras “Não deixeis palavras duras” são mais do que uma frase em um contexto musical; são um estilo de vida louvável. (Vide Hinos, 138). Precisamos lembrar-nos, mais do que nunca, de que “se houver qualquer coisa virtuosa, amável ou louvável, nós a procuraremos” (13a Regra de Fé). Se seguirmos esta admoestação, não haverá tempo para ofender em vez de edificar.

Alguns pensam que a única maneira de se vingar, de chamar a atenção, de obter vantagem ou de vencer é ofender as pessoas. Este comportamento nunca é apropriado. Freqüentemente, o caráter, a reputação e quase sempre a auto-estima são destruídos sob o martelo desta prática maldosa.

Muitas vezes nos permitimos afastar desta simples regra: “Se não podeis dizer nada de bom sobre algo ou alguém, não digais nada”.

Embora notícias e boatos sobre má conduta e mau comportamento se espalhem rapidamente e possam transformar-se em boa munição para os que injuriam, ofendem ou prejudicam, o Salvador nos lembra de que aquele que não tem pecado pode atirar a primeira pedra. (Vide João 8:7.) Notícias e conversas negativas estão sempre à mão para as pessoas que promovem o sórdido e o sensacional. Ainda nenhum de nós é perfeito. Cada um tem imperfeições terrivelmente difíceis de se detectar, especialmente se este for o objetivo. Por meio de exame microscópico pode-se encontrar, na vida de quase todas as pessoas, incidentes ou características que podem ser destrutivos se magnificados.

Precisamos retomar o costume de reconhecer o lado bom e louvável dentro da família. A noite familiar precisa ser reenfatizada e utilizada como alicerce ou instrumento de comunicação e de ensinamentos proveitosos, e nunca como uma oportunidade para ofender outros membros da família, vizinhos, professores ou líderes da Igreja. A lealdade familiar brotará quando fortalecermos o lado bom e positivo e refrearmos os pensamentos negativos, buscando só aquilo que realmente vale a pena.

Sempre haverá gente disposta a usar a língua contra nós, mas não podemos permitir que uma dura ofensa nos destrua ou detenha nosso progresso pessoal ou espiritual.

Certa vez, perguntaram a Bernard Baruch, consultor de seis presidentes dos Estados Unidos, se alguma vez se perturbou com as investidas dos inimigos. Disse ele: “Nenhum homem pode humilhar-me ou perturbar-me. Não permito que isso aconteça”.

Lembremo-nos de que Jesus Cristo, a única pessoa perfeita nesta terra, ensinou-nos pelo exemplo sereno a não dizermos nada em situações estressantes, e a não gastarmos tempo e energia ofendendo as pessoas, seja qual for o motivo.

Então, qual é o antídoto para esta língua ferina que ofende, humilha os outros, destrói relacionamentos e prejudica a auto-estima? A língua ferina deve ser substituída pela caridade. Morôni descreve-a desta maneira: “De modo que, meus amados irmãos, se não tendes caridade, nada sois, porque a caridade nunca falha. Portanto, apegai-vos à caridade, que é de todas a maior…

A caridade é o puro amor de Cristo e permanece para sempre” (Morôni 7:46–47).

Caridade é, talvez, de muitas maneiras uma palavra mal compreendida. Freqüentemente consideramos caridade visitas a doentes, alimentos dados aos necessitados, a doação do que nos sobeja aos menos afortunados. A verdadeira caridade, porém, é mais, muito mais.

A verdadeira caridade não é algo que doamos; é algo que adquirimos e torna-se parte de nós. E quando a virtude da caridade entra em nosso coração, nunca mais somos os mesmos. Uma língua ferina se torna algo repulsivo.

Talvez tenhamos maior caridade quando somos amáveis uns com os outros, quando não julgamos ou classificamos as pessoas, quando simplesmente concedemos aos outros o benefício da dúvida ou permanecemos calados. Caridade é aceitar as diferenças, fraquezas e imperfeições dos outros; ter paciência com alguém que nos aviltou; ou resistir ao impulso de ficar ofendido quando alguém não age da maneira que esperávamos. Caridade é recusar-se a tirar vantagem da fraqueza de outra pessoa, é ter o desejo de perdoar quem nos ofendeu. Caridade é esperar o melhor dos outros.

Nenhum de nós precisa de uma língua ferina para nos desmerecer ou apontar nossas falhas ou fracassos. Muitos de nós já estamos bem conscientes de nossas fraquezas. O que todos nós necessitamos é de uma família, amigos, empregadores, irmãos e irmãs que nos apoiem, que tenham paciência para nos ensinar, que acreditem em nós, e acreditem que estamos tentando fazer o melhor possível, apesar das fraquezas. O que aconteceu com o benefício da dúvida? O que aconteceu com o desejo de que outra pessoa seja bem sucedida? O que aconteceu com a torcida pela realização do outro?

Não deveria ser surpresa que uma das táticas do adversário nos últimos dias seja instigar rancor entre os filhos dos homens. Ele gosta de ver-nos criticar uns aos outros, ridicularizar o próximo ou nos aproveitarmos das imperfeições das pessoas, ou ainda usarmos uma língua ferina contra os outros. O Livro de Mórmon esclarece perfeitamente de onde vem toda a raiva, malícia, cobiça e ódio.

Néfi profetizou que nos últimos dias o demônio “assolará os corações dos filhos dos homens e os excitará a se encolerizarem contra o que é bom” (2 Néfi 28:20). Pelo que podemos constantemente observar através dos meios de comunicação, Satanás está fazendo um ótimo trabalho. Por causa da transmissão das notícias, algumas vezes somos atacados por representações gráficas – freqüentemente em cores vivas – da cobiça, extorsão, violentos crimes sexuais e insultos entre oponentes comerciais, atletas ou políticos.

Através das escrituras parece surgir uma linha comum. Consideremos, primeiramente, o Sermão da Montanha, que, segundo nosso conhecimento, foi o primeiro sermão que Jesus Cristo pregou aos discípulos recém-chamados. O tema predominante do sermão do Salvador, que em muitos aspectos é o manual básico para se chegar a ele, parece concentrar-se nas virtudes do amor, compaixão, perdão e longanimidade – em outras palavras, as qualidades que nos permitem tratar o próximo com maior compaixão. Voltemo-nos especificamente para a mensagem do Salvador aos Doze: Eles (e nós) foram admoestados a “ir reconciliar-se com (nosso) irmão” (Mateus 5:24), a “conciliar-se depressa com (nosso) adversário” (versículo 25), a “amar (nossos) inimigos, bendizer os que (nos) maldizem, fazer bem aos que (nos) odeiam, e orar pelos que (nos) maltratam e (nos) perseguem” (versículo 44). Somos ensinados: “Mas, se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra” (versículo 39).

É interessante que os primeiros princípios escolhidos pelo Senhor Jesus Cristo para ensinar aos apóstolos focalizam a maneira de nos tratarmos mutuamente. E o que ele enfatizou durante o breve período em que ficou com os nefitas neste continente? Basicamente a mesma mensagem. Será que é porque a maneira de nos tratarmos mutuamente é o alicerce do evangelho de Jesus Cristo?

Durante um discurso num serão informal, realizado com um grupo de membros adultos, o líder que orientava o debate pediu a participação de todos, fazendo a pergunta: “Como podeis dizer se alguém é convertido a Jesus Cristo”? Durante quarenta e cinco minutos, inúmeras sugestões foram feitas pelos presentes em resposta àquela pergunta, e o líder escreveu-as cuidadosamente num grande quadro-negro. Todos os comentários foram ponderados e apropriados. Entretanto, depois de algum tempo, este grande professor apagou tudo o que escrevera. Então, reconhecendo que todos os comentários foram valiosos e muito apreciados, ensinou um princípio importante: “O melhor e mais evidente indício de que estamos progredindo espiritualmente e achegando-nos a Cristo é a maneira como tratamos as pessoas.”

Considerai esta idéia por um momento – a maneira como tratamos os membros de nossa família, nossos amigos, as pessoas que trabalham conosco é tão importante quanto alguns dos mais notáveis princípios do evangelho, algumas vezes enfatizados por nós.

No mês passado, a Sociedade de Socorro celebrou seu sesquicentenário. O lema: “A Caridade Nunca Falha”, tem indicado um modo de vida para seus membros e outras pessoas ao redor do mundo.

Imaginai o que poderia acontecer – ou em nossas alas, ou famílias, ou quoruns, ou auxiliares do sacerdócio – se cada um de nós se comprometesse a tratar os outros com carinho, atenção e cuidado. Imaginai o resultado!

Uma jovem senhora que servia na presidência de uma Sociedade de Socorro da estaca e que na ocasião também trabalhava sob pressão em um projeto especialmente desafiador, perdeu a paciência, certa manhã, numa reunião de presidência. A causa de sua infelicidade tinha pouco a ver com o problema em questão, estando mais relacionada a um trabalho que fazia sob intensa pressão familiar, e à frustração e desgaste que sentia. Mais tarde, sentiu-se envergonhada de seu comportamento e imediatamente telefonou, desculpando-se pela explosão. Suas amigas da presidência foram bondosas e disseram-lhe que não pensasse mais no assunto. Ainda assim, ficou imaginando se não estariam pensando mal dela, agora que a tinham visto num mau momento. Naquela noite, quase na hora do jantar, a campainha tocou e lá estavam as outras três irmãs da presidência, com o jantar nas mãos. “Sabíamos, quando perdeu a calma esta manhã, que devia estar exausta. Achamos que um pequeno jantar poderia ajudar. Gostaríamos que soubesse que nós a amamos”. A jovem senhora ficou estupefata. Apesar da explosão daquela manhã, suas amigas estavam lá, oferecendo-lhe apoio e não a criticando. Em vez de aproveitar a oportunidade para atacá-la, elas estavam cheias de caridade.

Sede alguém que edifica e apóia. Sede alguém que possui um coração compreensivo e clemente e que procura o que há de melhor nas pessoas. Deixai as pessoas melhor do que quando as encontrastes. Sede justos com os concorrentes, seja nos negócios, esportes ou em qualquer outro lugar. Não useis linguajar da moda para tentar “vencer” pela intimidação ou solapando o caráter de alguém. Estendei a mão aos amedrontados, solitários ou oprimidos.

Se pudéssemos olhar dentro dos corações uns dos outros e compreendêssemos os desafios singulares que cada um de nós enfrenta, acho que nos trataríamos com muito mais bondade, amor, paciência, tolerância e cuidado.

Se o adversário conseguir que critiquemos uns aos outros, que nos ofendamos, prejudiquemos, julguemos, humilhemos ou censuremos uns aos outros, ele já ganhou metade da batalha. Por quê? Porque embora este tipo de conduta não possa ser comparado a uma transgressão séria, neutraliza-nos espiritualmente. O Espírito do Senhor não habita onde haja discussão, crítica, contenda, ou qualquer espécie de ofensa.

Já nos tempos bíblicos, Tiago advertiu-nos da necessidade de dominar a língua:

“Assim também a língua é um pequeno membro, e gloria-se de grandes coisas. Vede quão grande bosque um pequeno fogo incendeia.

A língua também é um fogo; como mundo de iniqüidade, a língua está posta entre os nossos membros, e contamina todo o corpo, e inflama o curso da natureza, e é inflamada pelo inferno” (Tiago 3:5–6).

Mais uma vez, permiti-me salientar que quando nos convertemos realmente a Jesus Cristo e assumimos um compromisso com ele, acontece algo interessante: nossa atenção se volta para o bem-estar do próximo, e o modo de tratarmos os outros é caracterizado pela paciência, bondade, gentil aceitação e desejo de atuar positivamente na vida deles. Este é o início da verdadeira conversão.

Estendamos as mãos uns aos outros, aceitemo-nos pelo que somos, pensemos que cada um está fazendo o melhor que pode, e busquemos meios de deixar silenciosas mensagens de amor e encorajamento, em vez de destruição e uma língua ferina.

Tiago nos diz: “Ora o fruto da justiça semeia-se na paz, para os que exercitam a paz” (Tiago 3:18).

Que o Senhor nos ajude individual e coletivamente a entender e ensinar que a língua ferina deve ser substituída pela caridade hoje e sempre, oro em nome de Jesus Cristo, amém.