1990–1999
O Sumo Sacerdote dos Bens Futuros
Outubro 1999


O Sumo Sacerdote dos Bens Futuros

Algumas bênçãos vêm-nos logo, outras vêm depois, e outras não nos chegam nesta existência, mas para os que aceitam o Evangelho de Jesus Cristo elas certamente virão.

Nos tempos atuais, em que necessitamos de tanta ajuda dos céus, precisamos nos lembrar de um dos títulos atribuídos ao Senhor na epístola aos Hebreus. Ao falar sobre o “ministério tanto mais excelente” de Jesus e sobre a razão de Ele ser o “mediador de uma melhor aliança que está confirmada em melhores promessas”, esse autor, presumivelmente o Apóstolo Paulo, nos diz que por intermédio de Sua mediação e Expiação, Cristo tornou-Se “o sumo sacerdote dos bens futuros”.1

Cada um de nós já passou por ocasiões em que necessitávamos saber se as coisas iriam melhorar. Morôni falou a respeito disso no Livro de Mórmon, em “esperar por um mundo melhor”.2 Para a saúde emocional e vigor espiritual, precisamos ter condições de trabalhar incansavelmente por um tempo só nosso, para alcançar algo que seja agradável, renovado e cheio de esperança, esteja essa bênção ao alcance de nossa mão ou um pouco distante. É suficiente saber que chegaremos lá e que, não importa o quão perto ou longe estejam, existe a promessa de “bens futuros”.

Declaro que isto é precisamente o que o evangelho de Jesus Cristo nos oferece, especialmente em tempos de aflição. Existe ajuda. Existe felicidade. Existe efetivamente uma luz no fim do túnel. É a Luz do Mundo, a Resplandecente Estrela da Manhã, “uma luz sem fim, que nunca poderá ser obscurecida”.3 Ele é o próprio Filho de Deus. Em um cântico de amor muito mais intenso do que o proclamado por Romeu (Romeu e Julieta, obra de William Shakespeare–NT), dizemos: “Que luz é esta que brilha através daquela janela?” É a volta da esperança, e Jesus é o Sol.4 A todos os que lutam para enxergar essa luz e encontrar essa esperança, eu digo que perseverem. Continuem tentando. Deus os ama. As coisas vão melhorar. Cristo vem a nós em Seu “ministério tanto mais excelente”, com um futuro de “melhores promessas”. Ele é nosso “sumo sacerdote dos bens futuros”.

Penso a respeito dos missionários recém-chamados, que deixam família e amigos para eventualmente enfrentar rejeição ou falta de estímulo, além de sentir, pelo menos no início, saudades de casa e, talvez, um pouco de medo.

Penso nos jovens pais e mães que, fielmente, constituem família enquanto ainda estão freqüentando a universidade, ou que concluíram seus estudos há pouco tempo, tentando sobreviver com parcos ganhos, sonhando e lutando para ter, um dia, um futuro financeiro melhor. Ao mesmo tempo penso em outros pais que dariam tudo o que possuem no mundo para recuperar um filho perdido.

Penso em pais ou mães que enfrentam tudo isso, sozinhos, após terem se defrontado com a morte do cônjuge, o divórcio, a alienação e o abandono, ou algum outro infortúnio não previsível nos dias felizes do passado e certamente jamais desejado.

Penso nos que anseiam por casar-se e não conseguem, os que desejam ter filhos e não os têm, os que têm muitos conhecidos, mas poucos amigos, os que choram pela morte de entes queridos ou estão eles próprios gravemente enfermos. Penso nos que sofrem por seus próprios pecados ou pelos de outrem, e que precisam saber que há uma possibilidade de retorno e que a felicidade pode ser restaurada. Penso nos que estão desconsolados ou oprimidos, que sentem ter perdido as melhores oportunidades da vida, e agora não mais poderão reavê-las. A todos esses e a muitos mais eu digo: Apeguem-se a sua fé. Não percam a esperança. “Orai sempre e sede crentes”.5 De fato, como Paulo escreveu a respeito de Abraão, ele “em esperança, creu contra [toda] a esperança” ( … ) “E não duvidou ( … ) por incredulidade”( … ) Ele “foi fortificado na fé” ( … ) e estava “certíssimo de que o que [Deus] tinha prometido ( … ) [Ele] ( … ) era poderoso para o fazer”.6

Mesmo que nem sempre possamos enxergar o bem que nos chega por meio de problemas e aflições, Deus o pode, pois Ele é a fonte de onde emana toda a luz que buscamos. Ele nos ama e conhece nossos temores. Ouve nossas orações. Ele é nosso Pai Celestial e certamente mistura as próprias lágrimas com as dos filhos que choram.

A despeito deste conselho, sei que alguns de vocês sentem-se como perdidos, na acepção mais atemorizante do termo. Em meio a águas turbulentas, podem mesmo estar suplicando como o poeta:

Escurece. Meu caminho perdi.

Existe mudança em tudo a meu redor.

As pedras têm a face do mal, Senhor.

E tenho muito medo.7

Não, não é que não reconheça as tormentas que assolam a vida, mas exata e precisamente por causa delas é que testifico a respeito do amor de Deus e do poder do Salvador para acalmar a tempestade. Lembrem-se sempre de que naquele episódio bíblico, Jesus estava no barco, em meio às águas, e que enfrentou o pior momento ao lado dos mais jovens e dos mais amedrontados. Somente Aquele que tem poder sobre ondas ameaçadoras tem autoridade para dizer a nós, e também ao mar: “aquietai-vos”.8 Somente Aquele que nos poupou do impacto das adversidades e venceu o mundo pode nos dizer nesses momentos: “tende bom ânimo”.9 Este conselho não é um discurso retórico para convencer alguém sobre o poder positivo do pensamento, apesar de o pensamento positivo ser muito necessário no mundo. Não, Cristo sabe mais que ninguém que as provações da vida podem ser muito duras e que não seremos pessoas superficiais se lutarmos por sobrepujá-las. O Senhor evita empregar palavras adocicadas para nos falar sobre as dificuldades da vida, mas repreende vigorosamente nossa falta de fé, e deplora o pessimismo. Ele espera que acreditemos!

Nenhum olho humano é tão penetrante quanto o Dele, e muito do que Ele vê despedaça-Lhe o coração. Com certeza, Seus ouvidos ouviram cada súplica angustiada, todo tom de desejo e de desespero. A um grau muito mais intenso do que poderíamos imaginar. Ele foi “varão de dores e experimentado em padecimentos”.10 Na verdade, aos doutores da lei nos caminhos da Judéia, a carreira de Cristo poderia parecer um fracasso, uma tragédia, um bom homem totalmente dominado pelo mal que O rodeava e pela iniqüidade dos outros. Ele não foi compreendido, deturparam Suas obras, foi odiado desde o início. Não importava o que dissesse ou fizesse, Suas declarações eram distorcidas, Suas ações consideradas suspeitas e Seus motivos atacados como se fossem falsos. Em toda a história do mundo ninguém amou de forma tão pura ou serviu tão altruisticamente, e foi tão diabolicamente tratado por Seus esforços. Ainda assim, nada poderia tirar-Lhe a fé no plano de Seu Pai ou nas promessas de Seu Pai. Mesmo nas mais tenebrosas horas, no Getsêmani e no Calvário, Ele seguiu em frente e continuou a confiar no próprio Deus que Ele, momentaneamente, temia que O tivesse abandonado.

Justamente porque os olhos de Cristo estavam firmemente fitos no futuro, Ele pôde perseverar em tudo o que era esperado Dele, sofrer o que nenhum homem poderia jamais “suportar sem morrer”11 como disse o rei Benjamim, considerar os destroços de cada vida e as promessas feitas à Israel antiga, em ruínas à Sua volta, e ainda dizer: “( … ) Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize”.12 Como é que Ele conseguia isso? Por que Ele acreditava? Porque Ele sabe que das coisas fiéis provém o que é certo. Ele é um Rei; Ele fala pela coroa. Ele sabe o que pode ser prometido. Ele sabe que “O Senhor será ( … ) um alto refúgio para o oprimido; um alto refúgio em tempos de angústia. ( … ) Porque o necessitado não será esquecido para sempre, nem a expectação dos pobres perecerá perpetuamente”.13 Ele sabe que “Perto está o Senhor dos que têm o coração quebrantado, e salva os contritos de espírito”. Ele sabe que “O Senhor resgata a alma dos seus servos, e nenhum dos que nele confiam será punido”.14

Perdoem-me por uma conclusão pessoal, que talvez não represente os fardos terríveis que muitos de nós carregamos, mas peço-lhes que a entendam como um estímulo. Fez trinta anos no mês passado que uma pequena família resolveu atravessar os Estados Unidos para fazer pós-graduação, sem dinheiro, com um carro velho, levando todos os bens que possuíam sem preencher a metade do espaço do menor reboque de aluguel que existia. Dizendo adeus a seus pais apreensivos, dirigiram cerca de 55 quilômetros estrada afora até o ponto em que o já cansado e supercarregado veículo engasgou e parou.

Empurraram o carro por um desvio que dava para fora da estrada e pararam em uma via secundária. O jovem pai examinou o vapor que saía do motor, esbravejando furioso, e deixou a esposa e os dois filhos, o mais novo com apenas três meses de idade, esperando no carro, enquanto ele caminhava mais ou menos cinco quilômetros e meio ⌦em direção à “metrópole” de Kanarraville, no sul de Utah, cuja população naquela época era, eu imagino, de 65 habitantes. Conseguiu um pouco de água na periferia da cidade e um senhor muito gentil ofereceu-lhe carona para voltar ao local onde deixara a família. Colocou-se água no carro e vagarosamente, muito vagarosamente, voltou a St. George, com o reboque, para ser consertado.

Depois de mais de duas horas de inspeção e re-inspeção, nenhum problema aparente pôde ser detectado, e a viagem foi reiniciada. Após um lapso de tempo quase igual e exatamente no mesmo ponto da estrada e com as mesmas explosões vindas do escapamento, o carro parou outra vez. Não deviam estar a mais de três metros de onde ocorrera o primeiro problema, ou a um metro e meio dali! Era óbvio que as mais exatas leis da física automobilística estavam em ação.

Nesse momento, sentindo-se mais tolo do que furioso, o jovem e contrariado pai deixou novamente sua querida esposa e filhos e caminhou pela estrada para conseguir socorro. Desta vez, entretanto, o homem que lhe fornecia água disse: “Ou você, ou aquele rapaz que se parece muito com você, precisa de um novo radiador para aquele carro”. E pela segunda vez o homem gentilmente ofereceu ao rapaz carona de volta para o automóvel e seus ansiosos ocupantes. O homem não sabia se ria ou chorava da situação singular daquela jovem família.

“Vocês vêm de muito longe?” perguntou ele. “Cinqüenta e cinco quilômetros”, respondi. “Quanto falta para chegarem a seu destino?” “Quatro mil e duzentos quilômetros”, disse eu. “Bem, você poderá fazer essa viagem, e sua esposa e essas duas criancinhas poderão fazer essa viagem, mas nenhum de vocês conseguirá fazê-la neste carro”. Ele provou ser profético em todas as coisas que disse.

Há duas semanas, eu dirigi até aquele ponto da estrada onde um desvio forma uma via alternativa, mais ou menos a cinco quilômetros a oeste de Kanarraville, Utah. Minha esposa bela e leal, amiga querida e meu grande apoio por todos esses anos, cochilava enrodilhada, no banco a meu lado. As duas crianças da história e o irmãozinho que se juntou a eles mais tarde, já faz tempo que cresceram e serviram como missionários, estão bem casados e têm os próprios filhos. O veículo que dirigíamos desta vez era modesto, mas muito confortável e seguro. Na verdade, a não ser por mim e minha adorável Pat, descansando tão pacificamente a meu lado, nada nesse momento parecia nem remotamente com a circunstância angustiante que passamos três décadas atrás.

Apesar disso, pensei por um instante ter visto, em minha imaginação, o velho carro com aquela esposa devotada e as duas criancinhas tentando não sentir a dificuldade do momento. Imaginei, um pouco distante dali, um homem caminhando em direção a Kanarraville, com muito chão ainda pela frente. Seus ombros pareciam um pouco curvados, ⌦talvez por sentir o peso da responsabilidade de pai. Literalmente, suas mãos “pendiam”.15 Nesse instante imaginário, não contive as palavras de ânimo e disse-lhe: “Não desista, rapaz. Não pare. Continue caminhando. Existe ajuda e felicidade logo adiante, e muita, nos 30 anos a contar de agora, e continuará existindo mais ainda. Tudo terminará bem. Confie em Deus e acredite nos bens futuros”.

Testifico que Deus vive, que Ele é nosso Pai Eterno, que Ele ama cada um de nós com amor divino. Testifico que Jesus Cristo é Seu Filho Unigênito na carne e, tendo triunfado sobre o mundo, é agora o herdeiro da eternidade, co-herdeiro de Deus, estando agora à direita de Seu Pai. Testifico que esta é a Sua Igreja verdadeira e que Eles nos sustêm nos momentos de aflição, hoje e sempre, mesmo que não reconheçamos Sua intervenção. Algumas bênçãos vêm-nos logo, outras vêm depois, e outras não nos chegam nesta existência, mas para os que aceitam o evangelho de Jesus Cristo elas certamente virão. Isto eu afirmo pessoalmente. Agradeço a meu Pai que está no Céu por Sua bondade no passado, no presente e no futuro, e o faço em nome de Seu Filho Amado e o mais generoso de todos os sumos sacerdotes, o próprio Jesus Cristo. Amém. 9

  1. Heb. 8:6; 9:11.

  2. Éter 12:4.

  3. Ver João 8:12; Ap. 22:16; Mosias 16:9.

  4. Ver William Shakespeare, Romeu e Julieta, ato II, cena ii, linhas 2–3.

  5. D&C 90:24.

  6. Rom. 4:18, 20–21.

  7. Joseph Hilaire Belloc, “The Prophet Lost in the Hills at Evening”, in Lord David Cecil, ed., The Oxford Book of Christian Verse (1940), 520.

  8. Ver Marcos 4:39; D&C 101:16.

  9. Ver João 16:33; D&C 68:6.

  10. Mosias 14:3; Ver Is. 53:3.

  11. Mosias 3:7.

  12. João 14:27

  13. Salmos 9:9,18; grifo do autor.

  14. Salmos 34:18,22

  15. Ver D&C 81:5.